A Lei n. 13.467/2017 e o incidente de desconsideração da personalidade jurídica

AutorÉlisson Miessa
Ocupação do AutorProcurador do Trabalho. Professor de Direito Processual do Trabalho dos cursos CERS on-line e Aprovação PGE e da ESPMU
Páginas72-89
A Lei n. 13.467/2017 e o Incidente de
Desconsideração da Personalidade Jurídica
Élisson Miessa(1)
(1) Procurador do Trabalho. Professor de Direito Processual do Trabalho dos cursos CERS on-line e Aprovação PGE e da ESPMU. Mestrando em
Direito pela Universidade de São Paulo – Campus Ribeirão Preto (FDRP/USP). Autor e coordenador de obras relacionadas à seara trabalhista
publicadas pela Editora JusPodivm, entre elas, “Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST comentadas e organizadas por assunto”,
“Manual dos Recursos Trabalhistas” e “Processo do Trabalho – coleção concursos públicos”.
1. INTRODUÇÃO
A separação existente entre o patrimônio das socie-
dades empresárias e de seus sócios, em conjunto com
a limitação da responsabilidade dos sócios presente em
algumas formas de constituição de sociedades, serve di-
versas vezes para prejudicar credores, especialmente os
trabalhistas.
Desse modo, para evitar que tais sociedades deixem de
cumprir as obrigações assumidas, ganha relevância a des-
consideração da personalidade jurídica, consistente no afas-
tamento, momentâneo e esporádico, da máxima romana
societas distat a singulis, que reconhece terem as pessoas
jurídicas existência diversa da dos seus membros, levantan-
do-se o véu da pessoa jurídica e atingindo os bens do sócio
ou, no caso da desconsideração inversa, da pessoa física e
alcançando os bens da sociedade.
Conquanto a desconsideração da personalidade jurídica
já fosse concretizada pelos tribunais brasileiros, havia ape-
nas dispositivos referentes ao direito material, tais como o
Consumidor. Não havia nenhum procedimento legal para
sua efetivação, de modo que simplesmente se fazia o redi-
recionamento da execução perante o sócio ou da sociedade
(na desconsideração inversa).
Com o objetivo de garantir a observância dos princípios
do devido processo legal e do contraditório, o CPC/2015,
em seus arts. 133 a 137, passou a disciplinar os aspectos
processuais necessários para que ocorra a desconsideração
da personalidade jurídica.
Analisando referido incidente, a doutrina trabalhista
questionou sua aplicação ao processo do trabalho, uma vez
que, embora a CLT fosse omissa acerca do tema, seria ne-
cessário analisar sua compatibilidade com o processo labo-
ral, tendo em vista que o art. 15 do CPC/2015 não revogou
o art. 769 da CLT, de modo que ambos devem conviver
harmoniosamente, sendo aplicados de forma coordenada
e simultânea.
Apesar de os primeiros ensaios sobre o tema, majorita-
riamente, terem negado a aplicação do incidente de des-
consideração ao processo do trabalho, o C. TST expediu a
Instrução Normativa n. 39/2016, admitindo-o com certas
adaptações.
Com o advento da Lei n. 13.467/2017 (Reforma Tra-
balhista), o legislador reformador trouxe para o bojo da
CLT o incidente de desconsideração da personalidade ju-
rídica, reproduzindo, quase integralmente, o art. 6º da IN
n. 39 do TST, como se verifica pelo quadro comparativo
a seguir.
CLT IN n. 39/2016
Art. 855-A. Aplica-se ao processo do trabalho o incidente
de desconsideração da personalidade jurídica previsto nos
Art. 6º Aplica-se ao Processo do Trabalho o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica regulado no Có-
digo de Processo Civil (arts. 133 a 137), assegurada a ini-
ciativa também do juiz do trabalho na fase de execução
§ 1º Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o in-
cidente:
§ 1º Da decisão interlocutória que acolher ou rejeitar o in-
cidente:
I – na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na
forma do § 1º do art. 893 desta Consolidação;
I – na fase de cognição, não cabe recurso de imediato, na
forma do art. 893, § 1º, da CLT;
II – na fase de execução, cabe agravo de petição, inde-
pendentemente de garantia do juízo;
II – na fase de execução, cabe agravo de petição, indepen-
dentemente de garantia do juízo;
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CLT IN n. 39/2016
III – cabe agravo interno se proferida pelo relator em
incidente instaurado originariamente no tribunal.
III – cabe agravo interno se proferida pelo Relator, em in-
cidente instaurado originariamente no tribunal (CPC, art.
932, VI).
§ 2º A instauração do incidente suspenderá o processo, sem
prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cau-
§ 2º A instauração do incidente suspenderá o processo, sem
prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cau-
telar de que trata o art. 301 do CPC.
(2) VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial; v. 1: Teoria Geral do Direito Comercial e das Atividades Empresariais Mer-
cantis; Introdução à Teoria Geral da Concorrência e dos bens imateriais. 3. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011. p. 167.
(3) DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016. p. 443.
(4) GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, v. 1: parte geral. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 215.
(5) PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil; v. II, Teoria Geral das Obrigações. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 7.
Vê-se pela referida comparação que a única diferença
está relacionada à ausência de previsão de instauração de
ofício do incidente pelo juízo na fase de execução. Isso de-
corre da mudança promovida no art. 878, caput, da CLT,
que excluiu a possibilidade do início de ofício da execução,
salvo quando for o caso de jus postulandi.
Desse modo, diante da importância do tema e do im-
pacto que provoca na seara laboral, cumpre analisá-lo deti-
damente. Ademais, ultrapassarei os seus aspectos teóricos,
buscando procedimentalizar o incidente no âmbito traba-
lhista, como forma de respaldar o dia a dia daqueles que
irão conviver com essa nova modalidade de intervenção de
terceiros.
2. EMPRESA E SÓCIO
Empresa é a atividade organizada pelo empresário, ten-
do como finalidade a obtenção de lucro.
Embora seja essa a concepção clássica do conceito de
empresa, o legislador utiliza a expressão em diversos sen-
tidos. A CLT, por exemplo, a emprega pelo menos sob três
ângulos:
a) subjetivo, significando a própria pessoa física ou a
jurídica (art. 2º);
b) objetivo, representando o conjunto de bens que o
empresário tem à sua disposição para exercer sua ati-
vidade (art. 448);
c) institucional, considerando a organização de pessoas
com um objetivo comum, tendo “existência dura-
doura no tempo, independentemente do empresário
que a exerce e dos seus colaboradores”.(2) É o que
nos parece estar incluído no art. 448 da CLT.
Embora a utilização de tais sentidos possa provocar
críticas da doutrina especialmente quanto ao conceito de
empresa adotado na CLT para definir empregador,(3)
que influenciado pelo institucionalismo, é fato que essa
pluralidade de sentidos tem a finalidade de respaldar os
direitos dos trabalhadores, valorizando o trabalho humano
(CF/1988, art. 170).
Disso resulta a existência de interpretações e meca-
nismos eficazes a respeitar os direitos fundamentais dos
trabalhadores, como é o caso da despersonalização do
empregador na sucessão de empresa, aplicação da teoria
objetiva na desconsideração da personalidade jurídica, res-
ponsabilização do sócio minoritário etc.
Isso, porém, não tem o condão de confundir a pessoa
física do sócio com a pessoa jurídica, vez que esta é reco-
nhecida como “o conjunto de pessoas ou de bens, dotados
de personalidade jurídica própria e constituído na forma
da lei, para a consecução de fins comuns”.(4) As pessoas
jurídicas possuem, portanto, personalidade diversa da dos
indivíduos que a compõem e, consequentemente, autono-
mia patrimonial em algumas formas de constituição das
sociedades (p.ex., sociedades limitadas).
Essa autonomia patrimonial e, principalmente, a limi-
tação da responsabilidade dos sócios em relação às dívidas
da pessoa jurídica, ao mesmo tempo que permitem o de-
senvolvimento de grandes empreendimentos comerciais,
não pode servir para afastar o cumprimento de direitos so-
ciais e possibilitar a realização de práticas abusivas perpe-
tradas pelos sócios, razão pela qual passa a ser de extrema
relevância a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica.
3. DÍVIDA E RESPONSABILIDADE
As pessoas físicas ou jurídicas, corriqueiramente, assu-
mem obrigações, entendidas como “o vínculo jurídico em
virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra prestação
economicamente apreciável(5) (grifos no original). Nas pa-
lavras dos doutrinadores Cristiano Chaves Farias e Nelson
Rosenvald, obrigação pode ser conceituada como a “rela-
ção jurídica transitória, estabelecendo vínculos jurídicos entre
duas diferentes partes (denominadas credor e devedor, respec-
tivamente), cujo objeto é uma prestação pessoal, positiva ou

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