O dever de solidariedade na sociedade brasileira desigual: o dever de cuidado com as famílias em situação de vulnerabilidade social e com o egresso do sistema penal

AutorCarlos Eduardo Gomes Ribeiro e Lauro Luiz Gomes Ribeiro
Páginas199-218
O DEVER DE SOLIDARIEDADE NA SOCIEDADE
BRASILEIRA DESIGUAL: O DEVER DE CUIDADO
COM AS FAMÍLIAS EM SITUAÇÃO DE
VULNERABILIDADE SOCIAL E COM O EGRESSO
DO SISTEMA PENAL
Carlos Eduardo Gomes Ribeiro
Advogado com atuação na área criminal e membro da Comissão do Jovem Advogado e
da Comissão de Direitos e Prerrogativas da 132ª Subseção de Praia Grande da Ordem
dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo,(2016 / 2018).
Lauro Luiz Gomes Ribeiro
Procurador de Justiça, Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP e Doutor
em Direito Constitucional pela PUC/SP. Professor. Autor de obras jurídicas.
O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado.
Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto,
abrange mais que um momento de atenção. Representa uma
atitude de ocupação, preocupação, de responsabilidade e de
envolvimento afetivo com o outro”.
Leonardo Boff.
Sumário: 1. Introdução – 2. O dever de solidariedade e o propósito de redução das desigualdades
sociais à luz da CF/88 – 3. A desigualdade no Brasil: rápido panorama – 4. A proteção social pela
assistência pública e aassistência privada – 5. O dever de cuidado para com as famílias em situação
de vulnerabilidade social – 6. O dever de cuidado para com o egresso do sistema penal; 6.1 Da
prisão; 6.2 O suporte; 6.3 A liberdade – 7. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Neste artigo pretendemos apresentar algumas ref‌lexões sobre o compromisso
constitucional com a formação de uma sociedade solidária, seu sucesso e fracasso,
diante de uma realidade que aponta para um sério risco de decepção, ante fenômenos
como a globalização, o narcisismo coletivo, transparecendo uma sociedade doente,
que pode ter como principal causa sua “baixa humanidade”.
Intimamente imbricado a isto traremos a questão da desigualdade que, como
adverte Luís Roberto Barroso1, embora inter-relacionado com a pobreza, com ela não
1. BARROSO, Luís Roberto. Sem data venia: um olhar sobre o Brasil e o mundo. Rio de Janeiro: História Real,
2020. p. 159.
EBOOK CUIDADO E SOLIDARIEDADE.indb 199EBOOK CUIDADO E SOLIDARIEDADE.indb 199 22/11/2021 10:27:3622/11/2021 10:27:36
CARLOS EDUARDO GOMES RIBEIRO E LAURO LUIZ GOMES RIBEIRO
200
se confunde e aponta para uma disparidade na distribuição de bem-estar, riqueza e
poder em uma sociedade.
Diante desta dura realidade buscaremos tratar do dever de cuidado, que sempre
anima os estudos desta coleção, com especial destaque às famílias em situação de
vulnerabilidade social2 e o egresso do sistema penal.
Em relação a estes último, em geral esquecido pela doutrina, em que pese ter
cumprido sua pena em situação degradante, em ‘estado de coisas inconstitucional3,
após cumpri-la, é simplesmente “devolvido” ao seio da sociedade, sem apoio, sem
dinheiro, sem perspectiva de se reinserir, como determina a Lei de Execuções Pe-
nais, em seu artigo 10 (Lei Federal 7.210/84) que dispõe que “a assistência ao preso
e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à
convivência em sociedade”. Não se olvide que não é só o Estado o responsável pela
“ressocialização” do egresso, cabendo à toda sociedade, sendo mais que um dever,
calçado no espírito de solidariedade humana que deve agir em favor deste grupo
social, via de regra, menos favorecidos.T
2. O DEVER DE SOLIDARIEDADE E O PROPÓSITO DE REDUÇÃO DAS
DESIGUALDADES SOCIAIS À LUZ DA CF/88
Nossa Constituição Cidadã, em seu artigo 1º, III, traz esculpido, como princípio
fundamental, a “Dignidade da Pessoa Humana”.
Tal princípio garante, obrigatoriamente, o respeito e a integridade, física e emo-
cional, de todo ser humano, exigindo que todos sejam tratados com respeito. Uma
das f‌inalidades do Estado é oferecer e oportunizar as condições para que as pessoas
se tornem dignas.
Neste sentido, o EGRESSO goza, como todo cidadão, “sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” de respeito e direito
a ser reintegrado em sociedade, sob a obrigação do Estado e de toda a sociedade que
o receberá, solidariamente colaborando para que, novamente, seja digno.
Desde logo vale a advertência de que o capítulo da Constituição Federal onde
posicionado o art.5º é intitulado “Dos direitos e deveres fundamentais”, ou seja,
não há apenas direitos, mas também deveres fundamentais, dentre os quais o da
solidariedade.
Não temos espaço aqui para estudar a solidariedade na dimensão de um direito
fundamental de terceira geração – a geração dos direitos de solidariedade –, como tal
admitido por muitos, a partir da triangulação dos direitos fundamentais em gerações
sugerida por Kasel Vasak (ou dimensão, como defendem outros, para afastar a ideia
2. Apesar de multidimensional, no presente texto adotamos o conceito de vulnerabilidade social como a uma
condição de fragilidade material e/ou moral de indivíduos ou grupos, que estão à margem da sociedade, em
processo de apartação social, em razão de riscos produzidos, especialmente, por fatores socioeconômicos.
3. ADPF 347 MC, Rel. Min. Marco Aurélio. j. em 09/09/2015
EBOOK CUIDADO E SOLIDARIEDADE.indb 200EBOOK CUIDADO E SOLIDARIEDADE.indb 200 22/11/2021 10:27:3622/11/2021 10:27:36

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT