Dos médicos com e sem vínculo de subordinação e a legitimidade passiva solidária do nosocômio

AutorDaniela Courtes Lutzky
Ocupação do AutorPossui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1997)
Páginas125-146
DOS MÉDICOS COM E SEM VÍNCULO DE
SUBORDINAÇÃO E A LEGITIMIDADE PASSIVA
SOLIDÁRIA DO NOSOCÔMIO
Daniela Courtes Lutzky
Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (1997), especialização em Direito Empresarial pela PUC/RS, mestrado em Pro-
cesso Civil pela PUC/RS (2003), é doutora em Direito pela PUC/RS e está em estágio
pós-doutoral pela UCS/Università di Padova. É advogada, professora da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, além de professora em cursos preparató-
rios para concursos e cursos de pós-graduação. Atua com ênfase em responsabilidade
civil médica e hospitalar.
Sumário: 1. Introdução – 2. Da responsabilidade subjetiva dos facultativos e objetiva dos
nosocômios – 3. Dos médicos empregados/prepostos, dos que apenas compõem o corpo
clínico e a análise da legitimidade do nosocômio – 4. Considerações nais – 5. Referências
1. INTRODUÇÃO
A escolha do tema é decorrente de um longo convívio com a classe médica e da cons-
tatação de que médicos e hospitais, como de resto toda a coletividade brasileira, vivem
em clima de instabilidade constante devido a problemas sociais, políticos e econômicos
que são a tônica em países em desenvolvimento.
É óbvio que, no campo da medicina, onde se trabalha com a saúde e, portanto, com
o bem mais precioso que é a vida, os cuidados devem ser redobrados para que não se
deixe impune o infrator, sendo, também, preciso ter cautela para não punir o inocente.
A ressalva acima se faz necessária, pois em diversas situações, muito embora o
prof‌issional tenha utilizado todos os meios adequados e disponíveis para a obtenção de
um resultado satisfatório, o mesmo não se verif‌ica porque diagnóstico e tratamento são
procedimentos complexos, que dependem não só dos conhecimentos técnico-científ‌icos
como, também, do organismo do paciente, do modo como ele seguirá as instruções mé-
dicas e de uma série de fatores externos à relação médico-paciente; assim, o dano sofrido
nem sempre poderá ser atribuído ao médico, muito menos ao hospital que os acolheu.
Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) o conceito de saúde não implica
apenas ausência de doença, ele é muito mais amplo, signif‌icando um completo bem-es-
tar físico, mental e social, o que dif‌iculta, sobremaneira, o alcance do sucesso tanto do
médico quanto do nosocômio.
Assim, mister analisar a responsabilidade do hospital diante de dano cometido por
médico que compõe o corpo clínico, tanto o fechado quanto o aberto, para que se possa
ref‌letir se realmente cabe ao nosocômio responder por erro de alguém que não esteja a
ele subordinado, mas que faça uso das instalações.
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DANIELA COURTES LUTZKY
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Para que se possa chegar às conclusões que se espera necessário passar pela res-
ponsabilidade subjetiva dos médicos e objetiva dos hospitais, para entender quando e
porque razões deverá, ou não, ser a instituição de saúde demandada solidariamente com
o facultativo.
2. DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DOS FACULTATIVOS E OBJETIVA DOS
NOSOCÔMIOS
Para se chegar até a legitimidade, ou não, dos hospitais, diante de danos causados
por médicos que atuam dentro das suas instalações, necessário trazer à baila, ainda
que sucintamente, a importância da responsabilidade subjetiva a que se submetem os
prof‌issionais da medicina, bem como o diferencial da responsabilidade objetiva1 para as
instituições de saúde, cenário da atividade dos facultativos.
Há dois aspectos a serem analisados pelo autor da demanda: a prestação do serviço
intuitu personae, direta e pessoalmente realizada pelo médico enquanto prof‌issional li-
beral; e a prestação do serviço de forma empresarial, com o hospital em que foi realizado
o procedimento, internação, cirurgia ou af‌ins.2
Quanto ao primeiro aspecto, “Por prof‌issional liberal há que se entender o prestador
de serviço solitário, que faz do seu conhecimento uma ferramenta de sobrevivência3, abran-
gendo tão somente a responsabilidade pessoal deste, sem se estender à pessoa jurídica
para a qual trabalhe.4
O profissional liberal da saúde, conforme já mencionado, responde mediante
culpa; isto é, enquadra-se na responsabilidade subjetiva prevista no parágrafo 4º,
caput, do Código Civil5, sendo que culpa é “o desvio do modelo ideal de conduta,
1. Segundo Bruno Miragem a responsabilidade das instituições hospitalares é objetiva, independente, portanto, do
elemento culpa. Todavia, em se tratando de clínicas e hospitais particulares, prestadores de serviço no mercado de
consumo mediante remuneração é aplicável o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Salienta, o autor, no
entanto, que nos casos de hospitais públicos, a responsabilidade f‌ica condicionada ao regime de responsabilidade
próprio da Administração Pública, nos termos do artigo 37, § 6º da Constituição Federal. MIRAGEM, Bruno
Barbosa. Direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 613.
2. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 403.
3. BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do con-
sumidor. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 199.
4. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p 404.
5. “Muito embora seja necessário tomar conhecimento da existência de críticas ao modelo de cláusulas gerais, é
também forçoso reconhecer que a opção do legislador de 2002 foi de fazer uso generoso de cláusulas gerais,
principalmente no concerne à matéria da responsabilidade civil, e isso representa grande vantagem ao Ordena-
mento brasileiro, porque esse sistema poderá acompanhar a evolução da realidade social, podendo ser mudada
a interpretação dos dispositivos legislativos conforme a evolução da sociedade. [...] A legislação atual instituiu
quatro novos paradigmas disciplinados nos arts. 186, 187, 927, parágrafo único, e 931, que são equivalentes por
estarem estruturados sob a forma de cláusulas gerais, mas que têm âmbitos de incidência distintos. Em virtude
disso, o sistema das ilicitudes do Código Civil de 2002 é composto por cláusulas gerais, que podem ser separadas
em regimes tradicionais de ilicitude, nos quais estão a ilicitude pela violação de um direito e pelo abuso do direito,
e em novos regimes de ilicitude, fundados no risco, que deixaram de ser uma regra específ‌ica para ganhar o status
de regime geral. Houve o abandono do sistema de ilicitude que era consagrado no Código Civil de 1916, o qual
prestigiava a culpa como principal nexo de imputação da responsabilidade civil. Essa constatação é essencial para
compreenderem-se as regras gerais que autorizam a responsabilidade objetiva imputada pelo risco da atividade ou
pelo risco do empreendimento. A substituição do sistema da responsabilidade civil objetiva, fundada na casuís-
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