Da aceitação e renúncia da herança

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DA ACEITAÇÃO E RENÚNCIA
DA HERANÇA
5.1 GENERALIDADES
O fenômeno sucessório somente se encerra pelo exercício do direito de suceder.
O Código Civil trata da matéria no Capítulo IV, do Título I, do Livro do Direito das
Sucessões, referente à aceitação e à renúncia da herança.
O legislador cuidou do assunto conjuntamente, tendo em vista a relação exis-
tente entre a aceitação e a renúncia, bem como levando em conta a proximidade dos
princípios, da estrutura e do regime que regem esses institutos jurídicos. Aplicam-
-se-lhes, ainda, as regras gerais do negócio jurídico, salvo se forem especif‌icamente
afastadas, de modo expresso ou tácito1.
A despeito da nomenclatura utilizada se restringir apenas à herança, é certo que o
código cuida de preceitos associados à aceitação e à renúncia tanto da herança quanto
de legados. Assim sendo, o estudo realizado terá caráter geral, o que não afastará a
verif‌icação de eventuais regras que comportem especialidades no que diz respeito
ao legado, como é o caso da limitada aplicação da regra da transmissão automática.
5.2 ACEITAÇÃO DA HERANÇA
A aceitação, também chamada adição da herança (aditio hereditatis), é um ato
jurídico unilateral pelo qual a pessoa chamada a suceder manifesta sua vontade de
receber a herança ou o legado2. Trata-se de uma conf‌irmação, por meio da qual o
benef‌iciário demonstra sua intenção de acolher a herança que lhe foi automatica-
mente deferida pelo droit de saisine3.
De fato, a aquisição dos direitos sucessórios não depende da aceitação, pois a
herança é adquirida, por força de lei, no exato momento do passamento do de cujus,
1. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Sucessões, p. 426.
2. Na doutrina há controvérsia quanto à natureza jurídica da aceitação. De fato, parte da doutrina considera
que a aceitação é um negócio jurídico unilateral (MELLO, Cleyson de Moraes. Sucessões: direito civil, p.
147). No entanto, o posicionamento majoritário entende que se trata de um ato jurídico em sentido estrito
(CARVALHO, Dimas Messias de. Direito das sucessões, p. 85).
3. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil, v. 7, p. 235.
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DIREITO CIVIL – DIREITO DAS SUCESSÕES • Leonardo estevam de assis Zanini
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com a abertura da sucessão (art. 1.784). Nesse contexto, como a herança se incorpora
automaticamente ao patrimônio do herdeiro, a aceitação nada mais é do que apenas
a anuência do benef‌iciário em receber a sucessão.
A aceitação da herança produz então efeitos simplesmente de conf‌irmação
da transmissão legal dos bens causa mortis4. Não é correto af‌irmar que a aceitação
tem efeito constitutivo, visto que ela tem apenas efeito declaratório de conf‌irmação
da transmissão que já se realizou, por força de lei, por aplicação da saisine, desde
o momento da abertura da sucessão (art. 1.784)5. E aqui é interessante a def‌inição
apresentada por Colin e Capitant, que consideram a aceitação como a renúncia à
faculdade de renunciar6.
Não é outra a forma como deve ser interpretado o art. 1.804, que estabelece:
“Aceita a herança, torna-se def‌initiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a aber-
tura da sucessão”. O ingresso dos bens sucedidos na esfera patrimonial do herdeiro
é então def‌initivo, pois a aceitação é irretratável e irrevogável (REsp 1.622.331)7.
A despeito da aceitação da herança ser um instituto que atualmente tem im-
portância reduzida, quando comparada com a importância que tinha no passado8,
é certo, entretanto, que o ato jurídico de aceitação não pode ser considerado como
um ato desnecessário, supérf‌luo ou dispensável9.
A autonomia privada se manifesta na aceitação, visto que ninguém pode ser her-
deiro ou legatário contra sua vontade. Ninguém é obrigado a receber o patrimônio que
lhe está sendo transferido automaticamente, mesmo porque não existe a f‌igura do her-
deiro forçado. Assim sendo, a lei concede ao herdeiro chamado à sucessão a faculdade
de livremente decidir acerca da aceitação ou da renúncia da herança. O Código Civil
adotou o princípio segundo o qual somente é herdeiro ou legatário quem quer ser10.
O período em que a situação f‌ica pendente de aceitação ou de renúncia da he-
rança é chamado pela doutrinada de fase de deliberação (ius deliberandi). Todavia,
vale lembrar que como o direito à sucessão surge apenas depois da morte, somente
a partir da abertura da sucessão é que pode haver aceitação ou renúncia11. De fato,
como o direito pátrio não conhece herança de pessoa viva (viventis nulla est heredi-
4. NEVARES, Ana Luiza Maia; MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Fundamentos do Direito Civil, v. 7, p. 40.
5. LÔBO, Paulo. Direito civil: sucessões, v. 6, p. 49.
6. COLIN, Ambroise; CAPITANT, Henri. Cours élémentaire de droit civil français, t. III, p. 536.
7. MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. Sucessão legítima, p. 226.
8. Em suas origens, a aceitação estava ligada à oferta da possibilidade ao herdeiro, como continuador das
relações jurídicas do falecido, de não assumir encargos superiores à herança. Entretanto, na medida em
que a legislação passou a expressamente determinar que a aceitação não poderia onerar o herdeiro acima
do que recebia, isto é, até as forças da herança, passou-se a discutir acerca da sua importância. Desse modo,
há estudiosos que consideram que a aceitação perdeu o interesse de existir, permanecendo a sua previsão
no direito positivo como reminiscência de precaução atualmente desnecessária (ALMEIDA, José Luiz
Gavião de. Código civil comentado, v. XVIII, p. 124).
9. GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil, v. 7, p. 103-104.
10. ALMEIDA, José Luiz Gavião de. Código civil comentado, v. XVIII, p. 123-124.
11. BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das Sucessões, p. 38.
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