O próximo como a si mesmo: redes de cuidado e solidariedadeàs famílias vulneráveis no âmbito religioso

AutorKátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel e Rebecca Ferreira Lobo Andrade Maciel
Páginas339-356
O PRÓXIMO COMO A SI MESMO:
REDES DE CUIDADO E SOLIDARIEDADE ÀS
FAMÍLIAS VULNERÁVEIS NO ÂMBITO RELIGIOSO
Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel
Procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Titular da
2ª Procuradoria de Justiça da Infância e da Juventude (não infracional). Mestre em
Direitos Fundamentais e Novos Direitos pela UNESA. Professora das Pós-graduações
da Fundação Escola do Ministério Público (FEMPERJ), do Instituto de Educação Roberto
Bernardes Barroso do MPRJ (IERBB) e da Pós-graduação em Família e Sucessões da
Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ).
Rebecca Ferreira Lobo Andrade Maciel
Professora de Psicologia no Centro Universitário de Valença. Psicóloga clínica. Douto-
randa em Psicologia Social pela Universidade do Estado (UERJ). Mestre em Ciência da
Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Pós-graduada em Ciência
da Religião pela Faculdade de São Bento/RJ. Graduada em Teologia pelo Unibennet e
em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Sumário: 1. Introdução – 2. Redes de apoio em tempos de vulnerabilidade das famílias – 3. Soli-
dariedade: manifestação do cuidado pelo próximo – 4. Redes na experiência religiosa – 5. Estudos
acerca do cuidado e da solidariedade religiosa às famílias vulneráveis – 6. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Mais de 92% da população brasileira é religiosa, segundo dados do IBGE de
2010. Algumas pessoas encontram no espaço religioso trabalho e oportunidade de
acessar programas sociais. Percebemos, então, que algumas faltas encontradas nas
políticas públicas são “supridas” de algum modo pelo ambiente de fé. A linguagem
da religião pode ter ambiguidades, mas, também, propícia o amor de si e o encontro
com o diferente. A partir de uma leitura laica, podemos pensar a religião como um
espaço simbólico e emocional, sobre o qual pode se construir redes de apoio a famílias
em situação de vulnerabilidade. Mesmo nas dif‌iculdades e desigualdades, o espaço
espiritual é referência e cuidado.
Com base no princípio da solidariedade humana, prisma para a construção de
uma sociedade democrática e fraterna, busca-se, em linhas gerais, enfocar os cui-
dados oferecidos pelas instituições religiosas, como rede de apoio, às famílias que
experimentam fragilidades sociais, culturais ou relacionais.
O lócus religioso que representa uma manifestação da participação da sociedade
no apoio às famílias carentes, com frequência, é o único ponto de suporte de um
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KÁTIA REGINA FERREIRA LOBO ANDRADE MACIEL E REBECCA FERREIRA LOBO ANDRADE MACIEL
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núcleo familiar vulnerável. Muitas vezes, todavia, a instituição religiosa é esquecida
como relevante equipamento assistencial pelos agentes aplicadores de medidas em
prol das famílias excluídas. A forte noção de solidariedade pelo semelhante, arraigada
na empatia pela dor do próximo, faz com que espaços religiosos tenham potência
mais acolhedora, protetiva e ef‌icaz para o arrimo do que alguns equipamentos pú-
blicos massif‌icantes ou ausentes. Daí ser crucial o estudo mais aprofundado acerca
deste local de apoio às famílias vulneráveis, sob o enfoque transdisciplinar, a f‌im de
apontar propostas de ampliação dos olhares dos aplicadores de medidas, de forma
a alcançar a totalidade das necessidades básicas da pessoa humana, assegurando a
sua plena dignidade.
2. REDES DE APOIO EM TEMPOS DE VULNERABILIDADE DAS FAMÍLIAS
Prati, Couto e Koller1 ensinam que o termo vulnerabilidade tem sua origem
no campo da Terapia Familiar sob uma perspectiva individualista, ampliando-se,
após, para abarcar as famílias ou mesmo uma comunidade que pode ser fragilizada
ao ter que lidar com situações de risco. Def‌inem as autoras as famílias vulneráveis
como “aquelas nas quais os indivíduos que a compõem apresentam déf‌icits em seus
recursos pessoais”.
A concepção de família em situação de vulnerabilidade social, todavia pode
abranger outros aspectos tais como o relacional, emocional, cultural como contido
no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adoles-
centes à Convivência Familiar e Comunitária2, pelo qual é considerado vulnerável
o “grupo familiar que enfrenta condições sociais, culturais ou relacionais adversas
ao cumprimento de suas responsabilidades e/ou cujos direitos encontram-se ame-
açados ou violados”.
Na ótica de vulnerabilidade infantojuvenil, não se pode deixar de mencionar
aqueles crianças e adolescentes que estão apartadas do ambiente familiar e vêm a
experimentar a ausência de inúmeros direitos fundamentais nos logradouros pú-
blicos. Esta parcela da população infantojuvenil compõe um público que demanda
serviços específ‌icos de atendimento para os quais a rede de apoio deve adotar es-
tratégias diferenciadas e níveis de cuidado peculiares. Por se cuidar de situação de
vulnerabilidade deve se enfatizar a possível transitoriedade e efemeridade dos perf‌is
desta parcela da população, podendo mudar por completo o perf‌il, repentinamente
ou gradativamente, em razão de um fato novo3.
1. PRATI, Laíssa Eschiletti; COUTO, Maria Clara P. P.; KOLLER, Sílvia Helena. Famílias em vulnerabilidade
social: rastreamento de termos utilizados por terapeutas de família. Psic.: Teor. e Pesq., Brasília, v. 25, n. 3,
p. 403-408, jul./set. 2009. p. 405.
2. O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência
Familiar e Comunitária foi aprovado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
(Conanda) e pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), em 13 de dezembro de 2006.
3. Art. 1º, §1º da Resolução. Conjunta Conanda/CNAS n. 1, de 15 de dezembro de 2016.
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