Contribuição para a política de proteção patrimonial - uma perspectiva fenomenológica

AutorMaria Coeli Simões Pires
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Pontifícia. Universidade Católica de Minas Gerais
Páginas609-653
Capítulo 14
CONTRIBUIÇÃO PARA A POLÍTICA
DE PROTEÇÃO PATRIMONIAL...
– UMA PERSPECTIVA FENOMENOLÓGICA
1. PATRIMÔNIO CULTURAL NO PARADIGMA DEMOCRÁTICO –
DIREITOS CULTURAIS
O acesso à cultu ra e a fruição do Patrimôn io cultural devem ser trata-
dos como direitos culturais no quadro dos direitos humanos, seja com base
nas normativas inter nacionais acolhidas no dir eito pátrio, seja nas de c unho
regiona l e interno.
Já em 1984, Caio Tácito, louvando o progresso experimentado pelo
Direito Público no tocante à expansão de suas asas para abrir o leque das
garantias fundamentais, assinalou:
“[O Direito Público] opondo ao absolutismo do poder a proteção
das liberdades públ icas e da propriedade privada, passou a defen-
der em etapas sucessivas os direitos do homem […]. Já agora, a
ordem jurídica se volta para proteger o homem contra os riscos
do progresso e da tecnologia, a espoliação dos recursos naturais
e a violação dos bens da cu ltur a”.1
Segundo o autor, a ordem constituciona l de 1988 consolidou a proteção
dos direitos difusos, supera ndo o plano simbólico e programático das dota-
ções jurídicas pa ra dar-lhes efetividade por meio de in strumentos processuais
adequados e de legitimação de ag ir na defesa dos interesses coletivos.2
José Afonso da Silva, por sua vez, refere-se ao direito f undamental à
cultura , proclamação constitucional que post ula prestação positiva do Esta-
do no bojo de uma política pública of icial.3
1 TÁCITO, Caio. Do direito ind ividual ao direito d ifuso. In: Revi sta de Direito Admi-
nistrativo. Rio de Janeiro, 157: (1-15), jul./set. 1984. p. 13.
2 TÁCITO, Caio. Do direito ind ividual ao direito d ifuso. In: Revi sta de Direito Admi-
nistrativo. Rio de Janeiro, 157: (1-15), jul./set. 1984. p. 13.
3 SILVA, José Afons o da. Ordenaç ão constitucional d a cultura. São Paulo: Malheiros,
2001. p. 48.
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Da proteção ao patrimônio cultural
A política de proteção ao patrimônio cultural deve ter seu elemento
seminal nessas dotações do direito fundamental à cultura, a ncorando-se na
dimensão socia l e na perspectiva difusa de suas expressões, ganhando con-
formação nos quadrantes do projeto constitucional da cultura, tracejado,
sobretudo, a parti r do comando do art. 216 da Constituição Federal de 1988.
Em outras palavras, deve-se estar atento à dimen são constitucional do
patrimônio cu ltural, buscando-se, ta mbém, (re)sign ificar os instit utos proteti-
vos à luz dos direitos cu lturais, como tematiza Rodr igo Vieira Costa.4
De outra parte, do ponto de vi sta filosófico, a política há de se conduz ir
pela ótica antropocênt rica, conquanto não egoística, a qual afa sta a compreen-
são de um patrimôn io cultural divorciado de se ntidos e do sentimento das pes-
soas. Assim, como referênc ia e identidade, o patrimônio cultu ral não pode ser
tratado como mera express ão de carga valorativa herdada, mas, es sência, como
a carga valorativa que l he é atribuída no processo indenitár io e de fruição.
Por isso mesmo, é expressão comum, no parad igma democrático, a
afir mação de que “o patrimôn io não pode ser considerado a lgo dado”. Há, de
fato, um componente subjetivo daqueles que se relacionam com os seus refe-
rentes, e que, por isso mesmo, os (re)significam, perenizando o patrimônio
pelo valor que lhe atribuem – dest inatários e sujeitos de sua atuali zação.
Tem-se, pois, como premissa da política de proteção patrimonial, a
concepção segundo a qual a identificação e a fruição do patrimônio são to-
madas como desdobramento do direito à cultura, o que se associa, à luz do
paradigma democrático, ao caráter vivo do patrimônio, que se revela pela
dimensão subjetiva das relações dos destinatários com os referentes cultu-
rais, sem prejuí zo do compromisso com o fluxo comunicac ional.
