Término do contrato de trabalho ? modalidades e efeitos

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas1337-1402
CAPÍTULO XXVIII
TÉRMINO DO CONTRATO DE TRABALHO
— MODALIDADES E EFEITOS
I. INTRODUÇÃO
O contrato de trabalho, como os negócios jurídicos em geral, nasce em
certo instante, cumpre-se parcialmente ou de modo integral, e sofre, quase
que inevitavelmente, alterações ao longo do tempo; por m, ele se extingue.
O momento de terminação do contrato também é de grande relevância
no Direito do Trabalho.
Na verdade, o ramo justrabalhista, pelo menos em suas versões
clássicas, antes da borrasca avassaladora da desregulamentação das
políticas sociais de agrada no último quartel do século XX no Ocidente,
sempre atuou em sentido contrário à terminação do contrato empregatício.
É que este fato transcende o mero interesse individual das partes, uma
vez que tem re exos na âmago da estrutura e dinâmica sociais: a nal, o
desemprego não pode e não deve interessar à sociedade, ao menos em
contextos de convivência e a rmação democráticas. Em uma Democracia,
todos os indivíduos são sujeitos de direitos, e a todos deve ser assegurada a
dignidade, independentemente de sua riqueza pessoal ou familiar. Assim, o
trabalho com garantias mínimas — que no mundo capitalista tem se traduzido
no emprego, ao menos para os despossuídos de poder socioeconômico —
torna-se, na prática, o grande instrumento de alcance do plano social da
dignidade humana. Ou seja, torna-se o instrumento basilar de a rmação
pessoal, pro ssional, moral e econômica do indivíduo no universo da
comunidade em que se insere.
Por isso, tradicionalmente, no Direito do Trabalho sempre vigorou o
princípio da conservação do contrato, da continuidade da relação de em-
prego: preserva-se o vínculo juslaborativo, desde que a dispensa não se
funde em causa jurídica relevante. Mesmo em ordens jurídicas que não con-
cretizam esse princípio em todas as suas potencialidades, autorizando, por
exemplo, a dispensa do empregado como mera prerrogativa potestativa do
empregador — como a brasileira, a propósito —, não se pode negar a im-
portância sociojurídica do fato da extinção do contrato, com restrições ainda
signi cativas que o Direito do Trabalho procura a ele antepor.
O estudo do término do contrato de trabalho envolve a análise de inúmeros
aspectos jurídicos. Em primeiro lugar, o estudo dos princípios aplicáveis a
1338 M樋弼膝眉備眉疋 G疋尾眉匹琵疋 D微柊毘樋尾疋
essa fase do contrato de emprego, com a evolução jurídica percebida no País
acerca desse relevante momento. A seu lado, a apresentação das diversas
modalidades de terminação contratual e seus respectivos efeitos jurídicos. É
o que será feito no presente Capítulo XXVIII deste Curso.
A matéria sobre a ruptura do contrato é, porém, extensa, demandando
outros capítulos para sua investigação. Assim, no Capítulo XXIX deste Curso
será estudado o término contratual por ato lícito das partes, segundo o siste-
ma jurídico brasileiro. Tal estudo engloba a dispensa sem justa causa, outras
dispensas motivadas mas sem culpa obreira, a análise sobre o pedido de de-
missão pelo próprio empregado, a par do exame da gura jurídica do distrato.
No mesmo capítulo será também estudado o importante instituto rescisório
do aviso-prévio.
No Capítulo XXX será analisado o término do contrato por ato culposo do
empregado: a dispensa por justa causa obreira. No Capítulo XXXI será feito
o estudo do término contratual por ato culposo do empregador: a chamada
rescisão indireta do contrato.
Finalmente, no Capítulo XXXII serão investigadas guras jurídicas que
se vinculam ao momento rescisório, embora, muitas vezes, nele não se es-
gotem: trata-se da estabilidade e garantias de emprego (ou, informalmente,
“estabilidade permanente” e “estabilidades provisórias”), das indenizações
relativas ao instante de término do contrato, a par da gura jurídica multidi-
mensional do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
II. EXTINÇÃO CONTRATUAL — PRINCÍPIOS APLICÁVEIS
Há princípios justrabalhistas que comparecem no cenário do término do
contrato empregatício. Nele atuam, é claro, em todas as dimensões ineren-
tes a essas diretrizes gerais do Direito: informativa, interpretativa, normativa
subsidiária e normativa própria e/ou normativa concorrente, conforme já es-
tudado no Capítulo VI do presente Curso(1).
