Terceirização no setor de teleatendimento: a regulação social do trabalho e os desafios à concretização do direito fundamental ao trabalho digno

AutorRenata Queiroz Dutra
Ocupação do AutorDoutora e Mestra em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Professora Adjunta da Faculdade de Direito da UnB
Páginas230-247
CAPÍTULO 15
(1) Doutora e Mestra em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB). Professora Adjunta da Faculdade de Direito da UnB.
Pesquisadora integrante dos Grupos de Pesquisa Transformações do Trabalho, Democracia e Proteção Social (UFBA/CNPq); Trabalho, Preca-
rização e Resistência (UFBA/CNPq) e Trabalho, Constituição e Cidadania (UnB/CNPq).
(2) As ideias contidas nesse artigo são resultado da tese de doutorado defendida perante o Programa de Pós-Graduação em Direito da Universi-
dade de Brasília, em 2017, sob a orientação da Profa. Dra. Gabriela Neves Delgado, e posteriormente convertida na obra “Trabalho, regulação
e cidadania: a dialética da regulação social do trabalho”, publicada pela Editora LTr em 2018.
Terceirização no Setor de Teleatendimento:
A Regulação Social do Trabalho e os Desafios à
Concretização do Direito Fundamental ao Trabalho Digno
RENATA QUEIROZ DUTRA
(1)
Resumo: A proposta desse artigo é pensar os cruzamentos existentes entre os diversos indicadores de precarização social do
trabalho que incidem no setor de teleatendimento e o caráter marcadamente terceirizado dessa atividade no país, a partir de
pesquisa empírica. Para além dessa associação factual, almeja-se pensar em que medida a terceirização compromete a possibi-
lidade de uma regulação social do trabalho amparada nos marcos constitucionais– e, por consequência, no marco do direito
fundamental ao trabalho digno– quando revelam-se, sob seu bojo, a diminuição da eficácia da atuação das instituições públicas
de regulação do trabalho, a fragilização da ação sindical e até mesmo a fragilização das dinâmicas de resistência dos trabalhadores
no espaço-tempo do trabalho, ao deslocar tais sujeitos para uma condição de subcidadania.
Palavras-chave: Terceirização. Precarização. Regulação Social do Trabalho. Cidadania. Trabalho Digno.
Abstract: The aim of this paper is to reflect on the intersections between the social precarization of work that acts on this sector
and the outsourced character of the activity of the call center in the country, based on empirical research. Beyond this factual
association, we aim to discuss how outsourcing compromises the possibility of a social regulation of work supported by the cons-
titutional marks– and, as a consequence, by the fundamental laws of decent work– when it reveals, in its core, the decreasing of
the efficacy of the public institutions of regulation of work, the frailty of the union’s actions and even by the frailty of the dynamics
of resistance of the workers in their space of work, while dislocating workers to a condition of sub citizenship.
Keywords: Outsourcing. Precarization. Social Regulation of Labor. Citizenship. Decent Work.
1. INTRODUÇÃO2
A proposta desse artigo é pensar a relação entre
a terceirização e o comprometimento do direito fun-
damental ao trabalho digno, a partir de investigação
realizada entre trabalhadores terceirizados do setor de
teleatendimento da região metropolitana de Salvador
entre 2007 e 2017.
Considerando a característica do trabalho no setor
de teleatendimento, cuja forma de contratação tem
sido majoritariamente terceirizada, desde a dissemina-
ção dessa atividade no Brasil, na década de 1990, até
sua expansão para o norte e nordeste brasileiros, na úl-
tima década, imperioso se faz pensar os cruzamentos
existentes entre os diversos indicadores de precariza-
ção social do trabalho que incidem nesse setor e o ca-
ráter marcadamente terceirizado da contratação dessa
atividade no país.
Para além dessa associação factual, a proposta é
pensar em que medida a terceirização compromete a
Terceirização no Setor de Teleatendimento
Capítulo 15
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possibilidade de uma regulação social do trabalho am-
parada nos marcos constitucionais– e, por consequên-
cia, no marco do direito fundamental ao trabalho dig-
no(3)– quando revelam-se, sob seu bojo, a diminuição
da eficácia da atuação das instituições públicas de re-
gulação do trabalho, a fragilização da ação sindical e até
mesmo a fragilização das dinâmicas de resistência dos
trabalhadores no espaço-tempo do trabalho, ao deslo-
car tais sujeitos para uma condição de subcidadania.
Nesse sentido, as conclusões apontam para a re-
flexão quanto à proximidade entre o gozo do direito
fundamental ao trabalho digno e a plenitude da ex-
periência de cidadania, na concepção ampliada que a
Constituição de 1988 emprestou a esse conceito e com
suas marcantes implicações no fenômeno da regulação
democrática do trabalho.
