Condomínio de lotes e loteamento de acesso controlado: reavivando fronteiras

AutorCarlos Edison do Rêgo Monteiro Filho e Gustavo Souza de Azevedo
Páginas467-498
Condomínio de lotes e loteamento de acesso
controlado: reavivando fronteiras
Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho
Gustavo Souza de Azevedo
Sumário: Introdução; – 1 Condomínio de lotes e loteamento de
acesso controlado: semelhanças e distinções; – 2 Principais con-
trovérsias entre condomínio de lotes e loteamento de acesso con-
trolado; – 2.1. Incerteza acerca da admissão, pelo direito brasilei-
ro, da existência de condomínios de lotes; – 2.2. Incerteza acerca
da legalidade do cercamento de loteamento para controle de aces-
so a áreas que, a rigor, são bens públicos de uso comum; – 2.3.
Incerteza acerca da possibilidade de exigir de moradores de lotea-
mentos fechados contribuição para preservação das áreas internas
ao loteamento e custeio de serviços ali disponibilizados; – 3. Solu-
ções aventadas pela Lei nº 13.465/17; – 4. O julgamento do RE
695.911/SP (Tema 492 da repercussão geral): necessária delimi-
tação de seu escopo de incidência; – 5. Considerações finais.
Introdução
No próximo dia 10 de janeiro, nosso Código Civil completa-
rá vinte anos. Fruto de projeto que dormitava por longas décadas
nos porões do Congresso Nacional, naturalmente alguma des-
confiança surgiu em torno do novo diploma, desde o momento
de sua promulgação. Trata-se de previsões normativas que re-
montam ao final da década de 19601, quando se iniciaram os tra-
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1 Mais precisamente, a Comissão Revisora e Elaboradora do Código Civil,
coordenada pelo professor Miguel Reale, foi constituída em 23 de maio de
balhos da comissão encabeçada pelo Professor Miguel Reale;
sendo certo que o processo legislativo viria a ser deflagrado so-
mente em 1975, com a apresentação pelo chefe do Executivo do
PL que ficou notabilizado pelo número 634-B, da Câmara dos
Deputados.
As críticas dardejadas contra a promulgação do então projeto
de Código Civil erigiam-se sobre dois argumentos principais.
Vislumbravam-se, em primeiro lugar, traços de incongruência
ao Texto Constitucional que lhe fora superveniente, a desafiar
controle de constitucionalidade de bom número de seus dispo-
sitivos2.
Em segundo lugar, afirmava-se a incapacidade do projeto de
produzir verdadeira renovação na civilística nacional, vez que se
caracterizava pelo mesmo cariz patrimonialista e individualista
que marcavam o Código Civil de 1916. Ilustrativamente, men-
cionava-se a timidez com que o legislador regulou os direitos da
personalidade, dedicando-lhes apenas onze artigos e lhes atri-
buindo estrutura própria de direitos subjetivos3. Diante disso,
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1969. (PASSOS, Edilene; LIMA, João Alberto de Oliveira. Memória Legis-
lativa do Código Civil. Brasília: Senado Federal, 2012, p. xi. Disponível em:
http://www.senado.leg.br/publicacoes/mlcc/pdf/mlcc_v1_ed1.pdf. Acesso
em: 05.10.2021).
2 Sobre o tema, ver MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Vinte
anos do código civil e mitigação do princípio da reparação integral: much ado
about nothing? In: Revita IBERC, v. 4, n. 3, set.-dez. 2021, editorial, pp.
iii-xiv.
3 “O capítulo referente aos direitos da personalidade foi amplamente
noticiado como uma das grandes novidades do Código Civil de 2002, motivo
para louvores e prova de sua atualidade. A constatação de que se trata, neste
ponto, de mera repetição de dispositivos redigidos em 1963 por Orlando
Gomes, não é, contudo, a principal crítica a esta propaganda enganosa. Seu
problema mais grave é fazer crer que o vasto movimento mundial que, ao
longo do último quartel do século XX, se dedicou a orientar o Direito no
sentido de uma integral e irrestrita proteção da pessoa humana em sua
dignidade limita-se, para o civilista, a um rol de tímidas enunciações do
legislador ordinário, reduzidas em número e presas à categoria dos direitos
subjetivos”. (BODIN DE MORAES, Maria Celina. Ampliando os direitos da
autorizada doutrina defendia que menos pior seria a manuten-
ção do Código Bevilaqua, desde que, evidentemente, relido e
ressignificado a partir dos valores enfeixados da Constituição da
República, esforço ao qual a doutrina civilista já se dedicava des-
de 19884.
Ao lançar olhar retrospectivo aos últimos 20 anos, entretan-
to, percebe-se importante papel exercido pelo novo Código na
consolidação de movimentos que encontram raiz na Constitui-
ção de 1988. Exemplo mais perceptível talvez seja a renovação
do direito dos contratos, com a positivação dos ditos novos prin-
cípios contratuais – boa-fé objetiva, função social do contrato e
equilíbrio das prestações –, que têm como supedâneo a solida-
riedade social de lastro constitucional5.
A percepção do espraiamento dessa nova realidade pelos di-
ferentes campos do direito civil, todavia, deu-se de maneira gra-
dativa. Supôs-se, a princípio, que o ramo dos direitos das coisas
restaria infenso às ondas de mudança, como se o papel das titu-
laridades, associadas de algum modo à concepção milenar de
propriedade, estivesse contida numa ilha de estabilidade em
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personalidade. In: Na medida da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar,
2010, p. 126).
4 “O novo Código nascerá velho principalmente por não levar em conta a
história constitucional brasileira e a corajosa experiência jurisprudencial que
protegem a personalidade humana mais do que a propriedade, o ser mais do
que o ter, os valores existenciais mais do que os patrimoniais. E é demagógico
porque, engenheiro de obras feitas, pretende consagrar direitos que, na
verdade, estão tutelados na nossa cultura jurídica desde o pacto político de
outubro de 1988”. (TEPEDINO, Gustavo. O Novo Código Civil: duro golpe
na recente experiência constitucional brasileira. In: Revista Trimestral de
Direito Civil, vol. 7, 2001, editorial).
5 A respeito dos princípios contratuais contemporâneos, bem como o
processo de acomodação das camadas fundamentais do direito contratual, v.
AZEVEDO, Antonio Junqueira. Princípios do novo direito contratual e des-
regulamentação do mercado – direito de exclusividade nas relações contra-
tuais de fornecimento – função social do contrato e responsabilidade aquilia-
na do terceiro que contribui para inadimplemento contratual. In: Revista dos
Tribunais, v. 750, a. 87, abril 1998, pp. 115-116.

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