O direito fundamental a uma execução trabalhista efetiva

AutorLuciana Cristina de Souza
Ocupação do AutorDoutora em Direito pela PUC Minas. Professora de Direito Constitucional do Mestrado da Faculdade de Direito Milton Campos
Páginas11-18
O Direito Fundamental a uma
Execução Trabalhista Efetiva
Luciana Cristina de Souza(1)
(1) Doutora em Direito pela PUC Minas. Professora de Direito Constitucional do Mestrado da Faculdade de Direito Milton Campos. Professora
da Faculdade de Políticas Públicas da Universidade do Estado de Minas Gerais. Pesquisadora com fomento FAPEMIG e CNPq. Advogada.
1. HERMENÊUTICA E PROTEÇÃO DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS
O modo como construímos nossa identidade na socie-
dade e o ponto de vista do qual nos manifestamos (nossa
classe econômica, nosso grupo religioso etc.) condicionam
a percepção que temos dos testemunhos nos processos,
por exemplo, e acabam por direcionar o intérprete da lei a
uma perspectiva às vezes particularizada. Por isso, é preciso
estarmos atentos ao contexto hermenêutico da compreensão
social (FRICKER, 2007) e ter a Constituição da República
de 1988 por parâmetro (CAMARGO, 2002), para nos asse-
gurarmos que a interpretação aplicada aos casos concretos
e da qual depende a efetividade das decisões judiciais seja
coerente com o compromisso de garantir direitos funda-
mentais trabalhistas.
A hermenêutica injusta acarreta prejuízos humanos, e
não somente procedimentais, o que torna mais graves os
problemas que podem resultar para a sociedade da apli-
cação de uma epistemologia de pior qualidade quanto ao
intuito de promover o desenvolvimento humano no país. O
grupo com campo de poder para proferir a decisão – a cor-
poração jurídica responsável no caso, como explica Pierre
Bourdieu (1989) – estabelece o padrão hermenêutico, o que
este autor denomina de homologia. Se esta refletir apenas a
identidade social do grupo prolatador da decisão e este não
tiver laços de interação ou de comunicabilidade com o seg-
mento social tratado na sentença ou acórdão, o resultado
processual pode ser uma hermenêutica menos efetiva para
a solução do litígio e, também, o risco de menor empenho
na efetivação dos direitos consignados na decisão judicial.
Como resultado dessa injustiça epistêmica (FRICKER,
2007), a proteção dos direitos fundamentais pode ser dimi-
nuída, fato que impacta negativamente sobre o desenvolvi-
mento do Brasil. A proteção dos trabalhadores que sofrem
prejuízos em razão do cumprimento pouco efetivo da exe-
cução trabalhista é importante como requisito de avaliação
do alcance das metas básicas de qualidade de vida propos-
tas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Or-
ganização Internacional do Trabalho (OIT). No Brasil, que
é um país onde a desigualdade racial e de gênero é evidente
e pode ser comprovada por dados concretos, a necessidade
de decisões judiciais efetivas na implementação de direitos
fundamentais é essencial para assegurar o Estado Demo-
crático de Direito. Segundo o Atlas do Desenvolvimento
organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), as condições efetivas de homens brancos são me-
lhores do que aquela oferecida às mulheres e à população
negra (IPEA, 2019), o que evidencia o desequilíbrio em
nosso modelo de desenvolvimento. Vivendo uma situação
de maior vulnerabilidade social, estes dois segmentos so-
ciais são mais prejudicados quando a execução de uma de-
cisão que lhes assegura direitos fundamentais é frustrada.
Se observarmos o índice Gini, o qual mede a desigual-
dade social de um país e também é citado no Atlas IPEA,
perceberemos que houve um momento de estagnação nos
últimos anos e, em 2017, ele evidenciou um aumento da
pobreza. A vulnerabilização de segmentos sociais que de-
pendem da renda que lhes é paga por meio da relação de
trabalho pode contribuir para que se tenha maior dificul-
dade em melhorar esses índices e alcançar a elevação da
qualidade do desenvolvimento humano brasileiro. Nesse
cenário é crucial a efetividade das execuções trabalhistas
para combater a precarização da situação dessas pessoas,
uma vez que tratam do direito fundamental ao trabalho,
por meio do qual se tem acesso a melhores condições de
vida e à renda para sobrevivência.
Garantir direitos processuais na execução e efetivar
seu cumprimento atende ao Objetivo de Desenvolvimen-
to Sustentável número 8 proposto pela ONU: “Promover
o crescimento econômico sustentado, inclusivo e susten-
tável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para
todos”. E reforça o compromisso da OIT com a promoção
de formas de trabalho decente, por meio das quais se pos-
sa reduzir a vulnerabilidade social dos trabalhadores nos
países que são signatários dos acordos com este organismo
internacional, a exemplo do Brasil. A Justiça do Trabalho
possui importante função constitucional de atuar em prol
do desenvolvimento sustentável e humano do país, tendo
em vista que é um dos setores estatais que mais contribui
para a redução da vulnerabilidade, como no combate ao
trabalho nas formas análogas à escravidão. Também porque
suas decisões tem o condão de efetivar direitos por meio do
processo de conhecimento e, principalmente, do procedi-
mento de execução.

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