Avosidade e solidariedade: a (ir)razoabilidade da prisão civil do idoso devedor de alimentos

AutorGuilherme Calmon Nogueira da Gama e Juliene Terra
Ocupação do AutorDoutor em Direito Civil pela UERJ
Páginas155-174
AVOSIDADE E SOLIDARIEDADE:
A (IR)RAZOABILIDADE DA PRISÃO CIVIL
DO IDOSO DEVEDOR DE ALIMENTOS
Guilherme Calmon Nogueira da Gama
Doutor em Direito Civil pela UERJ. Professor Titular de Direito Civil da UERJ. Profes-
sor Titular de Direito Civil do IBMEC/RJ. Professor Permanente do PPGD da UNESA.
Membro fundador da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC). Membro do Instituto
Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Membro do Instituto Brasileiro de Respon-
sabilidade Civil (IBERC) e membro honorário do Instituto dos Advogados do Brasil
(IAB). Desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Desembargador do
Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Pesquisador na área do Direito. Ex-conselheiro
do Conselho Nacional de Justiça.
Juliene Terra
Pós-graduanda Lato Sensu em Direito Imobiliário, Notarial e Registral pela Uerj.
Bacharel em Direito pela UERJ, aprovada no XXVI Exame Unicado da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB/RJ), Jornalista e Pesquisadora.
Sumário: 1. Introdução. 2. A obrigação de alimentos avoengos. 2.1 Limites da obrigação pelos
avós. 2.2 Prisão civil por dívida. 3. História e contextualização da prisão civil. 4. Julgamento
emblemático do STJ. 4.1 Orientação dos Ministros do STJ. 4.2 Pressupostos que legitimam a
prisão civil. 4.3 Técnica da ponderação. 4.4 Igualdade e proteção. 5. Importância da decisão
tanto para dignidade do alimentante quanto para a do alimentado. 6. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Este ensaio objetiva apresentar ref‌lexões a respeito do tema da avosidade e sua
conexão com a solidariedade familiar no segmento dos alimentos avoengos. Para tanto,
é oportuno referir-se à noção da avosidade como “laço de parentesco entre avós e netos,
sobretudo estando os últimos no período da infância; é tema que cria um elo entre a
pediatria e a gerontologia” sob a perspectiva das áreas das Ciências Médicas.1 Os estudos
relacionados aos vínculos afetivos e jurídicos de parentesco nas “relações de f‌iliações
trigeracionais do ponto de vista pessoal, social e familiar” envolvem os avós e os netos.
A distância de duas gerações entre avós e netos deve permitir a realização de estudos
multidisciplinares de modo a permitir a desmistif‌icação de determinados preconceitos
e estigmas, em especial aqueles relacionados à pessoa idosa e aos seus vínculos com
parentes na linha reta descendente.
1. OLIVEIRA Alessandra Ribeiro Ventura; GOMES, Lucy; TAVARES, Adriano Bueno; CÁRDENAS Carmen Jansen.
Relação entre avós e seus netos no período da infância. Disponível em: [https://revistas.pucsp.br/kairos/article/
view/4420/2992]. Acesso em: 20.04.2020.
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O estudo terá como enfoque principal o tema do inadimplemento da obrigação de
alimentos avoengos. Determinado julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ensejou
o interesse pelo tema que se fudamenta no entendimento recente do referido tribunal
em questão. Em dezembro de 2017, a Terceira Turma do STJ decidiu que avós que as-
sumem pagamento de pensão alimentícia aos netos, mas deixam de fazê-lo, não podem
ser presos em situação idêntica a qualquer outro devedor inadimplente de alimentos. E
deve-se levar em consideração os riscos causados pela privação da liberdade de idosos.
No julgamento do Habeas Corpus (HC) 416.886 – SP, os Ministros da Terceira Turma
entenderam que a prisão civil é medida coativa excepcional e que a responsabilidade dos
avós, além de ser igualmente excepcional, é também subsidiária e complementar à dos
pais, baseado no ordenamento jurídico brasileiro (CC, art. 1.698).
A análise do tema é de grande importância na atualidade, consistindo em aspecto
técnico, social e do direito essencial da pessoa humana em relação à prestação alimentar
no âmbito do núcleo familiar nas relações de parentesco. Os alimentos correspondem à
uma prestação destinada à uma pessoa, sendo indispensáveis para a sua sobrevivência,
incumbindo aos genitores sustentar os f‌ilhos, provendo-lhes a subsistência social, material
e moral (Lei n° 8.069/90, art. 22; CC, arts. 1.566, IV, 1.634, I e 1.724). A Constituição
Federal introduziu comando normativo que conf‌irmou a juridicização “do dever moral
de solidariedade no âmbito dos vínculos mais próximos das pessoas”,2 ao prever o dever
dos pais de assistir, criar e educar seus f‌ilhos menores, e também o dever dos f‌ilhos de
ajudar e amparar seus pais na velhice, carência ou enfermidade (art. 229).
O objetivo destas ref‌lexões consiste em trazer um “olhar” sobre o não encarcera-
mento dos avós quanto ao descumprimento da prestação referente à pensão alimentícia
em favor dos netos em determinados casos. No entanto, existem duas possibilidades de
abordagem: i) quando não houver a presença dos pressupostos decorrentes da obrigação
imposta por decisão judicial; ii) ainda que presentes os pressupostos da obrigação de-
corrente de decisão de autoridade judiciária, a prisão civil por dívida alimentícia ainda
é aplicável, porém, pode-se utilizar meios executivos mais adequados para o adimple-
mento da prestação e, simultaneamente, menos invasivos à pessoa idosa (devedora da
obrigação alimentar).
2. A OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS AVOENGOS
“Avó é mãe com açúcar”, segundo o dito popular no Brasil. No entanto, nem sem-
pre a avosidade, isto é, o vínculo geracional familiar entre pais (avós), f‌ilhos e netos, se
apresenta tão “doce” – salutar e cordial – assim na realidade. As relações de parentesco
estabelecem direitos e deveres e há casos em que os avós podem ser obrigados por lei a
prover o sustento dos netos.
Avós e netos são parentes em segundo grau na linha reta (ascendente/descendente)
e o direito para reclamar alimentos se estende às pessoas unidas pelo vínculo familiar,
decorrente do parentesco natural (jus sanguinis) ou do parentesco civil (decorrente da
2. GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil: família. São Paulo: Editora Atlas, 2008, p. 484.
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