2. ALTERNATIVAS PARA CONTRAPOSIÇÃO AOS FATORES
QUE DIFICULTAM A PRESER VAÇÃO
De caráter metajurídico, as considerações registradas neste capítu lo,
muitas colhidas med iante pesquisa de campo, outras da contribuição infor-
mal de estud iosos da matéria, destinam-se a s ubsidiar a discussão de a lterna-
tivas para reformu lação da política de cultura com ên fase na proteção patri-
monial, e dos marcos lega is sobre preservação.
Fatores diversos dif icultam a concepção da política específ ica, certas
opções legislativas com vistas à proteção, bem assim sua implementação.
4 COSTA, Rodrigo Vieira. A Dime nsão Cons titucion al do Patrimôni o Cultural: o tomba-
mento e o regist ro sob a ótica dos direito s culturai s. Rio de Janeiro: Lumen Ju ris, 2011.
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CONTRIBUIÇÃO PARA A POLÍTICA DE PROTEÇÃO PATRIMONIAL...
Dificu ldades se colocam, sobretudo, à inter pretação e à aplicação do arca-
bouço normativo, distanciando a base fenomenológica da cult ura patrimo-
nial da idealidade legal e das soluções de aplicação do direito, em âmbito
administrativo e judicial. Esse quadro consubstancia uma série de entraves
à preservação dos bens sujeitos a reg ime especial de proteção no Brasil.
De valia para os objet ivos de proposição de novos rumos das políticas
públicas relativas ao Patrimônio Cultural são as ref lexões e conteúdos da
obra Patrimônio Cu ltural: políticas públicas e perspectivas da preser vação
no Brasil, de Márcia Chuva e Antônio Gilberto Ramos Nogueira. Tratando
o tema do patrimônio em t ríplice abordagem: historiog ráfica e inst rumental
da política pública e diagnóstica da gestão, os estudos, na lin ha de outras
contribuições dos autores, sedi mentam base para uma ação dialóg ica e cons-
trutiva.5 Na mesma vertente, a abordagem do tema pela s vertentes histórica,
ética e pol ítica, desenvolvid a pelos citados autor es.6 Merecem igual destaque
a contribuição acerca das referências culturais como base de const rução de
novas políticas para o setor, constante de manual coordenado por Célia
Corsino,7 dos quadros inst itucionais do IPHAN; e os suplementos aportados
por Paula Hor ta.8
Nesse sentido, a reconformação ou revisão dos marcos legais desafia
os estudiosos da legística a buscarem a aproximação das soluções normati-
vas com a complexidade fenomenológica que circu nstância o objeto da dis-
ciplina e, ao mesmo tempo, com a política d a cultura e a atuação das i nstân-
cias com ela envolvidas. Nesse intento, um largo passo deve ser dado,
especialmente em face da mundialização da cult ura, no complexo contexto
do Estado Pós-moderno, de profund as mutações – econômicas, sociais, polí-
ticas, ideológicas e terr itoriais –, de que fala Jacques Chevallier,9 no sentido
5 CHUVA, Márcia; NOGU EIRA, Antônio Gi lberto Ramos (org.). Patrimônio Cultu-
ral: política s públicas e persp ectivas de pres ervação no Brasi l. Rio de Janei ro:
Mauad X: Faperj, 2012.
6 CHUVA, Márcia; NOGUEIR A, Antônio Gilberto R amos (org.). Patrimônio Cultu-
ral: política s públicas e persp ectivas de pres ervação no Brasi l. Rio de Janei ro:
Mauad X: Faperj, 2012.
7 FONSECA, Mari a Cecília Londres. Re ferências Cultur ais: Base para Novas Políti -
cas de Patri mônio. In: CORSINO, Célia e outr os. Inventário Naci onal de Referênc ias
Culturais: Manual de Aplicação. Bras ília: Inst ituto do Patrimônio H istórico e Art ís-
tico Nacional , 2000.
8 HORTA, Paula. Política de Prese rvação do Pat rimônio Cult ural no Brasil: di retrizes,
linha s de ação e resultados. 2000/2010. Brasília: Ipha n: Monumenta, 2012.
9 CHEVALLIER, Jacques. O Esta do Pós-Moderno. Tradução de: Marçal Ju sten Filho.
Belo Horizonte: E ditora Fórum, 2009.
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