Da sucessão legítima: da vocação dos herdeiros legítimos

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DA SUCESSÃO LEGÍTIMA: DA VOCAÇÃO
DOS HERDEIROS LEGÍTIMOS
9.1 INTRODUÇÃO
A sucessão legítima, também denominada intestada (ab intestato), é regulada
pelo Código Civil no Título II do Livro V1. Trata-se da sucessão que vai operar de
forma supletiva, por força da legislação em vigor quando da abertura da sucessão,
tendo lugar precipuamente quando não há manifestação de vontade do falecido2.
Depende então da inexistência, da invalidade ou da caducidade do testamento.
Também é possível a sucessão legítima em relação aos bens não compreendidos no
testamento (art. 1.788).
Na sucessão legítima é a lei que vai determinar os herdeiros passíveis de se
apresentarem à sucessão, seguindo a ordem de vocação hereditária3. Os critérios
que inspiram a legislação na determinação do rol de sucessores tomam por base os
vínculos mais estreitos de solidariedade de uma pessoa, representados pela insti-
tuição familiar4.
Herdeiro legítimo é então a pessoa considerada próxima do falecido, indicada
na lei como sucessor nos casos de sucessão legal, a quem se transmite a totalidade ou
parte da herança. Na falta dos familiares do f‌inado indicados na ordem de vocação
hereditária ou de disposição testamentária válida e ef‌icaz, a herança será recebida
pelo Poder Público5.
A sucessão legítima pode ser dividida em sucessão legítima necessária (ou legi-
timária) e sucessão legítima em sentido amplo6. Tal classif‌icação parte do fato de que
entre os herdeiros legítimos, distinguem-se os necessários, também denominados
legitimários ou reservatários, que são aqueles que têm direito a uma quota-parte da
1. As codif‌icações modernas desenvolveram a sucessão legítima com base na sistematização de Justiniano,
que foi sendo aperfeiçoada. Nos países germânicos o direito justinianeu deu origem ao sistema da parentela
(LIEBS, Detlef. Römisches Recht, p. 136), que é baseado na ideia de que a herança deve ir, tanto quanto
possível, para a geração mais jovem (GURSKY, Karl-Heinz; LETTMAIER, Saskia. Erbrecht, p. 14).
2. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Sucessões, p. 330.
3. HOUSSIER, Jérémy. Droit des successions et des libéralités, p. 63.
4. TORRENTE, Andrea; SCHLESINGER, Piero. Manuale di diritto privato, p. 1296.
5. NEVARES, Ana Luiza Maia; MEIRELES, Rose Melo Vencelau. Fundamentos do Direito Civil, v. 7, p. 63-64.
6. LÔBO, Paulo. Direito civil: sucessões, v. 6, p. 75.
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DIREITO CIVIL – DIREITO DAS SUCESSÕES • Leonardo estevam de assis Zanini
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herança, não se admitindo que sejam dela privados. São herdeiros necessários os
descendentes, os ascendentes e o cônjuge, sendo-lhes reservada a legítima, isto é,
metade dos bens do falecido (art. 1.789). Existindo herdeiros necessários, sempre terá
lugar a sucessão legítima, uma vez que todo herdeiro necessário é legítimo, mas nem
todo herdeiro legítimo é necessário. Os bens integrantes da legítima, atribuídos aos
herdeiros necessários, não podem ser objeto de disposição por ato de última vontade7.
Em todo caso, ao lado da sucessão legítima, pode coexistir a sucessão testamen-
tária, isto é, aquela em que o sucessor a título universal é nomeado em testamento.
A existência de testamento não exclui a sucessão legítima. Não vigora no direito
brasileiro a antiga regra romana pela qual ninguém poderia morrer deixando parte
da herança em testamento e o restante a cargo da sucessão legítima (nemo pro parte
testatus pro parte intestatus decedere potest)8.
O Código Civil de 2002 apresenta clara preferência pela sucessão legítima,
modelo que tem grande importância em países como o Brasil, em que não existe a
cultura e nem o hábito de se elaborar testamentos, os quais são utilizados apenas
de forma residual pela população9. Outros motivos podem ainda ser citados para
a baixa adesão ao modelo da sucessão testamentária, como o desconhecimento da
população, os custos decorrentes da elaboração de testamentos, bem como o fato
de que a sucessão legítima corresponde aos valores sociais aceitos10.
9.2 VISÃO GERAL DA ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA
A lei estabelece que o chamamento à sucessão dos sucessores legítimos obedece
a uma ordem de classif‌icação, denominada ordem de vocação hereditária, que é uma
relação preferencial das pessoas que são chamadas a suceder o falecido, de sorte que
a classe mais próxima exclui a classe mais remota11.
Af‌irma-se que a ordem de vocação hereditária estaria fundada na vontade pre-
sumida do falecido, que teria o propósito de deixar seus bens para os parentes mais
próximos12. Nessa ordem de herdeiros a sucessão legítima expressa a evolução por
que passou, o que guarda relação com a organização da família e da sociedade no
decorrer do processo histórico. Assim, como decorrência das mudanças ocorridas
na sociedade e na família, é evidente que a ordem de vocação hereditária sofreu
variações no direito brasileiro.
Com efeito, o art. 1.829 do Código Civil, norma cuja redação é passível de
severas críticas, apresenta a ordem legal de chamamento dos herdeiros legítimos:
7. GOMES, Orlando. Sucessões, p. 40-41.
8. TELLES, Inocêncio Galvão. Sucessão Legítima e Sucessão Legitimária, p. 16.
9. POLETTO, Carlos Eduardo Minozzo. Indignidade sucessória e deserdação, p. 160.
10. LÔBO, Paulo. Direito civil: sucessões, v. 6, p. 77.
11. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: família, sucessões, v. 5, p. 253.
12. MALAURIE, Philippe; AYNÈS, Laurent. Droit des successions et des libéralités, v. 7, p. 43.
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