Processo de tombamento

AutorMaria Coeli Simões Pires
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Pontifícia. Universidade Católica de Minas Gerais
Páginas375-429
Capítulo 9
PROCESSO DE TOMBAMENTO
Preliminar mente, cabe salientar que o estudo do processo de tomba-
mento demanda o deslocamento da atenção, do ponto inaug ural desse, para
o momento anterior à sua instauração. É dizer: há de se ter em conta que,
fora da processual idade propriamente dita do instituto, há cautelas e provi-
dências que devem ser adotadas no bojo da política pública voltada para a
proteção patrimonia l da cultura, a envolver estudos, estratégias, planos,
priorida des, entre outras.
Em segundo lugar, é necessário que se dê a uma proposição de tomba-
mento, além de subsídios técnicos especializados, o adequado suporte jurídico,
notadamente em contexto de maior complexid ade nas interfaces do inst ituto e de
transição paradigmática do próprio Estado. Anota-se que a disciplina lega l do
processo de tombamento encontra-se assentada em linhas principiológicas fun-
damentais da Constituição Federal, que balizam os chamados processos ad mi-
nistrativos, ancorando-os nas garantias de ampla defesa e contraditório, e no
Decreto-lei 25/37, com complementações esparsas. Tendo sido a referida norma-
tividade recepcionada pela Constituição Federal de 1988, chama-se a atenção
para o que deva ser ressig nificado ou assim ilado a partir d e leitura conforme com
a nova ordem. No mesmo diapasão, impende regi strar a existência da Lei G eral
de Processo Adm inistrativo, a de n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o
processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Em face
do tratamento especializado dado ao processo de tombamento pelo Decreto-lei
25/37, a aplicação da lei geral só terá luga r nesse campo em caráter subsidiário,
consoante dispo sto no art. 69: “Os processos admin istrativos específ icos continu-
arão a reger-se por lei própri a, aplicando-se-lhes apenas subsidia riamente os pre-
ceitos desta Lei”, ainda assim, no tocante à atuação da União, uma vez que se
caracteri za tão só como lei geral federal, e, portanto, sem ca ráter nacional.
No tocante às cautelas preparatórias e à assimilação dos princípios
democrát icos e de participação assentados na Constituição como informa-
dores da ação estatal, cumpre lembrar a importância da ampla d iscussão da
proposta de tombamento entre o órgão estatal e a sociedade, para que a
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iniciativa do Poder P úblico não se caracterize como intervenç ão autoritária,
e, por tal razão, rejeitada por seus d estinatários primeiro s. Registr a-se, tam-
bém, a conveniência de que a notificação ao proprietário e a mobil ização
sejam precedidas de inventário, uma forma simplificada de proteção, para
que a iniciativa do Poder P úblico não se frustre no interreg no da discussão.
Feitas estas considerações, busca-se aduzir elementos para uma dis-
cussão técnica d a temática processual, notadamente aqueles relativos à del i-
mitação conceitual de processo, com vistas ao enquadra mento ou não da
ação do poder estatal na est rita processualística do D ireito Administrat ivo.
Em rápida análise, registram-se as duas posições c lássicas, isto é, as
que rivalizam a doutrina processualista: a alemã, que parte do processo
como gênero, de que é espécie o procedimento, e a italiana, que defende o
procedimento como gênero, canal das diversas ma nifestações estatais, situ-
ando o processo como espécie.1
Segundo ensi nos de Dinamarco, a doutrina alemã, n a qual se destaca
Liebman, é criticada principal mente quando se tem em vista a impossibili-
dade de abrangência d e todas as manifestações do E stado na esfera processu-
al, haja vista as p eculiaridades que aí se reg istram.
A posição dos italianos, à s ua vez, firma-se segu ndo enfoques diferen-
tes, defendidos por três correntes que se situam a partir daquela premissa –
procedimento como gênero e processo como espéc ie.
