A execução de contribuições previdenciárias na justiça do trabalho: elementos essenciais e pontos controvertidos

AutorAnna Caroline Gomes de Azevedo
Ocupação do AutorAdvogada
Páginas326-343
A Execução de Contribuições Previdenciárias na Justiça do
Trabalho: elementos essenciais e pontos controvertidos
Anna Caroline Gomes de Azevedo(1)
(1) Advogada. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Membro do Grupo de Estudos “As interfaces do Processo Civil
com o Processo do Trabalho” da FDMC.
1. INTRODUÇÃO
A sistemática da execução de contribuições previden-
ciárias na Justiça do Trabalho tem sido alvo de inúmeras
mudanças ao longo dos anos. Estas alterações constitucio-
nais e legais denotam uma modificação profunda na temá-
tica, conferindo indubitavelmente ao Judiciário Trabalhista
poderes para preservação e garantia dos direitos laborais e,
também, dos direitos previdenciários dos empregados.
Nos termos do art. 6º, caput, da Constituição Federal
de 1988 que versa sobre os direitos sociais, todo cidadão
tem direito a saúde, educação, alimentação, segurança, mo-
radia, trabalho, transporte, lazer, proteção à maternidade
e à infância, assistência dos desamparados e previdência
social. Infere-se, portanto, que os direitos sociais visam ga-
rantir a todos o exercício e usufruto de direitos fundamen-
tais em condições de igualdade, para que tenham uma vida
digna por meio da proteção e garantia dadas pelo Estado
Democrático de Direito.
Diante disso, é possível afirmar que o objetivo geral da
Seguridade Social do Estado brasileiro é preservar a dig-
nidade da pessoa humana, mediante a realização do bem-
-estar e da justiça social. A seguridade social compreende
um conjunto integrado de mecanismos e instrumentos de
iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinados
a manter o equilíbrio econômico e igualdade social no to-
cante às garantias propostas pela Carta Magna, como os di-
reitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
A Seguridade Social atua como um sistema contributivo
financiado pela União, Estados, Distrito Federal, Municí-
pios e pela sociedade. A cobertura previdenciária, diferen-
temente da saúde pública e assistência social, somente
abarca aqueles que submetem contribuições ao regime a
que se filiarem.
Nesse contexto, as contribuições sociais sob a com-
petência da Justiça do Trabalho são as obrigações previ-
denciárias dos trabalhadores e das empresas, incidentes
sobre a folha de pagamento, nos termos do art. 195, inci-
so I, alínea ‘a’ e inciso II da Constituição Federal de 1988
(CF/1988). As referidas obrigações são disciplinadas na Lei
n. 8.212/1991 (Lei Previdenciária), uma vez que essas con-
tribuições são destinadas exclusivamente ao custeio dos
benefícios do Regime Geral da Previdência Social (art. 167,
XI, da CF/1988).
O presente estudo tem por objeto, sem qualquer preten-
são de exaurir o tema, a análise e discussão sobre a sistemá-
tica da execução das contribuições previdenciária e alguns
dos pontos controvertidos que a envolvem, no âmbito da
justiça trabalhista, desde antes da Emenda Constitucional
(EC) n. 20/1998 até os dias atuais, com a Lei n. 13.467/2017,
também conhecida como Reforma Trabalhista.
Para analisar a execução das contribuições previdenciá-
rias na Justiça do Trabalho é imprescindível, prioritariamen-
te, fazer estudo sobre as contribuições sociais, analisando
suas características principais, como seu conceito, sua na-
tureza jurídica e os elementos da relação jurídica tributá-
ria, pois, compreendendo-as melhor, torna-se mais simples
compreender o elemento principal do presente artigo.
Na segunda parte da análise, far-se-á uma evolução his-
tórica das legislações acerca da competência do juízo labo-
ral para executar as obrigações previdenciárias, para que
haja uma melhor compreensão dos pontos controvertidos
que surgiram ao longo do tempo. Para tanto, serão estuda-
das as leis que regulamentavam a matéria, iniciando pelo
(CLT) até a Reforma Trabalhista.
Uma vez estabelecidas essas premissas, no artigo será
abordado, por fim, alguns aspectos procedimentais relevan-
tes à execução das contribuições previdenciárias na Justiça
do Trabalho.
Destaque-se que o objeto da presente análise é interdisci-
plinar, pois se confrontam questões de natureza constitucio-
nal, trabalhista, tributário e previdenciário, motivo pelo qual,
para realizar esse estudo, ter-se-á por foco a Constituição Fe-
deral de 1988, a Consolidação das Leis do Trabalho, a Lei Pre-
videnciária, bem como as doutrinas que versam sobre o tema.
2. ASPECTOS ESSENCIAIS DA CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA
No ordenamento jurídico brasileiro, a contribuição
previdenciária é subespécie das contribuições especiais,
também conhecidas como contribuições sociais em senti-
do amplo. Mais especificamente, as contribuições sociais
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previdenciárias são aquelas destinadas exclusivamente ao
custeio dos benefícios previdenciários, ou seja, da segurida-
de social, cuja característica mais marcante é “incidir sobre
a remuneração que se destina a retribuir o trabalho – su-
bordinado ou não – prestado de forma onerosa, por uma
pessoa física a outra pessoa física ou a uma pessoa jurídica”
(KERTZMAN, 2017, p. 13).