Para o enfrentamento das reflexões ora propostas
foi realizado estudo de caso da regulação do trabalho
em call centers na região metropolitana de Salvador, a
partir da análise das condições de trabalho enfrentadas
no setor, das principais manifestações da atuação das
instituições de regulação pública e das ações dos tra-
balhadores, individual e coletivamente considerados,
de forma institucionalizada nos sindicatos e para além
deles. Esse estudo de caso perpassou ampla análise
documental (sobretudo de documentos públicos aces-
sados via Lei de Acesso à Informação), entrevistas com
trabalhadores e dirigentes sindicais, pesquisa de dados
disponíveis sobre empresas e instituições na rede mun-
dial de computadores(4).
O caminho percorrido nesse artigo passa por um
breve mapeamento dos indicadores de precarização
do trabalho na realidade do trabalho terceirizado em
teleatendimento na região metropolitana de Salvador,
seguido de um mapeamento das fragilidades da regu-
lação pública e da atuação sindical, para, em seguida,
apresentarem-se observações sobre as dinâmicas de
resistência e exercício da cidadania no processo de
regulação social do trabalho nessa realidade. Por fim,
serão formuladas reflexões críticas sobre esse tenso
cruzamento entre regulação do trabalho, cidadania e o
direito fundamental ao trabalho digno.
(3) DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2015.
(4) Maior detalhamento da metodologia empregada na pesquisa pode ser consultado na versão digital da tese de doutorado da autora, dispo-
nível no sítio virtual da Biblioteca Central da Universidade de Brasília: DUTRA, Renata Queiroz. Trabalho, regulação e cidadania: a dialética da
regulação social do trabalho em call centers na região metropolitana de Salvador. Tese defendida perante o Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade de Brasília. Brasília, novembro de 2017. p.388.
(5) DRUCK, Graça. Trabalho, precarização e resistências: novos e velhos desafios? Cadernos CRH, Salvador, vol. 24, n.spe 01, p.37-57, 2011.
(6) FILGUEIRAS, Vitor. Estado e direito do trabalho no Brasil: regulação do emprego entre 1988 e 2008. (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas da UFBA. Orientadora: Graça Druck. 2012.
(7) DRUCK, Graça. Trabalho, Precarização e resistências. Caderno CRH. Salvador: EDUFBA, v.24, p.35-54, 2011.
2. O TRABALHO NO SETOR DE
TELEATENDIMENTO NA REGIÃO
METROPOLITANA DE SALVADOR:
INDICADORES DE PRECARIZAÇÃO
Por precarização social do trabalho, entende-se, nas
palavras de Graça Druck, o fenômeno “em que se insta-
la– econômica, social e politicamente– uma institucio-
nalização da flexibilização e da precarização moderna
do trabalho, que renova e reconfigura a precarização
histórica e estrutural do trabalho”. Para a autora, o con-
teúdo da precarização seria a condição de instabilidade,
insegurança, de adaptabilidade, de fragmentação dos
coletivos de trabalhadores e da destituição do sentido
social do trabalho. O fenômeno, portanto, residiria para
além da fragilidade das novas formas de contratação e
inserção, espraiando seus efeitos por toda a relação so-
cial de trabalho e pela vida dos trabalhadores(5). Assim,
a precarização consistiria em um processo de mudan-
ça de uma dada situação dos trabalhadores para outra
condição menos favorável, como mais vulnerável, pe-
nosa, perigosa, instável, insegura etc., observando-se
um determinado período de análise(6).
Nessa chave, a precarização dos postos de trabalho
formais pode ser mensurada por uma série de indica-
dores, que consideram elementos como a condição
salarial, a segurança dos postos de trabalho, a qualifica-
ção oferecida, a intensidade do trabalho, a saúde e se-
gurança dos trabalhadores, as perspectivas de afirma-
ção identitária e de inserção em coletivos, bem como a
terceirização(7).
Para identificação desses elementos no contexto
do teleatendimento em Salvador, oito elementos cen-
trais foram destacados a partir das entrevistas realiza-
das com trabalhadores e dirigentes sindicais em Salva-
dor entre 2016 e 2017: 1) a contratação terceirizada; 2) a
forma de remuneração; 3) a intensidade e o rigor quan-
to à jornada de trabalho (faltas, horário e pausas); 4) a
excessiva cobrança de metas; 5) a disciplina e o exer-
cício do poder punitivo do empregador no ambiente
de trabalho; 6) o adoecimento laboral e o tratamento
dispensado aos adoecidos; 7) a rotatividade e as formas

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