O direito fundamental ao trabalho digno como baliza hermenêutica dos direitos do trabalhador terceirizado

AutorHelder Santos Amorim
Ocupação do AutorDoutorando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB)
Páginas248-268
CAPÍTULO 16
(1) Doutorando em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC
Rio). Procurador Regional do Trabalho lotado na Procuradoria Regional do Trabalho da 3ª Região– Minas Gerais. Atuou como Membro Auxi-
liar do Procurador-Geral da República em matéria trabalhista no Supremo Tribunal Federal (2016-2018). Foi Diretor Pedagógico da Escola da
Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho– ANPT (2018-2020). Pesquisador integrante do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição
e Cidadania (UnB/CNPq).
(2) DELGADO, Gabriela Neves; AMORIM, Helder Santos. Os Limites Constitucionais da Terceirização. São Paulo: LTr, 2014. A respeito da terceirização
como “regime paralelo de emprego rarefeito”, ver Capítulo IV, item 6, p.105/111.
O Direito Fundamental ao Trabalho Digno como Baliza
Hermenêutica dos Direitos do Trabalhador Terceirizado
HELDER SANTOS AMORIM
(1)
Resumo: O presente artigo busca analisar as alterações inseridas pela reforma trabalhista (Lei n.13.467/2017) e pela jurisprudência
recente do Supremo Tribunal Federal (ADPF 324/DF e do RE 958.252/MG) no disciplinamento da terceirização na iniciativa privada,
identificando objetivamente os direitos atribuídos ao trabalhador terceirizado pela legislação ordinária e propondo uma interpre-
tação expansiva desses direitos a partir da baliza hermenêutica do direito fundamental ao trabalho digno, com a demonstração
final de algumas aplicações práticas dessa interpretação.
Palavras-chave: Terceirização. Trabalho. Constituição. Dignidade da pessoa humana. Direitos fundamentais. Direitos humanos.
Direito fundamental ao trabalho digno. Interpretação constitucional.
Abstract: This article seeks to analyze the changes introduced by the labor reform (Law n.13.467/2017) and the recent jurispru-
dence of the Supremo Tribunal Federal (ADPF 324/DF and RE 958.252/MG) in the discipline of outsourcing in private initiative, ob-
jectively identifying rights attributed to the outsourced worker by ordinary legislation and proposing an expansive interpretation
of these rights from the hermeneutic framework of the fundamental right to decent work, with the final demonstration of some
practical applications of this interpretation.
Keywords: Outsourcing. Work. Constitution. Human dignity. Fundamental rights. Human rights. Fundamental right to decent
work. Constitutional interpretation.
1. INTRODUÇÃO
Os anos de 2017 e 2018 ficarão marcados como aque-
les em que se implementaram as mais radicais transfor-
mações da regulação do trabalho no Brasil, no último
século, fenômeno marcado pela reforma trabalhista (Lei
n.13.467/2017) e, no seu bojo, pela autorização legal da
terceirização de serviços interempresariais em quaisquer
ramos e atividades. Rompendo as últimas barreiras jurí-
dicas de proteção ao emprego direto, socialmente inte-
grativo e minimamente estável, a terceirização irrestrita
e seu regime paralelo de emprego rarefeito(2) alçaram
foro de regime oficial ultraflexível de trabalho no país,
sob o auspício da jurisprudência do STF.
Em 2017, as Leis ns. 13.429/2017 e 13.467/2017 au-
torizaram o uso da terceirização em quaisquer ramos
e atividades empresariais, superando a jurisprudência
trintenária da Súmula n.331 do Tribunal Superior do
Trabalho (TST), que limitava a prática às atividades de
apoio administrativo. No ano seguinte, em 2018, o Su-
premo Tribunal Federal (STF), julgando procedente a
ADPF 324/DF e dando provimento ao RE 958.252/MG,
declarou inconstitucional a limitação jurisprudencial à
terceirização no período anterior à legislação.
O Direito Fundamental ao Trabalho Digno como Baliza Hermenêutica dos Direitos do Trabalhador Terceirizado
Capítulo 16
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Sem questionar o efeito vinculante e irrecusável
dessas decisões, o presente artigo confrontará critica-
mente o arsenal argumentativo de suas fundamenta-
ções, baseadas em tipos ideais da economia política
liberal, para demonstrar a ausência de enfrentamento
dos efeitos reais deletérios da subcontratação de ser-
viços sobre a proteção jurídica do emprego, como a re-
dução salarial, a redução de investimento em medidas
de saúde e segurança, a maior inadimplência trabalhis-
ta e o enfraquecimento de direitos negociais, confor-
me vasta pesquisa sociológica comprometida com a
dimensão humana do trabalho.