As contribuições sociais para a Seguridade Social, foram,
em sua maioria, elencadas no art. 195 da CF/1988, do Título
VIII, do Capítulo II, reservado ao Sistema de Seguridade:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a
sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei,
mediante recursos provenientes dos orçamentos da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das
seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equi-
parada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de
salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou cre-
ditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste
serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita
ou o faturamento; c) o lucro;
II – do trabalhador e dos demais segurados da previ-
dência social, não incidindo contribuição sobre apo-
sentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de
previdência social de que trata o art. 201;
III – sobre a receita de concursos de prognósticos.
IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou
de quem a lei a ele equiparar.
Verifica-se que mais duas contribuições foram destina-
das ao financiamento da seguridade social, não obstante
previstas fora do título destinado a esta. A contribuição pa-
ra o Programa de Integração Social e para o Programa de
Formação do Patrimônio do Servidor Público, vinculada
ao financiamento do seguro-desemprego e do abono anual,
contida no art. 239, da CF/1988 e a Contribuição Provisó-
ria de Movimentação Financeira, dispostas nos arts. 74 e 75
dos Atos das Disposições Transitórias, atualmente extinta,
uma vez que o Governo não conseguiu fazer aprovar a Pro-
posta de Emenda Constitucional que pretendia prorrogar a
sua cobrança no Congresso Nacional.
Oportuno frisar que as contribuições sociais de Seguri-
dade Social que nos interessa, para os fins deste trabalho,
são apenas aquelas executáveis pela Justiça do Trabalho
(art. 114, inciso VIII da CF/1988(2)).
2.1. Natureza jurídica da contribuição previdenciária
A natureza jurídica da contribuição previdenciária foi
discutida exaustivamente pela doutrina durante muito
tempo e os debates resultaram numa série de teorias.
(2) Art. 114 da CF/1988: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (...) VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas
no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir”.
(3) Art. 457, da CLT: “Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente
pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber”.
As teses do professor Antônio Carlos de Oliveira, citadas
pelo Ivan Kertzman (2007, p. 14), serão objeto de breve aná-
lise da natureza jurídica da contribuição social deste item,
senão veja: (i) teoria do prêmio seguro; (ii) teoria do salário
diferido; (iii) teoria do salário atual; (iv) teoria da exação sui
generis; e, por fim, (v) teoria fiscal/teoria parafiscal.
A teoria do prêmio de seguro entende que a contribui-
ção destinada à seguridade social se equipara ao prêmio de
seguro pago pelo pactuante beneficiário às companhias se-
guradoras, entretanto com a característica particular de ser
um seguro social, de adesão compulsória, em regra, por ter
como fonte reguladora a lei. Sob a ótica de que a contribui-
ção em comento seria um prêmio de seguro de direito pú-
blico com uma relação obrigatória, os adeptos dessa teoria
a denominam de prêmio de seguro público compulsório.
Várias são as críticas à teoria do prêmio de seguro, a
título de exemplo, o custeio dos benefícios previdenciários
apresenta preceitos infalivelmente mais amplos do que uma
companhia seguradora, uma vez que a Seguridade Social,
diferentemente daquela, assegura, inclusive, aos que não
são contribuintes, caso da Assistência Social.
Aqueles que advogam pela teoria do salário diferido de-
fendem que a contribuição previdenciária seria um salário
diferido ou um salário socialmente diferido, isto é, a referi-
da contribuição teria natureza retributiva. Sob este raciocí-
nio, o empregador pagaria ao empregado, subordinado ou
não, duas parcelas distintas. A primeira parcela atenderia
às necessidades atuais do prestador de serviços e dos seus
familiares e dependentes. Enquanto a segunda parcela se-
ria a parte do salário do empregado que é revertido para o
custeio da previdência social, visando formar um fundo de
recursos com base no princípio da solidariedade social, que
poderia ser utilizado eventualmente pelo segurado no caso
de risco social.
A teoria do salário diferido revela-se defeituosa, primei-
ro porque o pagamento da contribuição social seria deriva-
do de uma imposição legal e não do acordo no contrato de
trabalho. Segundo, pelo motivo de que a contribuição não
é salário, posto que não é pago diretamente pelo tomador
de serviços ao prestador(3), mas sim pelo Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS), além disso, o empregado não iria
perceber necessariamente o mesmo valor que receberia co-
mo salário em caso de aposentadoria, mas sim de acordo
com a previsão previdenciária.
A teoria do salário atual, defendida pela doutrina ita-
liana, “considera a contribuição previdenciária como cotas
de salário atual e não do salário diferido” (KERTZMAN,
2017, p. 16). Esta teoria entende que a contribuição é uma
das contraprestações devidas ao empregador, decorrente do
trabalho prestado, uma vez que ela considera que o salário

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