A primeira cor rente italiana vincul a-se à teoria do ato-procedimento,
e, confund indo as noções de ambos, perde, com essa postura, o ne xo especi-
ficamente proced imental. Segundo ela, tod a ação estatal se dá mediante pro -
cedimento, sendo este uma sequência formal de atos menores que se inte-
gram no ato complexo. Confundem-se, nessa visão, ato complexo e
procedimento, que aí se equiva lem.
Já a segunda teoria, firmada, entre outros, por Chiovenda, aceita a
premissa do proced imento como categoria distinta d a do ato (Procedimento
– ato que se faz no tempo como unidade). Todavia, situa a diferença entre
elas na natureza intrínseca de cada um (ato-estática/procedimento-d inâmi-
ca). Enfrentando a teoria do ato-proced imento, Chiovenda tenta recuperar o
nexo procedimental. Demonstra a diferença, situando o processo no plano
fático, irrepetível, e o proced imento, no plano abstrato. O procedimento é a
previsão normativa de um nexo procedimental, de uma concatenação, de
uma série de atos em que o importante é o complexo deles; o processo é a
atualização dessa previsão normativa, é a concret ização do modelo que nela
1 DINAMA RCO, Cândido R. A instrumen talidade do processo. São Pau lo: Revista dos
Tribunais, 1987. pp. 176-93.
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se contém. Chiovenda incorre em excesso na med ida em que explica o pro-
cesso a parti r de sua concretude.
Sandülli, administrativista, empenha-se na tarefa de desenvolver os
conhecimentos de Chiovenda, tendo em vista a aplicação desses ao Di reito
Administrativo.
Nessa mesma corrente, situa-se, a inda, Carnelutti,2 que, no enta nto, já
distingue procedimento e processo; partindo da mesma premissa, apenas
suaviza a posição de Ch iovenda. Os fragmentos de sua obra que aqui são
traduzidos aprofundam as noções conceituais sobre aqueles núcleos e po-
dem ser tomados como substanciosos suplementos para a compreensão do
tema em análise, e para a percepção de uma lógica subjacente aos enuncia-
dos propostos, o que justif ica a extensa transcrição de conceitos de ato e
procedimento, tange nciando, também, o de ato complexo:
“Com o propósito habitual de ordenar os conceitos, saliento que o
estudo dessas reg ras há de se dar a partir de um duplo enfoque;
trata-se, em primei ro lugar, de contemplar os atos em si, ou seja,
isolados uns dos outros, como objeto de sua reg ulamentação; e de-
pois, os atos em relação uns com os outros, ou seja em sua concate-
nação, que como veremos, recebe o nome de procedimento [...] O
conceito de ato que serve aos juristas é de ordem econômica, en-
quanto é determi nado em função do efeito que dele decorre para o
desenvolvimento de um interesse e, portanto, para a satisfação de
uma necessidade. Existe, pois, um ato, quando um determinado
movimento e a mutação correspondente di rigem-se para tal sat isfa-
ção, em que reside a sua causa. Pois bem: pode acontecer que, para
o desenvolvimento de determinados interesses, sejam necessários,
por sua vez, vários atos, cada u m dos quais pode ser suficiente par a
a satisfação de outra necessidade. O fenômeno é absolutamente
análogo ao que se nota no campo dos sujeitos e objetos de Direito:
Um cavalo e um carro ser vem em si para coisas disti ntas, mas para
obter algo mais é necessá rio que combinemos vários cavalos para
formar uma pare lha ou ainda vários ca rros para formar um conjun -
to, ou o cavalo e o veículo para formar u ma carruagem. O exame
do desenvolvimento do processo, e, em geral, do D ireito revela-nos
precisa mente, com grande frequê ncia, a combinação de vários atos
para obter maiores efeitos do que aquele que cada u m obteria por si,
mais ainda: o próprio processo representa a referida combinação.
2 CARNELUTTI, Fr ancesco. Siste ma de derecho p rocesal civil. Bue nos Aires: Un ión
Tipograf ica Editorial Hi spano Americana, 194 4. pp. 101 e 102, v. 3.
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