O empregado

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas428-500
CAPÍTULO XI
O EMPREGADO
I. INTRODUÇÃO
Empregado é toda pessoa natural que contrate, tácita ou expressamente,
a prestação de seus serviços a um tomador, a este efetuados com pessoali-
dade, onerosidade, não eventualidade e subordinação.
A noção de contrato é importante, uma vez que acentua a dimensão do
animus contrahendi que subjaz à relação jurídica formada. Essa intenção
de se vincular empregaticiamente, como visto (animus contrahendi), é que
confere (ou não), do ponto de vista subjetivo, onerosidade empregatícia ao
vínculo instituído entre as partes.
Por outro lado, à medida que esse contrato pode ser tácito (caput
dos artigos 442 e 443 da CLT), a simples prestação de serviços, sem
qualquer formalização, não é óbice a que se considere pactuado um vínculo
empregatício entre tomador e prestador de trabalho (desde que presentes os
elementos fático-jurídicos da relação de emprego, obviamente).
No conceito acima encontram-se os cinco elementos fático-jurídicos
da relação de emprego (trabalho por pessoa física, com pessoalidade,
onerosidade, não eventualidade e sob subordinação ao tomador). Reunidos,
portanto, esses cinco elementos, será empregado o prestador de serviços.
O conceito legal de empregado está lançado no art. 3º, caput, da CLT: toda
pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador,
sob a dependência deste e mediante salário. O preceito celetista, entretanto,
é incompleto, tendo de ser lido em conjunto com o caput do art. 2º da mesma
Consolidação, que esclarece que a prestação pelo obreiro há de ser pessoal.
Harmonizados os dois preceitos (caput do art. 3º e caput do art. 2º, ambos
da CLT), encontram-se reunidos os cinco elementos componentes da gura
sociojurídica de empregado.
Empregado e Conteúdo de sua Prestação Principal — O empregado
não se distingue de outros trabalhadores em virtude do conteúdo da prestação
realizada, conforme já enfatizado.
O conteúdo da prestação (tipo de trabalho) consubstancia, em geral,
dado relativamente irrelevante à con guração do vínculo de emprego, uma
vez que, em princípio, qualquer obrigação de fazer, física e juridicamente
possível, pode emergir como objeto de um contrato de emprego.
429C弼膝菱疋 尾微 D眉膝微眉肘疋 尾疋 T膝樋簸樋柊琵疋
O que distingue a relação de emprego, o contrato de emprego, o empregado,
de outras guras sociojurídicas próximas, repita-se, é o modo de concretiza-
ção dessa obrigação de fazer. A prestação laborativa há de se realizar, pela
pessoa física, pessoalmente, subordinadamente, com não eventualidade e
sob intuito oneroso. Excetuado, portanto, o elemento fático-jurídico pessoa
física, todos os demais pressupostos referem-se ao processo (modus ope-
randi) de realização da prestação laborativa. Essa especí ca circunstância
é de notável relevo para a precisa identi cação da gura do empregado (e,
portanto, da existência de relação de emprego), no universo comparativo
com outras guras próximas e assemelhadas de trabalhadores.
II. EMPREGADOS DE FORMAÇÃO INTELECTUAL:
TRATAMENTO JUSTRABALHISTA
A distinção entre trabalho manual e trabalho intelectual constitui uma
das mais antigas existentes ao longo da História; na verdade, ela é inevitável
na dinâmica de funcionamento da economia e da sociedade. Entretanto, a
ordem jurídica contemporânea, em especial a partir do Constitucionalismo
Social — de agrado na segunda década do século XX, conforme se sabe —,
passou a ostentar preocupação no que tange ao combate à discriminação
em face da diversidade entre esses dois tipos de trabalho.
O tema, nas últimas décadas, é enfrentado quer no âmbito constitucional,
quer no âmbito da normatividade internacional sobre Direitos Humanos
Econômicos, Sociais e Culturais, quer no âmbito da legislação ordinária
interna da grande maioria dos Estados ocidentais.
Ele envolve, em particular, dois aspectos de destaque: de um lado, como
referido, o sentido cardeal do princípio antidiscriminatório clássico, de agrado
pelo Constitucionalismo Social e aperfeiçoado pelo Constitucionalismo
Humanista e Social europeu de após a Segunda Grande Guerra. É o que
será examinado no item 1, infra.
De outro lado, o tratamento jurídico conferido à regulação de
pro ssões, inclusive as de natureza intelectual. Esse aspecto tem de ser
melhor estudado a m de que não se faça uma interpretação fragmentada da
matriz normativa constitucional, colocando-a, exoticamente, contra a regulação
trabalhista de inúmeras atividades pro ssionais de natureza intelectual. É o
que será analisado no item 2, logo a seguir.
1. Princípio Constitucional Antidiscriminatório
A Constituição da República proíbe distinção entre trabalho manual, téc-
nico e intelectual ou entre os pro ssionais respectivos, em norma especí ca
430 M樋弼膝眉備眉疋 G疋尾眉匹琵疋 D微柊毘樋尾疋
xada no Capítulo II (“Dos Direitos Sociais”) de seu Título II (“Dos Direitos e
Garantias Fundamentais”): efetivamente, ela está expressa no art. 7º, XXXII,
da CF/88.
Tais princípios, garantia e regra constitucionais enfatizados no art. 7º,
XXXII, se harmonizam ao princípio geral antidiscriminatório brandido,
rmemente, pela Constituição de 1988, quer em seu Título I — “Dos Princípios
Fundamentais” (art. 1º, III, e art. 3º, IV), quer em seu Título II — “Dos Direitos e
Garantias Fundamentais”, inclusive também no Capítulo I — “Dos Direitos
e Deveres Individuais e Coletivos” (art. 5º, caput).
O princípio antidiscriminatório especi cado no art. 7º, XXXII, da Cons-
tituição de 1988, na verdade, é clássico na tradição constitucional do País,
estando presente desde a Constituição de 1934 (art. 12, § 2º). Em seguida,
compareceu na Constituição de 1946 (art. 157, parágrafo único) e até mesmo
nos textos constitucionais do período autoritário (1967 e 1969). Insculpe-se
também no art. 3º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho.
A partir dessa vedação constitucional expressa, o tema referente a
trabalhadores intelectuais perderia maior relevância, por não se encontrar,
no Direito do Trabalho, até então, contraponto normativo a essa explícita
proibição. Porém, a Lei de Reforma Trabalhista de 2017 abriu severa exceção
na tradição de respeito ao clássico princípio e garantia constitucionais: de
fato, por intermédio da inserção de novo parágrafo único no art. 444 da
CLT, a Lei n. 13.467/2017 autorizou a segregação jurídica dos empregados
portadores de diploma de nível superior (e que também percebam salário
igual ou superior à dobra do teto dos benefícios pagos pelo INSS) — tais
empregados poderão se submeter, mediante “livre estipulação”, à profunda
diminuição de direitos especi cada no art. 611-A da CLT, “com a mesma
e cácia legal e preponderância sobre os instrumentos coletivos” (parágrafo
único do art. 444, CLT).
Por sua relevância, a nova (e censurável) regra será examinada mais à
frente, no item III (“Altos Empregados: Situações Especí cas e Tratamento
Justrabalhista”), no novo subitem III.5 (“Empregados Portadores de Diploma
de Nível Superior e que Percebam Salário Igual ou Superior à Dobra do Teto
de Benefícios do INSS: segregação jurídica”).
Torna-se necessário, porém, esclarecer que não contrariam o princípio
constitucional antidiscriminatório acima destacado a presença de inúme-
ras regulamentações legais acerca de pro ssões intelectuais distintas:
médicos e cirurgiões-dentistas (Leis ns. 3.999/61, 6.932/81 e 7.217/84);
professores (CLT, arts. 317 a 324); químicos (CLT, art. 325, e Lei n. 5.530/68); enge-
nheiros, arquitetos, agrônomos e veterinários (Lei n. 4.950-A/66); artistas (Lei
n. 6.533/78); economistas (Leis ns. 1.411/57, 6.021/74 e 6.537/78); técnicos

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