A fase de expropriação no processo do trabalho

AutorMaria Gabriela Pinheiro Santos
Ocupação do AutorAdvogada, Especialista em Direito Individual e Processual do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Membro da Oficina de Estudos Avançados IPCPT ? As interfaces entre o Processo Civil e o Processo do Trabalho da Faculdade de Direito Milton Campos
Páginas236-253
A Fase de Expropriação no Processo do Trabalho
Maria Gabriela Pinheiro Santos(1)
(1) Advogada, Especialista em Direito Individual e Processual do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Membro da
Of‌icina de Estudos Avançados IPCPT – As interfaces entre o Processo Civil e o Processo do Trabalho da Faculdade de Direito Milton Campos.
E-mail: .
(2) Art. 133 CF: O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da prof‌issão,
nos limites da lei.
(3) Art. 127 CF: O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
(4) Art. 134 CF: A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão
e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os
graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do
art. 5º desta Constituição Federal (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 80, de 2014).
Art. 131 CF: A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extraju-
dicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria
e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
(5) “Os valores constitucionais compõem, portanto, o contexto axiológico fundamentador ou básico para a interpretação de todo o ordenamento
jurídico; o postulado-guia para orientar a hermenêutica teleológica e evolutiva da Constituição; e o critério para medir a legitimidade do
sistema de legalidade”. (PIOVESAN, Flávia. 2000, p. 27).
(6) Mesmo na ultrapassada f‌ilosof‌ia política do Estado Liberal, extremamente restritiva quanto as funções do Estado, a jurisdição esteve sempre
incluída como uma responsabilidade Estatal. E hoje, prevalecendo as ideias do Estado Social, em que o Estado se reconhece a função fun-
damental de promover a plena realização dos valores humanos, isso deve servir, de um lado, para pôr em destaque a função jurisdicional
pacif‌icadora como fator de eliminação dos conf‌litos que af‌ligem as pessoas e lhes trazem angústias; de outro, para advertir os encarregados do
sistema, quanto a necessidade de fazer do processo um meio efetivo para a realização da justiça. ARAUJO CINTRA, Antônio Carlos; GRINO-
VER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. (2004, p. 25).
(7) Como bem ensina Bento Herculano Duarte Neto (2017, p. 13): “a execução é fase processual que propicia a concretização do princípio cons-
titucional do acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal). Tal assertiva, se já é extremamente relevante em se tratando de
direitos meramente patrimoniais da seara cível, com muito mais importância e gravidade se revela ao se tratar dos bens tutelados pelo direito do
trabalho. O direito do trabalho veicula bens jurídicos dotados de fundamentalidade formal e material, ínsitos à dignidade humana e aos valores
sociais do trabalho (art. 1º, incisos III e IV, da Constituição Federal), em regra indisponíveis. São parcelas de caráter alimentar, necessárias à
sobrevivência do trabalhador – geralmente, desempregado no momento de realização processual – e que demandam um direito processual do
trabalho que seja adequado à sua natureza. Sobre a relevância dos bens tutelados pelo direito do trabalho, Cleber Lúcio de Almeida esclarece
que são dotados de transcendência múltipla: a) Transcendência econômica: tutela os bens materiais necessários para a sobrevivência própria
e familiar dos trabalhadores. É esta transcendência que reconhece o caráter alimentar e a atribuição de natureza superprivilegiada aos créditos
trabalhistas (art. 100, § 1º, da Constituição Federal e art. 186 do CTN). b) Transcendência humana: o direito do trabalho não objetiva somente
assegurar a existência do trabalhador, mas assegurar o acesso a bens materiais e imateriais indispensáveis a uma vida conforme a dignidade
humana. c) Transcendência social: uma das funções primordiais do direito do trabalho é a distribuição da riqueza gerada pelo trabalho humano.
Atua, portanto, como instrumento de realização da justiça social. d) Transcendência política: o direito do trabalho procura criar as condições
econômicas e jurídicas necessárias à participação dos trabalhadores na tomada de decisões de política econômica e social”.
1. INTRODUÇÃO
No imaginário que se constrói sobre o Poder Judiciário,
Processo e Procedimento, tem-se a figura do Estado-Juiz
e de todos os seus auxiliares, bem como daqueles que a
Constituição denominou como exercentes de funções es-
senciais à justiça, quais sejam advogados(2), membros do
Ministério Público(3), dentre outros(4). Todos eles em busca
de um processo que seja célere, justo e efetivo.
O Poder Judiciário tem como objetivo pacificar os confli-
tos sociais, trazidos pelas partes, sempre levando em conta
as normas fundamentais(5) previstas, sobretudo, na Consti-
tuição Federal Brasileira. Em toda a construção da ideia de
Estado moderno(6), ele possui essa responsabilidade.
Durante a fase de conhecimento, o que se busca do Po-
der Judiciário é o acertamento do direito, que se materiali-
zará com a sentença de mérito. Finda essa fase processual, é
necessário novo procedimento, com principiologia própria,
inquisitivo, capaz de satisfazer a tutela jurisdicional.
Essa fase é de suma importância, visto que o jurisdi-
cionado, ao confiar sua pretensão ao Estado, deposita no
Poder Judiciário a certeza da reparação da lesão sofrida.
Quando se trata de Justiça do Trabalho, tem-se que ter um
cuidado ainda maior, diante da extrema delicadeza da na-
tureza de seus créditos, de caráter alimentar, de primeira
necessidade(7).
Um comando jurisdicional não efetivo gera, no âm-
bito social, sentimento de insegurança jurídica, o que
A Fase de Expropriação no Processo do Trabalho | 237 |
enfraquece a própria concepção de Estado moderno, pau-
tado no respeito às instituições democráticas e alicerçado
na dignidade daquele em prol do qual todo o ordenamento
jurídico se assenta, ou seja, o ser humano. Se não houver
a entrega do crédito reconhecido na sentença estatal, essa
torna-se inócua e não há que se falar em justiça.
Só há o devido respeito e efetivação dos princípios e
normas fundamentais, como as que asseguram um proces-
so célere e efetivo com observância do contraditório, da
ampla defesa etc., se o objetivo principal, que é a efetivação
da tutela jurisdicional, se cumprir.
Nesse sentido, o Código de Processo Civil (CPC), apre-
sentando um grande avanço, estabeleceu em seu art. 4º(8)
Norma Fundamental do Processo, que inclui a atividade
satisfativa, como direito da parte e objetivo a ser perseguido
pelo Estado e em prazo razoável.
É nessa circunstância que se sustenta a importância dos
procedimentos de expropriação, pois, com eles, o direito
passa a ser realmente efetivo, com a entrega do bem da vida
devido ao credor. É a materialização daquilo que foi reco-
nhecido no mundo jurídico.
Penhorados e avaliados os bens na execução por quan-
tia certa, chega-se o momento de saldar o crédito do exe-
quente. Trata-se, portanto, a expropriação como gênero
das espécies previstas no ordenamento para a satisfação do
crédito. Passa-se agora aos estudos desses institutos, de in-
discutível importância para o Processo.
2. EXPROPRIAÇÃO DOS BENS
Na história do direito, os atos expropriatórios possuem
origem no Direito Civil Romano. Inicialmente, o devedor
inadimplente era punido das formas mais violentas possí-
veis, respondendo com o seu corpo pelas obrigações con-
traídas. Tais consequências impostas possuíam respaldo
do Estado e da própria sociedade, pois era a prática en-
tendida como necessária e capaz de coibir o contratante a
não descumprir a obrigação assumida. Caso descumprida,
era direito do credor cobrar a dívida, punindo o devedor.
Com a evolução da sociedade, do pensamento, influencia-
do, sobretudo, pelo cristianismo e pelo reconhecimento de
valores humanos, a execução passou a limitar-se à esfera
patrimonial do executado.
Como bem esclarece Cândido Rangel Dinamarco:
As regras do processo civil romano não eram em
nada favoráveis ao devedor. Permitiam injustiças e
atrocidades que repugnam à mentalidade do observa-
dor influenciado pelas tábuas de valores da sociedade e
do direito moderno. Para entender o sistema executivo
(8) Art. 4º CPC: As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
(9) Segundo Cesar Fiuza, a dação em pagamento, “também chamada de datio pro soluto ou datio insolutum, ocorre quando o credor consente em
receber coisa que não dinheiro, em substituição à coisa devida. Será sempre avençada após a constituição da obrigação, podendo ser antes ou
depois do seu vencimento”. (FIUZA, César. 2008, p. 361).
romano, como para entender qualquer sistema jurídi-
co do passado, é indispensável reportar-se ao momen-
to histórico e sociológico em que vigorou. Hoje sofre a
execução uma série de limitações políticas, em nome
de inalienáveis valores humanos que se traduzem nos
chamados direitos da personalidade. É pacífico que o
devedor responde pelas obrigações contraídas, apenas
com seu patrimônio e não com o seu corpo, sendo ex-
cepcionalíssimos os casos de prisão civil; e que a execução
deve parar no momento em que se atinge o ponto de
satisfação do credor ou em que se começa a invadir o
mínimo patrimonial necessário à subsistência do deve-
dor[...]Mas isso foi o resultado de uma longa evolução,
fruto de uma experiência e da influência do cristianismo
e de princípios socialistas no direito e na mentalidade
dos povos. Os romanos, ao menos no período arcaico
de seu direito processual (período das legis actiones, que
perdurou até ao século II a.C), não haviam aprendido a
distinguir entre o corpo e o patrimônio das pessoas, de
modo que, por exemplo, aquele que se obrigara median-
te o nexum ficava ligado ao credor por um estreitíssimo
vínculo pessoal; no caso de quebra da palavra empenha-
da deveria responder pela infidelidade. (DINAMARCO,
2000, p. 31-33)
É certo que nos tempos atuais, os atos expropriatórios
possuem uma série de limitações e se distinguem muito dos
modelos adotados nos primórdios da civilização Romana.
O art. 789 do CPC limita a responsabilidade do devedor à
esfera patrimonial, dispondo que este responde com todos
os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de
suas obrigações, ressalvadas as restrições previstas na lei.
Feitas essas breves considerações, passa-se ao estudo
dos atos expropriatórios no Processo do Trabalho.
3. ADJUDICAÇÃO
A Adjudicação é espécie de ato expropriatório que
possibilita a aquisição do bem penhorado, em regra, pelo
próprio exequente, como forma de satisfazer o seu direito.
Assemelha-se ao instituto da dação em pagamento do Di-
reito Civil, na parte em que o credor aceita receber um bem
em pagamento de determinada dívida(9).
Caso haja o interesse do credor, esse deve manifestar-se
em momento oportuno, qual seja, após a avaliação do bem
e antes da formalização da sua alienação em hasta pública.
Conforme ensina Humberto Theodoro Júnior, a adju-
dicação é:
[...] ato executivo expropriatório, por meio do qual o
juiz, em nome do Estado, transfere o bem penhorado

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT