Trabalho vivaz, (des)aprendizagem profissional e interface sistêmica com a dignidade humana no mundo do trabalho

AutorChristiana D'arc Damasceno Oliveira
Ocupação do AutorJuíza do Trabalho no TRT da 14ª Região. Titular da Vara do Trabalho de Plácido de Castro, Estado do Acre
Páginas158-182
CAPÍTULO 10
(1) Juíza do Trabalho no TRT da 14ª Região. Titular da Vara do Trabalho de Plácido de Castro, Estado do Acre. Doutora em Direito, pela Universi-
dade Católica de Santa Fé, vinculada ao Vaticano. Master em Teoria Crítica dos Direitos Humanos, pela Universidade Pablo de Olavide, Sevilha
(Espanha). Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC-MG. Especialista em Direito Processual igualmente pela
PUC-MG. Ex-Auditora Fiscal do Trabalho no Rio Grande do Sul. Membro Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Trabalho, Constituição e Cidada-
nia (UnB/CNPq). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior, Seção brasileira da Société Internationale de Droit du Travail et
de la Sécurité Sociale. Membro da Comissão Examinadora do 1º Concurso Nacional para Ingresso na Magistratura do Trabalho, TST e ENAMAT,
2017. Membro da Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista, Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), 2014-2016.
Parecerista da Revista do TRT da 3ª Região (Minas Gerais). Diretora da Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 14ª Região (ESMATRA 14),
2013/2015. Membro da Comissão Regional de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem, TRT da 14ª Região, 2019/2021.
Autora de (O) Direito do Trabalho Contemporâneo: efetividade dos direitos fundamentais e dignidade da pessoa humana no mundo do traba-
lho (LTr Editora); Direito do Trabalho em movimento: Novos direitos e diversificação de tutelas, v.1 (Org.) (LTr Editora), e de diversos artigos em
publicações jurídicas especializadas.
(2) Reportando-se ao multifacetado fenômeno de alterações tecnológicas de rápido desenvolvimento e de grande relevo, o Fórum Econômico
Mundial utilizou a expressão 4ª Revolução Industrial para fazer menção ao trabalho do conhecimento automatizado, Big Data, internet das
coisas (dispositivos inteligentes), robótica, telecomunicações e informação, entre outros temas.
Trabalho Vivaz, (Des)Aprendizagem Profissional e Interface
Sistêmica com a Dignidade Humana no Mundo do Trabalho
CHRISTIANA D’ARC DAMASCENO OLIVEIRA
(1)
Resumo: O artigo aborda o contrato especial de emprego relativo à aprendizagem profissional, no Brasil, em suas inter-relações
atuais com a Revolução 4.0. O tema é examinado sob a perspectiva do Direito Internacional do Trabalho, do Direito Constitucional
do Trabalho e da legislação ordinária, em diálogo minudente com a seara do combate ao trabalho infantil. São apontadas vias
de otimização de incidência da aprendizagem profissional no século XXI, ao tempo em que, de modo consentâneo com a teoria
contemporânea dos direitos fundamentais, resulta articulada a noção de trabalho vivaz e estabelecida perscruta acerca do direito
fundamental ao trabalho digno, em sintonia com o Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Contrato de aprendizagem. Direito do Trabalho. Trabalho digno. Trabalho vivaz. Dignidade humana.
Abstract: The article analyzes the special employment contract related to professional learning, in Brazil, in its current interrela-
tions with Industry 4.0. The subject is examined from the perspective of International Labor Law, Constitutional Labor Law and
ordinary legislation, in close dialogue with the field of combating child labour. Pathways to optimizing the incidence of profession-
al learning in the 21st century are pointed out, while, in line with the contemporary theory of fundamental rights, the notion of
lively work is articulated, and estabished work from the fundamental right to decent work, according the Democratic Rule of Law.
Keywords: Contract of learning. Labor law. Decent Work. Lively work. Human dignity.
1. INTRODUÇÃO
A luz neon das novidades brilha cintilante tendo
como âmago os direitos (ou a supressão correlata)
quanto aos adolescentes e jovens no mundo do tra-
balho. Fogos de artifício comemorativos? Fogueiras de
irresignação? Que cores surgem?
Em cenário de incessantes mudanças macroeco-
nômicas e normativas, na denominada 4ª Revolução
Industrial(2) (muitos já se referem ao início da Quinta
Revolução), avulta ainda mais premente a atenção para
os referidos fenômenos envolvendo a adolescência e
a juventude no limiar laborativo, assim como para o
eventual impacto dos acontecimentos em tela no ins-
Trabalho Vivaz, (Des)Aprendizagem Profissional e Interface Sistêmica com a Dignidade Humana no Mundo do Trabalho
Capítulo 10
159
tituto da aprendizagem profissional, instrumento que,
no Brasil, ainda se revela relativamente pouco mane-
jado e conhecido por larga parcela da sociedade, de
modo efetivo.
de novembro de 2019, que promoveu a modificação da
ne a dezenas de pontos, ao tempo em que inseriu no
ordenamento jurídico a modalidade do denominado
“Contrato de Trabalho Verde e Amarelo”, e que se volta
para jovens de 18 a 29 anos de idade, já há corrente
que sustenta estarem se tornando obsoletas, em ter-
mos concretos e em alguma medida, ao menos no que
tange ao recorte de público de 18 a 24 anos, as dispo-
sições normativas até então previstas pelo instituto da
aprendizagem profissional.
Perceba-se que, apesar de ter sido recentemente re-
2020, em virtude do impasse entre o Executivo e o Sena-
do no que tange à respectiva aprovação naquela Casa, à
vista dos inúmeros pontos controversos no bojo da nor-
ma, há manutenção dos efeitos das relações jurídicas
pactuadas no período de vigência da MP n. 905/2019.
Não bastasse, houve expressa menção pelo Gover-
no Federal quando do imbróglio em tela no sentido de
que deverá ser editar outra medida provisória com fixa-
ção de parâmetros semelhantes aos da MP n. 905/2019,
não se podendo ainda desconsiderar a edição de even-
tual decreto legislativo no particular.
Reforçam os argumentos não otimistas os diversos
projetos de lei que pretendem alterar o instituto da
aprendizagem profissional em sentido supressivo, ao
lado de outras tramitações em semelhante seara que
objetivam diminuir a idade para ingresso no mercado
de trabalho no Brasil.
Nesse quadrante, é possível reputar que prepon-
derará a bioluminescência atribuível à aprendizagem
profissional tal qual a de vaga-lume, seja ele o da es-
(3) FLORES, Joaquín Herrera. La reinvención de los derechos humanos. Sevilla: Atrapasueños, 2008. p.154. Originalmente, a expressão foi utilizada
em relação ao trabalho de migrantes.
(4) OIT; OCDE; OIM; UNICEF. Erradicar el trabajo infantil, el trabajo forzoso y la trata de personas en las cadenas mundiales de suministro. Genebra:
OIT, 2019. Disponível em: es/WCMS_716932/lang--es/index.htm>. Acesso em: 16 nov. 2019.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) constatou, em estudo denominado “Perfil dos principais atores envolvidos no Trabalho Escravo
Rural no Brasil”, após entrevistas efetivadas com 121 trabalhadores libertados de 10 fazendas nos Estados do Mato Grosso, Pará, Goiás e Bahia,
no período de outubro de 2006 a julho de 2007, que:
A escravidão contemporânea no país é precedida pelo trabalho infantil. Praticamente todos os entrevistados na pesquisa de campo (92,6%)
iniciaram sua vida profissional antes dos 16 anos. A idade média em que começaram a trabalhar é de 11,4 anos, sendo que aproximadamente
40% iniciaram antes desta idade. Na maioria dos casos (69,4%), tratava-se de trabalho infantil realizado no âmbito familiar. No entanto, os
demais já trabalhavam para um empregador, juntamente com a família (10%) ou diretamente para um patrão (20,6%)”. (grifou-se) Organiza-
ção Internacional do Trabalho. Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil. Brasília: OIT, 2011. p.81. Disponível em:
. Acesso em: 3 nov. 2019.
pécie de brilho constante ou d’outra de piscar intermi-
tente, para fins de inserção protegida e qualificada no
mercado de trabalho e fortalecimento da dignidade
humana? Ou é crível afirmar que está encapsulado o
mencionado instituto em lanterna de vidro, ao menos
sob o aspecto prático, cujo deslinde não é outro senão
o da asfixia progressiva?
A propósito, veja-se que o exame dos aspectos afe-
tos à aprendizagem profissional (e ao interligado tema
do combate ao trabalho infantil) emerge como medida
de natureza estratégica, transversal e multifacetada.
O trabalho precoce ilegal consiste em incisiva vio-
lação de direitos humanos e de direitos fundamentais,
revelando-se como causa e consequência retroalimen-
tadas de vulnerabilidade socioeconômica.
Além do caráter pluridimensional da pobreza, o tra-
balho infantojuvenil tem como propulsores a cultura
em algumas regiões que o enxergam com naturalida-
de, o interesse patronal na redução de custos com mão
de obra (ante o despojamento de direitos) e a falta de
acesso à educação, entre outros aspectos.
Trata-se de uma perda de oportunidades e desi-
gualdade que se efetiva, para utilizar a feliz expressão
de Joaquín Herrera Flores, “tanto no ponto de partida
como no percurso vital”(3), provocando reflexos que se
espraiam para além do indivíduo, ocasionando tensão
e perda de potencialidades no meio social.
Estudos apontam o elo visceral entre o trabalho in-
fantil e as condições que geram intercurso, tanto à épo-
ca de sua ocorrência como já em outras fases da vida do
sujeito trabalhador, com os riscos de maior exposição
à submissão ao trabalho em condições análogas às de
escravo, ao tráfico de pessoas, à precarização laboral
em geral, flexibilização deletéria, subemprego, discri-
minação etc. Ou seja: as aludidas situações incidem de
forma mais pujante quanto a trabalhadores que, em
fase primeva da vida, estiveram sujeitos ao trabalho
precoce ilegal(4).

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT