Término do contrato por ato culposo do empregado: dispensa por justa causa

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas1447-1482
CAPÍTULO XXX
TÉRMINO DO CONTRATO POR ATO CULPOSO DO
EMPREGADO: DISPENSA POR JUSTA CAUSA
I. INTRODUÇÃO
A importante tipologia que divide as modalidades de término do contrato
de trabalho em resilição contratual, resolução contratual e rescisão contratual,
reservando para um quarto grupo inominado os demais tipos existentes de
ruptura do pacto laborativo(1), encontra em dois dos tipos de resolução alguns
dos meios mais relevantes de terminação de tal contrato: a ruptura por ato
culposo do empregado (dispensa por justa causa) e a ruptura por ato culposo
do empregador (também chamada rescisão indireta ou despedida indireta).
O presente capítulo será dedicado à terminação do contrato em face
de conduta culposa do empregado, também conhecida pelo epíteto de justa
causa obreira.
No seu estudo serão examinados, inicialmente, os sistemas principais
de estruturação jurídica de ilícitos trabalhistas e respectivas penalidades,
com o correspondente enquadramento do modelo brasileiro. Em seguida, a
análise do contraponto entre justa causa e falta grave, que transparece no
texto normativo da CLT. Mais à frente, a importante investigação acerca dos
critérios de aplicação de penalidades prevalecentes no Direito do Trabalho
do País. Por m, será feita a análise das infrações tipi cadas que existem no
ramo justrabalhista pátrio, acompanhada do exame das punições lícitas e
ilícitas, segundo o Direito brasileiro.
II. CARACTERIZAÇÃO DAS INFRAÇÕES TRABALHISTAS:
SISTEMAS PERTINENTES
O Direito do Trabalho procura caracterizar as infrações viabilizadoras da
aplicação de punições no âmbito da relação de emprego. Tal caracterização,
contudo, não se submete a um critério uniforme, segundo as diversas ordens
jurídicas.
Conforme já antecipado no Capítulo XX, item V, deste Curso, existem,
essencialmente, dois critérios principais de caracterização de infrações
(1) Tipologia retirada de MARANHÃO, Délio. Extinção do Contrato de Trabalho, in:
SÜSSEKIND, A. et alii. Instituições de Direito do Trabalho, v. I. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1981, p. 521 e seguintes, conforme já reiteradamente exposto.
1448 M樋弼膝眉備眉疋 G疋尾眉匹琵疋 D微柊毘樋尾疋
trabalhistas nas ordens jurídicas ocidentais de maior relevo: o critério genérico e
o critério taxativo, este conhecido também como de tipicidade legal. É claro que
no plano concreto das ordens jurídicas podem ocorrer formas de combinação
dos dois critérios: ilustrativamente, a lei tipi ca algumas infrações mas também
admite outras condutas não tipi cadas como ensejadoras da punição trabalhista.
O critério taxativo (ou de tipicidade legal) faz com que a legislação preveja,
de modo expresso, os tipos jurídicos de infrações trabalhistas. Por tal critério,
a ordem jurídica realiza previsão exaustiva e formalística das infrações, el ao
princípio de que inexistiriam ilícitos trabalhistas além daqueles expressamente
xados em lei. Por esse critério, o Direito do Trabalho incorporaria o princípio
penal clássico de que não há infração sem previsão legal anterior expressa.
Observe-se, contudo, que a tipi cação trabalhista — mesmo à luz do
critério taxativo — não chega a ser, em todas as hipóteses legais, tão rigorosa
quanto à característica do Direito Penal. A infração corresponde a um tipo
legal preestabelecido, mas esse tipo legal não tem, sempre, seus traços
e contornos rigidamente xados pela lei. A tipi cação trabalhista pode ser,
desse modo, signi cativamente mais exível e plástica do que a con gurada
no Direito Penal. Um exemplo dessa plasticidade é dado pela justa causa
prevista no art. 482, “b”, CLT, isto é, mau procedimento. Ora, a plasticidade e
imprecisão desse tipo legal trabalhista deixa-o muito distante do rigor formal
exigido por um tipo legal penalístico.
O critério genérico faz com que a legislação não preveja, de modo
expresso, os tipos jurídicos de infrações trabalhistas; em síntese, a ordem
jurídica não realiza previsão exaustiva e formalística das ilicitudes. Ao con-
trário, o Direito apenas menciona como infração trabalhista aquela conduta
que, por sua natureza ou características próprias ou mesmo circunstanciais,
venha a romper com a con ança essencial à preservação do vínculo em-
pregatício. Por esse critério, portanto, é mais larga a margem de aferição de
ocorrência de infrações no contexto da relação de emprego.
O jurista Amauri Mascaro Nascimento, ilustrando oportunamente o cri-
tério genérico, cita o conceito de justa causa inserido na Lei do Contrato de
Trabalho portuguesa então vigente (início da década de 1990), elaborado
em conformidade com o mencionado critério: “considera-se justa causa
o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequên-
cias, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de
trabalho.”(2)
Não se pode sustentar, em princípio, existência de efetiva superioridade
teórica e empírica de um critério de política normativa sobre outro. Ambos,
na verdade, são compatíveis com uma apreensão democrática do tema do
(2) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 17. ed. São Paulo: LTr,
1991, p. 191.
1449C弼膝菱疋 尾微 D眉膝微眉肘疋 尾疋 T膝樋簸樋柊琵疋
poder disciplinar. Contudo, o critério genérico — se não associado a um sis-
tema intraempresarial de controle do exercício do poder disciplinar, com
comissões obreiras e sindicais de acompanhamento e avaliação constantes
— talvez conduza, com maior frequência, à geração de situações de incer-
teza e arbitrariedade. De todo modo, é critério que está distante da prática
justrabalhista no Brasil.
A ordem jurídica brasileira inspira-se, inequivocamente, no critério
taxativo. Nessa linha, a legislação trabalhista prevê, de modo expresso, as
guras de infrações trabalhistas. Realiza previsão exaustiva, el ao princípio
de que inexistiriam infrações além daquelas formalmente xadas em lei.
III. JUSTA CAUSA E FALTA GRAVE: CONCEITO E DIFERENCIAÇÃO
Para o Direito brasileiro, justa causa é o motivo relevante, previsto
legalmente, que autoriza a resolução do contrato de trabalho por culpa do
sujeito comitente da infração — no caso, o empregado. Trata-se, pois, da
conduta tipi cada em lei que autoriza a resolução do contrato de trabalho por
culpa do trabalhador.
É evidente que infrações contratuais podem ser cometidas tanto pelo em-
pregado (tipos jurídicos do art. 482, CLT, por exemplo), como pelo empregador ( por
exemplo, tipos jurídicos do art. 483, CLT). No primeiro caso, o cometimento
dá ensejo à dispensa do obreiro por justa causa; no segundo caso, autoriza a
ruptura contratual por transgressão do empregador (rescisão indireta).
Aos tipos legais de infrações obreiras, com seus requisitos objetivos,
subjetivos e circunstanciais (a serem examinados no item seguinte deste
capítulo), a ordem jurídica denomina, portanto, justa causa.
A CLT, tratando das infrações cometidas pelo trabalhador, refere-se
ainda à noção de falta grave. Estipula que esta é constituída pela “prática
de qualquer dos fatos a que se refere o art. 482, quando por sua repetição
ou natureza representem séria violação dos deveres e obrigações do
empregado” (art. 493, CLT). A referência consta do capítulo celetista que
trata da estabilidade decenal no emprego (por exemplo, arts. 492, 493, 494,
495, 499, § 1º, todos da CLT). O art. 499, ilustrativamente, refere-se à falta
grave em um de seus parágrafos (§ 1º), quando trata do estável decenal,
mencionando, ao revés, a expressão justa causa quando se reporta ao
empregado não estável (art. 499, § 2º, CLT).
A mesma CLT, ao se referir à estabilidade provisória do dirigente sindical,
autoriza seu afastamento se o obreiro protegido “cometer falta grave devida-
mente apurada nos termos desta Consolidação” (art. 543, § 3º, CLT; grifos
acrescidos). Também a Constituição da República, ao mencionar essa mesma

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT