Relações jurídicas
Autor | Maria Coeli Simões Pires |
Ocupação do Autor | Bacharel em Direito pela Pontifícia. Universidade Católica de Minas Gerais |
Páginas | 431-459 |
Capítulo 10
RELAÇÕES JURÍDICAS
As relações jurídicas, que se travam a partir de situações jurídicas,
signif icam vinculações de sujeitos entr e si, ou entre estes e objetos, enuncia-
das por notas de atribu ição ou desatribuição, tradu zidas por poder ou dever
das pessoas qua nto ao objeto.
O ato de tombamento incide sobre uma situação jurídica – retratada
na estática de determ inada relação – decorrente de uma norma de at ribuição
que reconhece ao proprietário da coisa o status de dominus, ou ao seu deten-
tor, o poder de dela frui r.
A relação nova que se estabelece subjacente ao ato de tombamento,
entre o sujeito ativo, o Estado, e o sujeito passivo – o proprietár io ou deten-
tor do objeto –, caracteriz ando intervenção daquele sobre o patrimônio des-
te, traduz-se norma lmente em notas de desatribuição de parcela do conteú-
do jurídico da propriedade e alteração do status do tit ular ou detentor; isso
ocorre em razão do regime especial que se i nstitui para a proteção do bem,
impondo obrigações públicas àque les que com ele se relacionam, às qua is se
opõe o direito do Estado de e xigir o seu cumprimento.
Tais obrigações públicas, conforme bem ensina Seabra Fagundes,1
constituem li mitações que interferem na órbita de liberd ade do indivíduo ou
incidem sobre os di reitos patrimoniais:
“A obrigação pública pode ser positiva (obrigação de fazer ou de
dar), negativa (obrigação de não fazer), ou mista (obrigação de
suportar). Tanto num como noutro caso, contém uma ordem li-
mitativa da liberd ade pessoal ou dos direitos patrimon iais, a cuja
obediência o ind ivíduo fica vinculado”.
Como já ficou evidenciado quando da a nálise dos efeitos do tombamen-
to, elas se ajustam à classificação defendida pelo mestre. Plenamente
1 FAGUNDES, Miguel Se abra. O controle dos atos admini strativos pelo Poder Judi ciário.
4. ed. atual. R io de Janeiro: Forense, 1967. p. 206.
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Da proteção ao patrimônio cultural
defensáveis, tais obrigações se conciliam com os princípios informadores da
ordem jurídica pátr ia, segundo a qual a propriedade privada e o exercício das
liberdades ind ividuais devem conformar-se com o inter esse social igual mente
protegido, o que se enquadra na concepção do ca ráter por excelência limitati-
vo da atividade estata l defendida por Carnelutti, car áter esse não exclusivo:
“A atividade estatal depende e se compõe, essencia lmente, de li-
mitações às atividades individuais, no que concerne à pessoa e
aos bens. Pela origem e pelo dest ino do Estado, é um órgão limi-
tativo das atividade s dos seus habitantes”.2
Poder-se-ia, mesmo, dizer que t ais limitações ocorrem num plano nor-
mal de relações – que pressupõe u m nível de interesse e um de conflito –, as
quais, na expl icação de Carnelutti,3 se v islumbram a partir da constatação de
que os elementos sujeitos e objeto
“Estão entre si lig ados por dupla relação, entre o sujeito e objeto
e entre ambos os sujeitos. Uma é relação de pri meiro grau e cha-
ma-se interesse; a outra é relação de grau superior e chama-se
confl ito de interesses”.
Os conflitos são da dinâmica da relação; desde que não extrapolem a
razoabilidade, são suportáveis, e a eles deve ceder o sujeito titular do
objeto.
1. CONFLITOS GERADOS PELO TOMBAMENTO
Pode ocorrer que a relação nova oriunda do tombamento não i nterfi-
ra substancia lmente na situação jurídica anter ior, mantendo-se relativamen-
te ao direito desta decorr ente, em essência, os seus atributos, e, em consequ-
ência, gara ntindo-se a compatibilização da s relações jurídicas.
Ao contrário, pode ocorrer que o tombamento, sobrevindo como re-
lação cogente de caráter interventivo, alcance situação jurídica constituída,
dificultando a fruição do direito adquirido. Nessa situação, do ato adminis-
trativo enquanto atua lização de uma hipótese legal emerge, de forma me-
diata, direito para o administrado; ou o direito pode advir também do ato
como fonte imediata. Tomem-se como exemplos dois atos: um de tomba-
mento de um prédio colonial em re lação ao qual o proprietário já conta com
2 CARN ELUTTI, Francesco. Teoria ge ral do direito. Tradução de: A. Rodrig ues Queiró
e Artu r Anselmo de Castro. São Pau lo: Livraria Acadêm ica: Saraiva, 1942. p. 246.
3 CARN ELUTTI, Francesco. Teoria ge ral do direito. Tradução de: A. Rodrig ues Queiró
e Artu r Anselmo de Castro. São Pau lo: Livraria Acadêm ica: Saraiva, 1942. p. 246.
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