Princípio constitucional da proteção do patrimônio cultural no Brasil
Autor | Maria Coeli Simões Pires |
Ocupação do Autor | Bacharel em Direito pela Pontifícia. Universidade Católica de Minas Gerais |
Páginas | 163-189 |
Capítulo 4
Princípio constitucional da proteção
do patrimônio cultural no Brasil
1. O TRATAMENTO CONSTITUCIONAL TARDIO DA PROTEÇÃO
DO PATRIMÔNIO CULTURAL
A visão retrospectiva da história constitucional do Estado brasileiro
permite verif icar que inexistia, até o final do século XIX, preocupação com
a memória nacional ou com o acervo de bens leg ados pela natureza ou pelo
engenho humano; as Const ituições de 1824 e 1891 não trataram da pr eserva-
ção do patrimônio cu ltural ou natural. Só na ordem con stitucional de 1934,
na qual a propriedade aparecia – com ineditismo – como direito individual,
cujo exercício se devia coaduna r com o interesse público, a matéria foi trata-
da, pela primei ra vez, no art. 10, item III:
“Art. 10. Compete concorrentemente à União e aos Estados:
[...]
III – proteger as belezas nat urais e os monumentos de va lor his-
tórico ou artíst ico, podendo impedir a eva são de obras de arte”.
Embora a Constituiç ão de 1934 tenha valor mais h istórico em face de
sua efêmera vigência, foi considerada como importante marco formal da
política patrimonial, ao inaugurar o pri ncípio da proteção de referentes da
cultura. A regra estatu ída não logrou significativo alcance material, por-
quanto não teve aplicação, além de conter conceitos restrit ivos que, de certa
forma, a amesquinhavam. Sobressaem na análise do preceito em tela o i na-
dequado emprego da palavra monumento, a qual não exprim ia todo o con-
junto suscetível de preser vação – o mais próprio seria o uso do termo patri-
mônio, de maior plasticidade –; e o impróprio uso da palavra beleza, cuja
conotação, encerrando conceito subjetivo, condicionava a importâ ncia de
uma paisagem a s ua estética, do que resultava risco para a proteção aos refe-
rentes natura is. Eis que, na ausência de critérios objetivos para a qua lificação
do bem, ficava exclusivamente ao alvedrio do admi nistrador a definição do
que seria preservável. Considerando que a preservação não poderia incidir
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Da proteção ao patrimônio cultural
apenas sobre o que agradasse do ponto de vista estético e nem depender de
solução personalista do agente responsável, o defeito aludido comprometia
o fim i ntentado pelo Const ituinte.
Na Carta do Estado Novo, a de 1937, a preservação do patrimônio
cultura l e da natureza foi discipli nada – com novidades – por norma cuja
redação revelou-se mais apurad a que a do art. 10, III, de 1934.
A matéria foi tratada pe lo art. 134, nos segu intes termos:
“Os monumentos históricos, artísticos e naturais, assim como
as paisagens ou os loca is particularmente dotados pela nature-
za, gozam da proteção e dos cu idados especiais da Nação, dos
Estados e dos Municípios. Os atentados contra eles cometidos
serão equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacio-
na l”. (g.n .).
Como se depreende da parte gr ifada, a Carta de 37 assegurou co-
ercitividade ao comando do ar t. 134, tornando-o auto-aplicável. Essa foi
a principal i novação em relação à Carta de 1934, mas há outros pontos a
destacar. Substituiu-se a expressão imprópria “belezas naturais” por
“paisagens ou locais particularmente dotados pela natu reza”. Dessa for-
ma, a preservação de uma paisagem não mais se condicionava ao aspec-
to psicológico do agente, em termos estéticos, nem à sua aval iação sub-
jetiva acerca do que era e do que não era beleza natural. Na mesma
direção, a Constituição do Estado Novo expandiu o campo de aplicação
da proteção, alargando a noção de patrimônio, nela contemplando bens
públicos e privados.
Outra mudança importante deu-se por força da inclusão do Municí-
pio entre os entes estatais competentes para proteger os bens relacionados.
Merece realce, também, a ênfase dada à fu nção estatal de preservar o patri-
mônio cultur al e a natureza, com o acréscimo da e xpressão “cuidados espe-
ciais” no corpo do a rt. 134, que qualifica a atuação públic a.
A Constituição de 46, no que d iz respeito à proteção da cultura e da
natureza pelo Est ado, retrocedeu parcialmente à posição adotada pelo Cons -
tituinte em 34, no toca nte aos atributos dos bens sujeitos à proteção.
Eis o enunciado do art . 175, que dispôs sobre a matéria:
“As obras, monumentos e documentos de valor histórico e ar-
tístico, bem como os monumentos natura is, as paisagens e os
locais dotados de part icular beleza ficam sob a proteção do
Poder Públ ico”.
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