Responsabilidade civil da união pelos danos causados pela vacina contra a influenza - síndrome Guillain-Barré (SGB)

AutorJoyceane Bezerra de Menezes e Jamila Araújo Serpa
Ocupação do AutorDoutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004)/Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza ? UNIFOR. Advogada
Páginas323-345
RESPONSABILIDADE CIVIL DA UNIÃO
PELOS DANOS CAUSADOS PELA VACINA
CONTRA A INFLUENZA –
SÍNDROME GUILLAIN-BARRÉ (SGB)
Joyceane Bezerra de Menezes
Doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (2004). Pós-Doutora
em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2014). Mestre em Direito
pela Universidade Federal do Ceará (1995). Professora titular da Universidade de For-
taleza, vinculada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito (Mestrado/
Doutorado), na Disciplina Tutela da pessoa na sociedade das incertezas. Professora
adjunto da Universidade Federal do Ceará. Advogada. Editora da Pensar, Revista de
Ciências Jurídicas. E-mail: joyceane@unifor.br.
Jamila Araújo Serpa
Mestranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR.
Advogada.
Sumário: 1. Introdução – 2. Síndrome Guillain-Barré após a ministração da vacina contra
a Inuenza – 3. Risco administrativo e reparação de dano causado pela vacina contra a
Inuenza no Brasil: justicativas para a responsabilidade da União; 3.1. Plano nacional
de imunização, o controle administrativo sobre as vacinas no Brasil e a campanha pela
vacinação contra a Inuenza; 3.2. Agentes envolvidos na vacinação contra a inuenza e o
protagonismo da União; 3.3. SGB – EAPV como dano injusto e o merecimento de tutela – 4.
A resposta do STJ nos recursos especiais 1.514.775 – SE e 1.388.197 – PR – 5. Considerações
nais – 6. Referências
1. INTRODUÇÃO
A Síndrome de Guillain-Barré (SGB) é qualif‌icada como uma neuropatia periférica
incomum que causa paralisia e, em casos mais extremados, insuf‌iciência respiratória e
óbito. Em geral, manifesta uma doença gastrointestinal ou respiratória superior antece-
dente e, em casos raros, apresenta-se como sequela da vacina contra a inf‌luenza. Estudos
realizados nos Estados Unidos, a partir de 1976, já haviam mostrado a correlação entre a
vacinação contra o vírus da gripe A de origem suína (H1N1) e um aumento (estatistica-
mente signif‌icativo) do risco da SGB nos 42 dias após administração da vacina. A partir
de então, vários sistemas de vigilância federal passaram a ser mobilizados para garantir
segurança ao processo de imunização.
Em 2009, quando houve uma ameaça de pandemia decorrente dessa doença, o
Programa de Infecções Emergentes (EIP) do Centers for Disease Control and Prevention
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(CDC) dos Estados Unidos, iniciou uma vigilância ativa para avaliar o risco de SGB em
virtude da vacinação contra o H1N1. Os resultados preliminares dos estudos realizados
continuaram apontando uma conexão relevante entre a vacina da inf‌luenza A (H1N1) e
a SGB, com aumento do risco em 0,8 casos/1 milhão de vacinados.1
A despeito do risco estimado, as autoridades não recomendaram a suspensão da
vacinação, porque a medida imunizatória ainda constitui uma alternativa ef‌icaz para
prevenir as doenças graves resultantes do vírus H1N1. Mais graves são a inf‌luenza A e B
ou gripe suína, infecções graves que geraram uma taxa de hospitalização de 222 por 1
milhão e a uma taxa de mortalidade de 9,7 por 1 milhão de população.2 Em 2019, houve
2223 óbitos em virtude de complicações decorrentes da gripe suina. Vale o ditado: melhor
prevenir!
No Brasil, a vacina contra a tal gripe é listada pelo Programa Nacional de Imuniza-
ção, do Ministério da Saúde e enfaticamente recomendada pela União, para os grupos
populacionais de crianças entre seis meses e cinco anos, trabalhadores da área de saúde,
gestantes e puérperas, indígenas, idosos e professores.4 A campanha específ‌ica para a
vacina contra o vírus H1N1 alcançou em 2019, a vigésima primeira edição, mantendo
os mesmos grupos populacionais na listagem dos prioritários.5
Em cada um dos informes técnicos dessas vinte e uma edições, há a informação sobre
o risco mínimo de Síndrome Guillain-Barré entre os Eventos Adversos Pós-Vacinação
(EAPV). Porém, considerando o binômio risco e benefícios, as autoridades entenderam
por não suspender a campanha imunizatória que, a cada ano, benef‌icia um maior número
de pessoas. Por outro lado, ainda que os riscos de SGB como EAPV seja mínimo, não
poderá ser compreendido como mera externalidades ou um caso fortuito.
Se é certo que a vacinação é uma medida de especial relevância para o bem da saúde
coletiva e individual, também é certo que a sua administração em massa para esse f‌im
não justif‌icará como uma consequência ordinária, excepcional dano grave a pessoa
determinada. Sob a perspectiva de quem sofre o dano excepcional, há uma grave e insu-
portável injustiça que impõe o seu enfrentamento pelo instituto da responsabilidade civil.
