Contrato de trabalho ? caracterização, morfologia e nulidades. conteúdo contratual ? peculiaridades. o sistema de cotas no contrato de trabalho

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas625-655
CAPÍTULO XV
CONTRATO DE TRABALHO — CARACTERIZAÇÃO,
MORFOLOGIA E NULIDADES. CONTEÚDO
CONTRATUAL — PECULIARIDADES. O SISTEMA DE
COTAS NO CONTRATO DE TRABALHO
I. INTRODUÇÃO
Contrato é o acordo tácito ou expresso mediante o qual ajustam as
partes pactuantes direitos e obrigações recíprocas.
Essa gura jurídica, embora não tenha sido desconhecida em experiências
históricas antigas e medievais, tornou-se, no período contemporâneo, um
dos pilares mais signi cativos de caracterização da cultura sociojurídica do
mundo ocidental.
A relevância assumida pela noção e prática do contrato, nos últimos
séculos, deriva da circunstância de as relações interindividuais e sociais con-
temporâneas — à diferença dos períodos históricos anteriores — vincularem
seres juridicamentes livres, isto é, seres desprendidos de relações institucio-
nalizadas de posse, domínio ou qualquer vinculação extravolitiva a outrem
(como próprio da escravidão ou servidão). Ainda que se saiba que tal liber-
dade muitas vezes tem dimensão extremamente volátil ou enganosa (basta
lembrar-se dos contratos de adesão, que são típicos do Direito do Trabalho
e do Direito do Consumidor, ilustrativamente), o fato é que os sujeitos com-
parecem à celebração dos atos jurídicos centrais da sociedade atual como
seres teoricamente livres. Nesse quadro, apenas o contrato emergiu como ins-
trumento jurídico hábil a incorporar esse padrão especí co de relacionamen-
to entre os indivíduos, à medida que essencialmente o contrato é que se
destacava como veículo jurídico de potenciamento ao exercício privado da
liberdade e da vontade.
A experiência interindividual e social dos últimos duzentos anos
encarregou-se de demonstrar quão quimérica e falaciosa podem ser essas
noções de liberdade e vontade no contexto das relações entre pessoas e
grupos sociais. O Direito do Trabalho, a propósito, é fruto da descoberta
do caráter um tanto falacioso e quimérico de semelhante equação jurídica.
Contudo, não obstante as graves limitações à liberdade e ao exercício
pessoal da vontade em inúmeras situações contemporaneamente relevantes,
preserva-se como essencial o reconhecimento de que tais valores são
dados inerentes à contextura das relações sociojurídicas típicas do mundo
contemporâneo. É que esse reconhecimento permite se vislumbrar um
potencial de avanço e desenvolvimento do plano da liberdade e vontade no
626 M樋弼膝眉備眉疋 G疋尾眉匹琵疋 D微柊毘樋尾疋
quadro das relações humanas — desenvolvimento e avanço inviáveis em
estruturas sociojurídicas que não tivessem tais elementos como integrantes
estruturais de suas relações características.
No Direito do Trabalho, a gura do contrato desponta com toda sua
faceta enigmática. É que, de um lado, está-se diante talvez do mais eloquente
exemplo de contrato de adesão fornecido pelo mundo contemporâneo, onde
o exercício da liberdade e vontade por uma das partes contratuais — o
empregado — encontra-se em polo extremado de contingenciamento. De
outro lado, porém, a simples presença das noções de liberdade e vontade
no contexto dessa relação contratual já alerta para o potencial de ampliação
de seu efetivo cumprimento em harmonia com avanços sociopolíticos
democráticos conquistados na história.
II. ASPECTOS CONCEITUAIS DO CONTRATO DE TRABALHO
1. De nição
De nir um fenômeno consiste na atividade intelectual de apreensão
e desvelamento dos elementos componentes desse fenômeno e do nexo
lógico que os mantêm integrados. A de nição é, pois, uma declaração da
essência e composição de um determinado fenômeno: supõe, desse modo,
o enunciado não só de seus elementos integrantes como do vínculo que os
mantém unidos.
A de nição do contrato de trabalho não foge a essa regra. Identi cados
seus elementos componentes e o laço que os mantêm integrados, de ne-se
o contrato de trabalho como o negócio jurídico expresso ou tácito median-
te o qual uma pessoa natural obriga-se perante pessoa natural, jurídica ou
ente despersoni cado a uma prestação pessoal, não eventual, subordinada
e onerosa de serviços.
Também pode ser de nido o contrato empregatício como o acordo de
vontades, tácito ou expresso, pelo qual uma pessoa física coloca seus serviços
à disposição de outrem, a serem prestados com pessoalidade, não even-
tualidade, onerosidade e subordinação ao tomador. A de nição, portanto,
constrói-se a partir dos elementos fático-jurídicos componentes da relação
empregatícia, de agrada pelo ajuste tácito ou expresso entre as partes(1).
De nição da CLT: crítica — A CLT de ne a gura jurídica em exame.
Dispõe o art. 442, caput, que “contrato individual de trabalho é o acordo tácito
ou expresso, correspondente à relação de emprego”.
(1) A análise dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego (trabalho por pessoa
natural, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação) encontra-se
na obra deste autor: Introdução ao Direito do Trabalho. 3. ed., LTr, 2001 (Capítulo VIII —
“Relação de Trabalho e Relação de Emprego”). Também no Capítulo IX deste Curso (“Relação
de Emprego — Caracterização”).

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