Com olhos voltados para essas repercussões, ainda
à luz de uma primeira leitura da legislação, serão anali-
sadas as condições básicas em que se reputa legítima a
prática da terceirização, e será perquirido em que medi-
da aqueles efeitos deletérios da terceirização podem ser
amenizados com uma interpretação balizada pelo direi-
to fundamental ao trabalho digno, enquanto catego-
ria de Direitos Humanos ancorada na fórmula do Estado
Democrático de Direito, voltada a garantir um pata-
mar mínimo de proteção à dignidade do trabalhador.
O direito fundamental ao trabalho digno, cons-
trução-síntese de valores humanos e democráticos,
norteará o desenvolvimento da pesquisa como eixo
axiológico central e baliza hermenêutica indispensável
à interpretação ampliativa dos direitos indisponíveis
dos trabalhadores terceirizados, figurando como bar-
reira humanística intransponível de proteção contra a
degradação e reificação de seu trabalho.
Nessa trilha, será desenvolvida reflexão sobre os
desafios da promoção do patamar mínimo civilizatório
de direitos no âmbito das relações de trabalho tercei-
rizado, culminando numa proposta de interpretação
ampliativa de direitos, em que o direito fundamental
ao trabalho digno opera como norma-princípio, um
mandato de otimização que demanda a implementa-
ção de suas finalidades na maior medida possível. Re-
conhecendo a contradição intrínseca entre a terceiriza-
ção, enquanto técnica econômica de superexploração
do trabalho, e o ideal humanitário de máxima proteção
jurídica e social do trabalhador, que reside na gênese
do direito fundamental, a pesquisa buscará na propor-
cionalidade o caminho constitucional por excelência
para solução de conflitos axiológicos dessa natureza.
Com esses elementos hermenêuticos, serão pro-
postas algumas aplicações concretas do direito fun-
(3) DELGADO, Gabriela Neves; AMORIM, Helder Santos. Os Limites Constitucionais da Terceirização. São Paulo: LTr, 2014. A respeito da terceirização
como “regime paralelo de emprego rarefeito”, ver Capítulo IV, item 6, p.67.
(4) No acórdão do RE 958.252/MG, a Súmula n.636 é superada ao argumento de que, no caso específico, a violação à Constituição era direta e não
oblíqua. Afastou-se ainda a aplicação da Súmula n.282 da Corte, que exige o prequestionamento da questão constitucional, ao argumento
damental ao trabalho digno nas relações de trabalho
terceirizado, como aquela que preserva o direito à iso-
nomia salarial entre empregados diretos e terceirizados
que exerçam idêntica função, bem como, a que promo-
ve a expansão da responsabilidade solidária e subsi-
diária da empresa tomadora de serviço nas hipóteses
legais relacionadas à proteção da saúde e segurança do
trabalhador, além de uma interpretação que garante o
exercício legítimo da contratação de serviços contra as
tentativas de intermediação ilícita de mão de obra.
2. A AMPLA AUTORIZAÇÃO PARA PRÁTICA
DA TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS EM
QUAISQUER ATIVIDADES EMPRESARIAIS: A
LEI N. 13.467/2017 E A JURISPRUDÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ADPF 324/
DF E NO RE 958.252/M G
Conforme descrito no Capítulo IV, item 1, do livro Os
Limites Constitucionais da Terceirização, escrito em par-
ceria com Gabriela Neves Delgado (LTr, 2014), no curso
de quase três décadas de vigência da jurisprudência do
TST, consubstanciada, primeiro, no Enunciado n.256
(1986), depois substituída pela Súmula n.331 (1993),
que negou validade à terceirização praticada nas ati-
vidades finalísticas das empresas, incontáveis foram as
naturais tentativas dos setores empresariais de obter a
flexibilização desse entendimento perante o STF, por
meio de recursos extraordinários fundados em viola-
ção à liberdade de contratar, com arrimo no art.5º, II,
Nesse longo período, o STF recusou-se a receber re-
curso sobre a matéria, por entender incabível recurso
extraordinário por contrariedade ao princípio constitu-
cional da legalidade “quando a sua verificação pressu-
ponha rever a interpretação dada a normas infraconsti-
tucionais pela decisão recorrida”, noção hoje cristalizada
na Súmula n.636 da Corte.
Em junho de 2014, sem que houvesse ocorrido alte-
ração na Súmula n.636, a Primeira Turma do STF rece-
beu a julgamento o Recurso Extraordinário RE 713.211/
MG, Relator Ministro Luiz Fux, interposto pela multina-
cional Cenibra com base no art.5º, II, da Constituição, e
se dispôs a apreciar a constitucionalidade da jurispru-
dência da Justiça do Trabalho que negava reconheci-
mento à validade da terceirização em atividade-fim,(4)
ao fundamento de possível violação à liberdade de

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