Culpabilidade

AutorCristiano Rodrigues
Páginas271-308
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CULPABILIDADE
O conceito de culpabilidade possui três aspectos em nosso ordenamento jurídico:
a) Princípio fundamental de direito penal
Já vimos que a culpabilidade como princípio fundamental significa que não há crime
e nem responsabilidade penal sem culpa (sentido amplo), sendo, portanto, necessário que
o indivíduo tenha “habilidade para ser culpado” por algo, e para isso deverá ter atuado ou
com dolo ou com culpa (sentido estrito).
Esse princípio é visto como sinônimo da responsabilidade penal subjetiva, base do
nosso ordenamento jurídico, portanto, de acordo com o Princípio da Culpabilidade, todo
aquele que tiver atuado com intenção de produzir um resultado (lesão a bem jurídico),
ou faltando com o cuidado devido em relação à sua ocorrência, poderá ser considerado
culpado, leia-se, responsável pelo fato, respondendo pelo crime.
Contrário senso, se ocorrer uma lesão a um bem jurídico alheio, mas for constatado
que não houve intenção (dolo), e nem falta de cuidado (culpa), na conduta do agente, ele
não poderá ser responsabilizado pelo fato devido à ausência de culpa (lato senso) e de
acordo com o Princípio da Culpabilidade o fato será considerado ATÍPICO.
Dentro da análise da culpabilidade como um princípio fundamental do Direito Penal,
é preciso ressaltar sua função de negar absolutamente a responsabilidade penal objetiva,
somente pelos resultados, ou seja, aquela embasada exclusivamente nos fatos praticados e
suas consequências concretas.
A responsabilidade penal é necessariamente subjetiva, pois somente condutas prati-
cadas com dolo ou culpa devem ser punidas, sendo a “culpa” (sentido lato) requisito indis-
pensável para que o fato seja considerado crime e para que se torne possível a atribuição
da pena.
Vejamos os seguintes exemplos:
Se alguém querendo matar seu desafeto dispara arma de fogo contra ele possui
culpa (sentido amplo) no que se refere à lesão ao bem jurídico vida, isso por ter agido com
intenção (dolo), logo responderá pelo crime praticado.
- Se alguém resolve limpar sua arma e, por não a ter desmuniciado antes disso,
acaba por produzir acidentalmente um disparo que mata uma pessoa, possui culpa (amplo
senso) pois atuou com falta de cuidado (culpa em “sentido estrito”) no que se refere à lesão
ao bem jurídico vida lesionado, respondendo assim pelo crime culposo praticado.
- Porém, se alguém dirigindo seu carro em uma via expressa, dentro da velocidade
permitida e cumprindo todas as regras de trânsito, é surpreendido por um indivíduo que
MANUAL DE DIREITO PENAL • CRISTIANO RODRIGUES
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se joga repentinamente na frente do veículo e, devido a isso, não consegue frear matando
esta pessoa, devemos chegar às seguintes conclusões:
a) por não ter agido com intenção de matar, não possui Dolo.
b) por não ter faltado com o cuidado devido, não possuirá Culpa (estrito senso).
c) Portanto, de acordo com o Princípio da Culpabilidade, neste caso, o agente não
possuirá “Culpa” (sentido amplo) no resultado morte, ou seja, não possuirá responsabili-
dade em relação ao resultado ocorrido, logo, devido à ausência de dolo e culpa na conduta
praticada não haverá crime e o fato será considerado atípico.
Nas precisas palavras do Prof. Nilo Batista: “o princípio da culpabilidade impõe a
subjetividade da responsabilidade penal. Não cabe, em Direito Penal uma responsabilidade
objetiva, derivada somente da associação causal entre a conduta e um resultado de lesão ou
perigo para um bem jurídico. É indispensável a culpabilidade. A responsabilidade penal é
sempre subjetiva.” 1
O Princípio da Culpabilidade evita punições injustas baseadas somente em um re-
sultado lesivo, pois somente atuando com dolo ou culpa é que alguém pode ser respon-
sabilizado por um crime e merecer punição, impedindo-se assim, de forma absoluta, a
responsabilidade penal objetiva, sem culpa (sentido amplo).
O Princípio da Culpabilidade é sem dúvida alguma a base fundamental de toda a
estrutura do Direito Penal moderno e da Teoria Finalista da Ação, sendo essencial para
a análise e configuração da estrutura do delito, bem como para a aplicação da pena, con-
forme salienta o penalista alemão Reinhart Maurach afirmando: “El princípio de la culpa-
bilidad se considera en Alemania postulado supremo de politica criminal: la pena criminal
solo puede fundar-se en la formacion de la voluntad que condujo a decidir el hecho, y nunca
puede ser mas grave de lo que el autor merezca segun su culpabilidad.”2
Para finalizar, é importante mais uma vez lembrar que não se pode confundir os con-
ceitos de culpabilidade – Princípio Fundamental de Direito Penal – sinônimo de responsa-
bilidade penal e requisito para que uma lesão a um bem jurídico seja considerada típica –,
com o conceito de culpabilidade elemento integrante do conceito de crime, definida como
juízo de reprovabilidade da conduta, que junto com a tipicidade e a ilicitude compõe o
chamado conceito analítico de crime.
É óbvio que a culpabilidade neste segundo aspecto, significando reprovação da con-
duta típica e ilícita praticada, também será requisito e elemento necessário para que um
determinado fato seja considerado crime, bem como para que se puna a conduta do agen-
te. Entretanto, como já foi dito, esta culpabilidade é diferente do princípio que acabamos
de abordar e não tem qualquer relação com o dolo e a culpa que, a partir do finalismo,
passaram a estar vinculados à análise da conduta e por isso devem ser trabalhados dentro
do próprio tipo penal, para que na sua ausência se constate a atipicidade do fato.
b) Elemento integrante do conceito de crime
Aqui a culpabilidade vem como sinônimo de reprovabilidade, isto é, reprovação pes-
soal à conduta típica e ilícita realizada pelo agente.
1. BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 1999, p. 104.
2. MAURACH, Reinhart. Tratado de Derecho Penal. Barcelona: Ed Ariel, 1962, vol. 1, pp. 561-2.
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O renomado penalista alemão Reinhardt Maurach afirma que o crime é o injusto
típico reprovável, sendo a culpabilidade então um elemento integrante desse que é o con-
ceito analítico de crime adotado pela maioria da doutrina nacional.
Existe doutrina atualmente minoritária que defende ser a culpabilidade mero pressu-
posto de aplicação da pena, enquanto o crime seria apenas um fato típico e ilícito, sendo
que, esse posicionamento não vem sendo utilizado pela maioria da doutrina nacional, e
que abordaremos em seguida.
Sendo assim, para a maioria da doutrina nacional e estrangeira, e nas bases da teoria
normativa pura adotada pelo finalismo e pelo Código Penal que estudaremos mais adian-
te, a Culpabilidade se define como: “a reprovabilidade pessoal da conduta típica e ilícita
praticada, formada pela imputabilidade, o potencial conhecimento da ilicitude e a exigibi-
lidade de conduta diversa.
Fala-se ainda em uma concepção formal de culpabilidade, que seria voltada ao le-
gislador que ao criar determinado crime faz um juízo de reprovação deste fato caso seja
praticado por alguém, utilizando assim esta análise formal de culpabilidade para delimitar
os limites mínimo e máximo abstratos de pena para cada crime.
Ja no aspecto material, a culpabilidade é a reprovação concreta a ser aferida pelo ma-
gistrado em relação a determinado fato típico e ilícito realizado por alguém, e será a base
para a reprovação penal do fato e estipulação da pena concretamente a ser aplicada.
c) Fundamento e limite da pena
Obviamente esse aspecto está entrelaçado com o aspecto anterior e a concepção ma-
terial de culpabilidade pois, de acordo com o art. 59 do CP, a culpabilidade é o primeiro
elemento que o juiz deve valorar para estipular a pena base, sendo que, quanto maior o
grau de reprovação pessoal da conduta praticada, maior será a pena aplicada e vice-versa.
Perceba-se que cada um dos aspectos mencionados aparece em um dos momentos da
teoria do crime. A culpabilidade é fundamental como princípio, vez que é determinante
na estruturação da responsabilidade penal no finalismo e no Direito Penal moderno, não
havendo crime sem dolo ou culpa. Depois se vincula à estrutura do crime, sendo elemento
fundamental do conceito analítico de crime, pois necessariamente deve-se avaliar a culpa-
bilidade (reprovabilidade) e seus elementos integrantes para que haja crime. E, por fim, é o
fundamento básico e fator limitador da aplicação da pena (juízo de reprovação concreta).
12.1 CULPABILIDADE COMO ELEMENTO INTEGRANTE DO CONCEITO DE
CRIME
12.1.1 As teorias da culpabilidade
A) Teoria psicológica da culpabilidade
A Teoria Psicológica da Culpabilidade, como primeiro passo rumo à responsabilida-
de penal subjetiva, surge na segunda metade do século XIX, com base na estrutura causa-
lista de ação ou causalismo natural, desenvolvido por Von Liszt e E. Beling. Esta estrutura,
que definia a ação como “movimento corporal voluntário que provoque modificação no
mundo exterior”, considerava a culpabilidade como simples liame psicológico existente
entre o autor e o fato por ele praticado.

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