O empregador
Autor | Mauricio Godinho Delgado |
Páginas | 501-548 |
CAPÍTULO XII
O EMPREGADOR
I. INTRODUÇÃO
Empregador defi ne-se como a pessoa física, jurídica ou ente despersonifi -
cado que contrata a uma pessoa física a prestação de seus serviços, efetuados
com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e sob sua subordinação.
A noção jurídica de empregador, como se percebe, é essencialmente
relacional à de empregado: existindo esta última fi gura no vínculo laborativo
pactuado por um tomador de serviços, este assumirá, automaticamente, o
caráter de empregador na relação jurídica consubstanciada.
Defi nição da CLT: análise crítica — A de fi nição celetista de empregador
conduz a algumas refl exões adicionais. Diz o art. 2º, caput, da CLT que empre-
gador é a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade
econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços (art. 2º,
CLT). Completa o § 1º do mesmo artigo que se equiparam (sic!) ao empregador,
para efeitos exclusivos da relação de emprego, os profi ssionais liberais, as ins-
tituições de benefi cência, as associações recreativas ou outras instituições sem
fi ns lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
O enunciado do caput celetista é, tecnicamente, falho, sendo também
falho o parágrafo primeiro do mesmo artigo, por se traduzir como claramente
tautológico.
Na verdade, empregador não é a empresa — ente que não confi gura,
obviamente, sujeito de direitos na ordem jurídica brasileira. Empregador
será a pessoa física, jurídica ou ente despersonifi cado titular da empresa ou
estabelecimento.
A eleição do termo empresa, pela CLT, para designar a fi gura do empre-
gador apenas revela, mais uma vez, a forte infl uência institucionalista e da
teoria da relação de trabalho que se fez presente no contexto histórico de ela-
boração desse diploma justrabalhista. A propósito, o Estatuto do Trabalhador
Rural (Lei n. 4.214, de 1963) e a Lei do Trabalho Rural (n. 5.889, de 1973),
ambos construídos em período histórico em que já não vigorava signifi cativa
infl uência dessas velhas correntes teóricas trabalhistas, não defi nem empre-
gador rural como empresa, porém como pessoa física ou jurídica (caput do
art. 3º da Lei n. 4.214/1963 e caput do art 3º da Lei n. 5.889, de 1973)(1).
(1) A Lei n. 4.214/63, como se sabe, foi revogada pela Lei n. 5.889/73, que é hoje vigorante.
502 M樋弼膝眉備眉疋 G疋尾眉匹琵疋 D微柊毘樋尾疋
Efetuadas tais críticas à técnica falha do caput do art. 2º da CLT, há que
se aduzir, entretanto, outra vertente de observações acerca desse mesmo
dispositivo celetista. É que a falha técnica celetista (ou viés doutrinário) evi-
denciou, no correr da experiência justrabalhista, um aspecto algo positivo,
consubstanciado em sua funcionalidade. De fato, a eleição do termo empre-
sa tem o sentido funcional, prático, de acentuar a importância do fenôme-
no da despersonalização da fi gura do empregador. Ao enfatizar a empresa
como empregador, a lei já indica que a alteração do titular da empresa não
terá grande relevância na continuidade do contrato, dado que à ordem justra-
balhista interessaria mais a continuidade da situação objetiva da prestação
de trabalho empregatício ao empreendimento enfocado, independentemente
da alteração de seu titular. É o que resultará preceituado nos arts. 10 e 448 da
mesma CLT (dispositivos a serem examinados no item sucessão de empre-
gadores, à frente).
Passando-se ao exame do § 1º do art. 2º, da CLT, cabe se observar
que não existe, do ponto de vista rigorosamente técnico, empregador por
equiparação. Na verdade, as entidades especifi cadas no referido parágrafo
primeiro confi guram-se como empregadores típicos e não empregadores por
equiparação ou extensão legal. São entes sem fi ns lucrativos, é certo, mas
esse aspecto não é relevante à confi guração do tipo legal do empregador,
por não se constituir em seu elemento fático-jurídico específi co.
