A proteção do patrimônio cultural no plano internacional

AutorMaria Coeli Simões Pires
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Pontifícia. Universidade Católica de Minas Gerais
Páginas19-87
Capítulo 1
A proteção do patrimônio cultural no plano
internacional
1. ÓRGÃOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DOS VALORES
NATURAIS E CULTURAIS
Sabe-se que são remotas as in iciativas voltadas para a proteção do patri-
mônio cultur al no plano interno de algu mas nações ditas civili zadas, haja vis-
ta a presença de tantos refer entes preservados em diversos países, ma s estraté-
gias estr uturadas desenharam-se por esforço coletivo no âmbito de
determinadas regiões, em estágio mais recente, especia lmente como contra-
ponto aos riscos e mazelas das guerras.1,2 A temática ganhou, aos poucos,
caráter universal, de modo que a comunidade internacional desenvolveu a
consciência da necessidade de estratégias e mecanismos de tutela ou salva-
guarda desse patrimônio, seja concebido segundo vertentes etnográficas de
estudo e descrição dos re ferentes identitários dos povos (líng ua, religião, entre
outros) e suas manifest ações culturais mater iais, seja superando tal concepção
para acolher a dimen são do patrimônio perenizado em contí nuo processo de
(re)apropriação e (re)sign ificação, em sua composição material e imater ial.
Ao longo da história, demonstrando essa consciência, a par de orga-
nismos internos pioneiros, outras organizações inspiradas em convenções
internacionais têm-se estrutu rado, ocupando-se do tema e protagonizando
acordos e outras pactuações t ransnacionais, objetivando efetiva r ou ampliar
a tutela do patrimôn io cultura l por meio de: mecanismos de cooperação;
1 FERRA Z, Thalyta Gome s. O Papel da Cooperação Sul-Su l na Rearticulaç ão da Au-
toridade do Patr imônio Cultur al no Brasil: um es tudo sobre ações intern acionais do
IPHAN. Di ssertação de Mestrado sob or ientação do Professor Paulo Luiz Mor eaux
Lavigne Es teves. Pontifíc ia Universidade Catól ica do Rio de Janei ro, Instituto de
Relações Inter nacionais RJ, 2015 (Certi ficação Dig ital: 1211351/CA) PUC-Rio-MA-
XWELL Cf. Capít ulo: A Dinâmica inter nacional da Proteção do Patr imônio Histó-
rico e Art ístico Nacional, do qua l se colhem outros subsídios per tinentes.
2 MOURA, Ângela Acosta Giova nni de. A Proteç ão Internaciona l do Patrimôn io
Cultura l. Cadernos de Direito. Pir acicaba, v. 12(23): 91-110, jul. – dez. 20 02. ISSN:
1676- 529-X.
Da_Protecao_ao_Patrimonio_Cultural.indd 19 27/11/2021 22:20:47
20
Da proteção ao patrimônio cultural
diretrizes de políticas protecionistas a partir de premissas aceitas pelas na-
ções envolvidas; criação de f undos de assistência, entre outras cautela s.
Resgatando-se, nas l ições de Thalyta Gomes Ferraz , alguns organ is-
mos internos que construíram esse caminho da t utela patrimonial, regis-
tram-se o Ser viço de Proteção de Antiguid ades Nacionais da Suécia, criado
ainda no século XVII; os outros órgãos ou instâncias que se seg uiram: em
1807, a Chanceller y Recommendations, na Dinamarca; e, em 1830, o Co-
mité Historique na Fra nça. Deve-se, principalmente, à França revolucio-
nária a noção de patrimônio como referente de memória e identidade do
povo francês, para cuja tutela a Assembleia Nacional projetou ações vigo-
rosas, a part ir da constituição de comissão enca rregada de resgatar, identi-
ficar e registrar obras de a rte e monumentos, bem assim da adoção de
instruções aos administradores da República Francesa. Tudo, em resposta
aos movimentos de intelectua is e eruditos em prol da proteção dos bens e
da memória, e em contraposição ao estado de destruição, degradação, de-
vastação por incêndios cr iminosos, e de espoliação por saqueamentos e
outros vandalismos. Não se pode olvidar, porém, que as lições de Roma
antecederam esse marco, notadamente a partir de 1420, como estratégia
de poder da Igreja. Enumera m-se, ainda, já por influência de tratativas in-
ternacionais: em 1882, o Ancient Monuments Protection na Inglater ra; e,
em 1906, o Antiquities Ac t, nos Estados Unidos da América; e outros. Ess es
organismos, especialmente os da Europa, trasladara m suas práticas para
suas colônias ou terr itórios sob sua in fluência.3
Seria, todavia, necess ário contar com organizações i ntergovernamen-
tais que pudessem ass umir a defesa do patrimôn io da cultura em sua di men-
são ao mesmo tempo plural e un iversal, papel que foi assumido pela Orga ni-
zação das Nações Unidas par a a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO
–, agência da Organização das Nações Unidas – ONU – que tem, entre seus
objetivos, o de assegur ar a preservação da herança da huma nidade, constitu-
ída por livros, obras de arte e monumentos históricos e científicos e o de
colocar essa herança cu ltural à disposição de todos, incentivando o respeito
mútuo entre os povos, mediante a defesa dos d iferentes valores cultura is.
3 FERRAZ, Th alyta Gomes. O Pap el da Cooperação Sul- Sul na Reart iculação da
Autoridade do Patr imônio Cultural no Br asil: um estudo sobre ações i nternacio-
nais do IPHA N. Dissertação de Mestr ado sob orientação do Professor Paulo Lu iz
Moreaux Lavig ne Esteves. Pontifíc ia Universidade Católica do R io de Janeiro, Ins-
tituto de Relaçõe s Internacionais R J, 2015 (Certificação Dig ital: 1211351/CA) PUC-
-Rio. Cf. Capítu lo: A Dinâmica inter nacional da Proteç ão do Patrimônio Hi stórico
e Artís tico Nacional, PUC-R io Disponível em: www.max well.vrac.puc-
-rio.br/26947/26947_5.PDF>. Acesso em: 14 fev. 2019.
Da_Protecao_ao_Patrimonio_Cultural.indd 20 27/11/2021 22:20:47
21
A proteção do patrimônio cultural no plano internacional
A criação da UNESCO partiu da premissa de que o respeito às dife-
renças cultu rais seria o caminho para construção da paz entre os povos, o
que se viabilizaria a partir da formação de uma ordem normativa para cuja
construção os Estados participantes pudessem aportar suas contribuições
referenciadas por sua identidade política e cultural4; da legitimação e com-
partil hamento de práticas protetivas ou de defesa em cu rso; da contingência
de fortalecimento de autoridades patrimoniais em estados em processo de
consolidação de sua sobera nia, tudo sob a chancela de uma órgão com forte
representatividade no concerto das nações. Defin iu-se, assim, como missão
da Agência, a di fusão da cultura, do conhec imento produzido e acumulado
dos estados participantes; a promoção da educação e de outras iniciativas
que pudessem refletir na autoestima e na diversidade cultural dos povos.
Apesar de constit uírem avanço no campo da preser vação do patrimônio cul-
tural, a s ações da UNESCO não se desenvolviam propriamente pela ver ten-
te de reconhecimento de di reitos culturais.
Ademais, no contexto de empoder amento dos povos descoloniz ados,
de rescaldos do movimento pós-moder no globalizatório, de dinâmicas dos
movimentos inclusivos de m inorias nas políticas identitá rias, a arregime nta-
ção em torno dos direitos cu lturais, muitas vez es, ocorreu à margem de uma
concepção universal dessas dotações jurídicas fundamentais, para operar
em prol de grupos d issonantes, em recortes que, paradoxalmente, tendem a
reforçar a estratificação e exclusão deles.5 Tudo sustentado por bandeiras
políticas ideológicas, ma is que por códigos do direito e por políticas públ icas
capazes de gar antir a efetividade dos diretos c ulturais.
Transcreve-se, a propósito, a advertência feita por Christian Cour-
tis: “Embora façam parte do conjunto de direitos huma nos reconhecidos
internacionalmente desde a adoção da Declaração Universal dos Direitos
4 FERRAZ, Th alyta Gomes. O Pap el da Cooperação Sul- Sul na Reart iculação da
Autoridade do Patr imônio Cultural no Br asil: um estudo sobre ações i nternacio-
nais do IPHA N. Dissertação de Mestr ado sob orientação do Professor Paulo Lu iz
Moreaux Lavig ne Esteves. Pontifíc ia Universidade Católica do R io de Janeiro, Ins-
tituto de Relaçõe s Internacionais R J, 2015 (Certificação Dig ital: 1211351/CA) PUC-
-Rio. Cf. Capítu lo: A Dinâmica inter nacional da Proteç ão do Patrimônio Hi stórico
e Artís tico Nacional, PUC--Rio Di sponível em: www.max well.vrac.puc-
-rio.br/26947/26947_5.PDF>. Acesso em: 14 fev. 2019.
5 COSTA, Mila Bat ista Leite Corrêa d a. A Atuação do Poder Leg islativo no Desenho
Instituc ional da Polític a de Preservação do P atrimônio Cu ltural no Br asil. Belo
Horizonte: Facu ldade de Direito d a Universidade Federa l de Minas Ge rais. Pro-
grama de Pós -Graduação, 2018, pp. 120 e 110.
Da_Protecao_ao_Patrimonio_Cultural.indd 21 27/11/2021 22:20:47

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT