O direito de pertencer. Neto s em face dos avós

AutorCarolina Kffuri Nunes
Ocupação do AutorGraduada em Direito pela Universidade de Alfenas - UNIFENAS
Páginas97-112
O DIREITO DE PERTENCER.
NETOS EM FACE DOS AVÓS
Carolina Kffuri Nunes
Graduada em Direito pela Universidade de Alfenas – UNIFENAS. Especialista em
Direito Civil, Processo Civil, Família e Sucessões pelo Centro Universitário de Ma-
ringá – UNICESUMAR. Mestranda em Direito e Internet pela Universidade do Minho
em Braga, Portugal. Advogada nas comarcas paraenses de Campo Mourão e Curitiba.
Sumário: 1. Avós no litígio. 2. Avós no núcleo familiar. 3. O dever do direito de adaptação às
transformações sociais. 4. Segredos pública na vida privada de família: a intervenção. 5. Dos
direitos fundamentais e dos direitos da personalidade. 6. Ação de reconhecimento avoenga.
7. O direito de pertencer.
1. AVÓS NO LITÍGIO
Quem diria que seria cada vez mais comum a presença de avós – ou supostos avós
– e netos como partes opostas de um processo judicial?
Diante do reconhecimento e normatização dos direitos humanos, dos direitos fun-
damentais e dos direitos da personalidade, se deu o reconhecimento do indivíduo como
sujeito de direitos e detentor de uma dignidade própria, com isso, passou-se a admitir a
busca judicial pelo reconhecimento, reivindicação, proteção e aplicabilidade dos direitos
da dignidade da pessoa humana.
A tutela desses direitos deverá ser aplicada inclusive em meio aos conf‌litos intra-
familiares, que não se limitam às relações entre o casal, que possam resultar na ruptura
matrimonial ou da união estável. Mas em meio às relações de irmandade, paterno e ou
materno-f‌ilial, avoengas, por exemplo, gerando a violação de direitos que nem sempre
estão expressamente tipif‌icados, mas que deverão ser reconhecidos, se estiverem ampa-
rados na dignidade da pessoa humana, que é o valor supremo e fundamental do Estado
Democrático de Direito.
No decorrer deste trabalho, daremos atenção aos direitos da personalidade, no
contexto familiar, especialmente quanto ao reconhecimento da relação avoenga, sem a
pretensão de esgotar o tema.
Para isso, deve-se salientar que os direitos da personalidade, tipif‌icados pelo Código
Civil e demais legislações em decorrência dos direitos fundamentais elencados na Cons-
tituição Federal, são somente ilustrativos, tendo a sua tipicidade aberta, o que impede a
sua limitação a um rol taxativo que os determine ou def‌ina objetivamente, já que estão
intrínsecos à personalidade humana e que, aos poucos, estão sendo identif‌icados pela
doutrina e pela jurisprudência em razão ao caso concreto.
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Na tentativa de contribuir para o entendimento e resolução dos conf‌litos intrafa-
miliares relacionados a alguns dos direitos decorrentes da dignidade da pessoa humana,
apresentamos algumas ideias, na expectativa de ampliar o ângulo de visão para o en-
tendimento das necessidades humanas, que raramente são percebidas, que motivam a
instauração da demanda judicial, envolvendo os direitos da personalidade, ao nome, à
identif‌icação pessoal e familiar, à busca pela sua ancestralidade, pelo histórico familiar
e/ou a sua origem genética. Ou, mais especif‌icamente, interpor ação declaratória de
relação avoenga. Para tanto, chama-se a atenção para o “Direito ao Pertencimento”, que
estaria inserido na classif‌icação dos direitos à integridade psíquica, normatizado pelo
Devemos ainda destacar que as ações judiciais, que circundam os direitos da per-
sonalidade, envolvendo conf‌litos de interesses, entre indivíduos da mesma família, não
necessariamente visam obter vantagens e/ou direitos de cunho patrimonial e/ou pecuni-
ário, principalmente diante da perspectiva do “direito de pertencer”, já que nestes casos
o deferimento da ação em seu benefício tem um valor inestimável. Os ref‌lexos quanto
ao direito de herança e os relacionados às obrigações alimentares, por exemplo, nem
sempre são corretos, considerando os casos de reconhecimento de relação avoenga em
que os avós não possuam patrimônio, ou necessários, no caso de o neto não necessitar
de ajuda alimentar.
2. AVÓS NO NÚCLEO FAMILIAR
Dentre todas as relações intrafamiliares, certamente avós e netos vivenciam as mais
açucaradas delas. Pelo que dizem, entendo que f‌ilhos têm ônus, netos, só bônus.
Com a chegada de uma criança, a família se reconf‌igura totalmente: os f‌ilhos
passam a ser pais, enquanto os pais passam a ser avós, e, com isso, ocorre a importante
transmissão geracional e psíquica:1
Para apresentar a denição e delimitação da Transmissão psíquica geracional recorre-se ao texto eclo-
são dos vínculos genealógicos e transmissão psíquica (...). A transmissão psíquica geracional e seus
mecanismos são articulados com os conceitos elaborados pela metapsicologia psicanalítica, tais como
os de pulsão, narcisismo, identicação, trauma, recalcamento, denegação, signicantes, fantasma e
outros. A transmissão psíquica geracional ocorre por processos psíquicos inconscientes constituintes
de subjetividades via linguagem, simbólicos, e também nas dimensões do imaginário e do real e nos
vínculos geracionais familiares. A transmissão psíquica ultrapassa os campos do intrasubjetivo e do
intersubjetivo, aquele restrito ao indivíduo, tomando a dimensão e o espaço do transubjetivo, expan-
dindo a clínica a uma nova percepção da dimensão de trabalho. (...) A transmissão geracional tem duas
modalidades – a intergeracional, transmitida pela geração mais próxima, pelos pais, na qual o material
pode ser transformado e metabolizado, ou ainda comprometido e transmitido à próxima geração; e a
transgeracional, em que o material psíquico da herança genealógica é inconsciente e não simbolizado,
não é integrado no psíquico, este apresenta lacunas, elementos foracluídos, encriptados, e é transmi-
tido por várias gerações.(...) A família é o espaço privilegiado para a transmissão transgeracional, nela
1. TRANSGERACIONALIDADE PSÍQUICA: UMA REVISÃO DE LITERATURA. Por Mauro Pioli Rehbein; Daniela
Scheinkman Chatelard (Universidade de Brasília, Asa Norte, Brasília, DF, Brasil). Disponível em: [https://www.
psicologiahailtonyagiu.psc.br/materias/ponto-vista/682-a-transmissao-psiquica-entre-geracoes]. Acesso em:
28.06.2020.
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