Não há, portanto, uma qualidade especial deferida por lei a pessoas físicas
ou jurídicas para emergirem como empregadores. Basta que, de fato, se utilizem
da força de trabalho empregaticiamente contratada. A presença do empregador
identifi ca-se, portanto, pela simples verifi cação da presença de empregado a
seus serviços, e não pela qualidade do sujeito contratante de tais serviços.
Inexistindo na ordem jurídica qualifi cação específi ca para que uma entidade
seja considerada empregadora (ao contrário do que ocorre com o empregado:
apenas pessoa física), disso resulta que até mesmo entes juridicamente
despersonifi cados podem surgir, no plano jurídico, como empregadores, desde
que se valendo do trabalho empregatício. É o que se passa com condomínios,
espólios e massas falidas, por exemplo.
II. EMPREGADOR — CARACTERIZAÇÃO
Ao se caracterizar a fi gura da relação de emprego (e do empregado),
apreendem-se e se identifi cam os cinco elementos fático-jurídicos específi cos
que a compõem, à luz da ordem justrabalhista. O processo de caracterização
da fi gura sociojurídica do empregador é distinto. Tratando-se de conceito es-
tritamente relacional, a caracterização da fi gura do empregador importa na
simples apreensão e identifi cação dos elementos fático-jurídicos da relação
de emprego, aduzindo-se que o tipo legal do empregador estará cumprido
503C弼膝菱疋 尾微 D眉膝微眉肘疋 尾疋 T膝樋簸樋柊琵疋
por aquele que se postar no polo passivo da relação empregatícia formada.
É que não existem elementos fático-jurídicos específi cos à fi gura do empre-
gador, exceto um único: a apreensão, por um sujeito de direito qualquer, de
prestação de serviços (efetuada por pessoa física, com pessoalidade, não
eventualidade, onerosidade e sob subordinação ao tomador). Verifi cados os
cinco elementos fático-jurídicos da relação de emprego, pesquisa-se apenas
pelo sujeito jurídico que tomou os serviços empregatícios — este será, em
princípio, o empregador.
Confi gurada a relação de emprego e, consequentemente, a existência
de um empregador, a ordem justrabalhista determina a ocorrência de alguns
efeitos jurídicos universais sobre essa fi gura do empregador. Não são,
contudo, elementos constitutivos de tal fi gura (elementos sem os quais ela
não existiria), mas efeitos jurídicos decorrentes de sua existência. Como
se trata de efeitos jurídicos universais — isto é, presentes em praticamente
todas as situações sociojurídicas pertinentes à existência do empregador —,
a teoria justrabalhista os arrola como aspectos característicos dessa fi gura
jurídica tipifi cada.
São dois esses efeitos (ou características) da fi gura do empregador: de
um lado, a sua despersonalização, para fi ns justrabalhistas; de outro lado, sua
assunção dos riscos do empreendimento e do próprio trabalho contratado.
1. Despersonalização
A característica da despersonalização da fi gura do empregador consiste
na circunstância de autorizar a ordem justrabalhista a plena modifi cação do
sujeito passivo da relação de emprego (o empregador), sem prejuízo da
preservação completa do contrato empregatício com o novo titular.
Note-se que enquanto a pessoalidade é elemento fático-jurídico atávi-
co à fi gura do empregado (elemento sem o qual não existirá o empregado,
juridicamente), ela tende a ser irrelevante na tipifi cação da fi gura do empre-
gador. Aqui predomina a impessoalidade, acentuando a lei a despersonaliza-
ção como marca distintiva do sujeito passivo da relação de emprego.
É interessante perceber que a utilização da expressão empresa, neste
momento, serve de instrumento para realçar a despersonalização da fi gura
do empregador. De fato, à medida que a ordem jurídica se reporta à noção
objetiva de empresa para designar empregador, em vez da noção subjetiva
e às vezes particularíssima de pessoa, obtém o efeito de acentuar o caráter
impessoal e despersonalizado com que encara e rege tal sujeito do contrato
de trabalho.
A despersonalização do empregador é um dos mecanismos principais
que o Direito do Trabalho tem para alcançar certos efeitos práticos relevan-
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