A in uência de tais princípios não deve ser minimizada pelo operador
jurídico, uma vez que atuam no processo de compreensão das regras de
Direito Positivo, ora estendendo, ora restringindo seu sentido, ora assumindo
a integralidade de seu papel de norma jurídica. Isso signi ca que, mesmo
(1) Para a análise acerca da diversidade de funções que hoje ostentam os princípios no Di-
reito, inclusive a sua função efetivamente normativa, examinar também DELGADO, Mauricio
Godinho. Princípios Constitucionais do Trabalho e Princípios de Direito Individual e Coletivo
do Trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2017, especialmente em seu Capítulo I (“Princípios de Di-
reito — Conceituação e Funções”). Também consultar BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito
Constitucional, 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, em seu Capítulo 8, “Dos Princípios Gerais
de Direito aos Princípios Constitucionais”, p. 228-266.
1339C弼膝菱疋 尾微 D眉膝微眉肘疋 尾疋 T膝樋簸樋柊琵疋
nas conjunturas de seu enfraquecimento como diretrizes informativas do
papel criativo do legislador (como as vivenciadas na década de 1990 e desde
2016/2017 no País), tais princípios não podem deixar de agir, com todo o seu
potencial, na fase propriamente jurídica. A nal, nesta fase é que se interpreta
e se compreende a regra de Direito já elaborada, adequando-a ao universo
jurídico mais amplo, inclusive aos princípios basilares deste.
Os princípios especiais justrabalhistas que mais atuam na fase de término
do contrato de trabalho são: princípio da continuidade da relação de emprego;
princípio das presunções favoráveis ao trabalhador; princípio da norma mais
favorável.
1. Princípio da Continuidade da Relação de Emprego
A presente diretriz (também chamada princípio da conservação do
contrato) enuncia ser de interesse do Direito do Trabalho a permanência
do vínculo empregatício, com a integração do trabalhador na estrutura e
dinâmica empresariais. Apenas mediante tal permanência e integração é
que a ordem justrabalhista poderia cumprir, satisfatoriamente, o objetivo te-
leológico do Direito do Trabalho de assegurar melhores condições — sob a
perspectiva obreira — de pactuação e gerenciamento da força de trabalho
em uma determinada sociedade.
Além disso, o desemprego não interessa à sociedade como um todo.
Causa o desemprego impacto negativo de múltiplas dimensões (econômicas,
sociais, psicológicas, etc.) sobre a pessoa do trabalhador atingido; porém,
contamina, na mesma profundidade, o âmbito comunitário que cerca o de-
sempregado, em especial sua família. Tratando-se de desemprego maciço,
o impacto atinge toda a sociedade, com a desestruturação do sistema de
convivência interindividual e comunitária e o agravamento das demandas
sobre o sistema estatal de seguridade e previdência sociais. A par disso, o
desemprego acentua a diferenciação social, alargando a chaga da exclusão
de pessoas e grupos sociais, que tanto conspira contra a Democracia. Mais
ainda, esse fenômeno acaba por colocar todo o sistema econômico em peri-
gosa antítese ao papel social que a ordem jurídica determina seja exercitada
pela propriedade.(2)
A leitura que o princípio da continuidade da relação de emprego faz
da ordem jurídica é que a extinção contratual transcende o mero interesse
(2) Sobre o papel do emprego e do desemprego no capitalismo, consultar DELGADO,
Mauricio Godinho. Capítalismo, Trabalho e Emprego — entre o paradigma da destruição e os
caminhos de reconstrução. 3. ed. São Paulo: LTr, 2017, especialmente o Capítulo IV (“Direito
do Trabalho e Inclusão Social: o Desa o Brasileiro”) e o Capítulo V (“O Desemprego como
Estratégia no Capitalismo de Finanças”).

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