Portanto, um EAPV previamente identif‌icado pelos estudos científ‌icos já realizados, não
será considerado mero caso fortuito pela doutrina da responsabilidade civil. Constitui
modalidade de dano injusto que deve ser objeto de reparação.
1. FERRANI, Maria Aparecida G.; RODRIGUES, Marcelo Masruha; SCATTOLIN, Mônica Ayres A; RESENDE, Maura
Helena F.; SANTOS, Isabel Cristina L. dos; IAZZETTI, Antônio Vladir. Síndrome de Guillain-Barré em associação
temporal com a vacina inf‌luenza A. Rev Paul Pediatria. 2011;29(4):685-8. Disponível em: < http://www.scielo.br/
pdf/rpp/v29n4/33.pdf>. Acesso em: 19 dez. 2019.
2. H1N1 e Inf‌luenza sazonal tem taxas de mortalidade similares. Disponível em:
noticias/geral,h1n1-e-inf‌luenza-sazonal-tem-taxas-de-mortalidade-similares,436110>. Acesso em: 19 dez. 2019.
3. Secretaria de Vigilância em Saúde. Inf‌luenza: monitoramento até a semana epidemiológica 21 de 2019. Informe nº
21, 03 jun. 2019. Disponível em:
f‌luenza-SE-21.pdf>. Acesso em: 19 dez. 2019.
4. Conforme noticiou a Campanha Nacional de Vacinação contra a Inf‌luenza – 19ª Campanha Nacional de Vacina-
ção contra a Inf‌luenza (2017). Disponível em:
Boletim-Informativo-Campanha-Inf‌luenza-2017.pdf>. Acesso em 12 dez. 2019.
5. Informe técnico. 21a Campanha Nacional de Vacinação contra a Inf‌luenza. Disponível em:
saude.gov.br/images/pdf/2019/fevereiro/28/Informe-Cp-Inf‌luenza-28-02-2019-f‌inal.pdf>. Acesso em: 12 dez.
2019.
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A teoria do risco administrativo impõe que a atividade estatal (lato sensu) não cause
danos ou risco de danos às pessoas. Na medida em que o exercício desta atividade resul-
tar em danos, emergirá o dever de indenizá-los pautado na responsabilidade objetiva,
exigindo-se apenas a prova do evento dano e do nexo de causalidade entre ele e a ação
ou omissão administrativa.
É certo que o processo de vacinação pode envolver outros atores que não apenas a
União, a exemplo do laboratório que fabrica a vacina e da clínica particular que a aplica,
já nem sempre a sua administração se dá pela rede pública. Mas é importante destacar o
protagonismo do Estado quanto ao controle técnico das vacinas pela Agência Nacional
de Vigilância Sanitária – ANVISA e quanto à inclusão da vacina no Programa Nacional
de Imunização (PNI), com a promoção de campanhas fortemente ativas para mobilizar
a população.
No Brasil, as vacinas são objeto da mesma disciplina jurídica atribuída aos remédios,
sofrendo ambos o mesmo tipo de f‌iscalização e controle pela ANVISA. Além disso, a
legislação é eloquente em af‌irmar que toda e qualquer vacina aplicada no país deve ser
dotada de inocuidade (Lei nº 6.360/76 e Decreto nº 79.094/77, este último revogado
A partir disso, o objeto do presente texto, é analisar a responsabilidade da União
pelo dano sofrido pela pessoa que desenvolve a Síndrome Guillain-Barré como EAPV.
Na construção da análise, avalia-se a aplicação do risco administrativo para justif‌icar a
responsabilidade civil da União, procurando identif‌icar e apontar os pressupostos da
relação jurídica reparacional em cotejo com as decisões proferidas pelo Superior Tribunal
de Justiça nos Recursos Especiais nº 1.514.775 – SE (2015/0026515-0) e nº 1.388.197
– PR (2013/0099928-9). Como proposta de desenvolvimento, inicia-se pelos estudos
científ‌icos que conectaram a vacina à ocorrência da SGB como um possível efeito colate-
ral; em seguida, abordam-se os contornos teóricos da teoria do risco administrativo e os
pressupostos da relação jurídica reparacional para, ao f‌im, analisar as soluções inscritas
naqueles recursos especiais.
2. SÍNDROME GUILLAIN-BARRÉ APÓS A MINISTRAÇÃO DA VACINA
CONTRA A INFLUENZA
Em 1976 publicaram-se os primeiros estudos associando a SGB como evento adverso
da vacina contra a gripe suína, ocasionada pelo vírus inf‌luenza A (H1N1).6 Quando a
doença ameaçava a saúde dos americanos, o Centro de Controle e Prevenção de Doen-
6. “Em setembro de 2011, a Organização Mundial de Saúde (OMS) padronizou o nome do vírus para “inf‌luenza
A(H1N1)pdm09”. Até agosto de 2010, mês no qual a OMS anunciou a transição do período pandêmico para o
pós-pandêmico, foram registrados casos conf‌irmados laboratorialmente em 214 países, com mais de 18.449 mortes
pela doença. No Brasil, em 2009, foram notif‌icados 88.464 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG),
dos quais 50.482 foram conf‌irmados como inf‌luenza A(H1N1)pdm09, com 2.060 óbitos. No Estado do Rio de
Janeiro, foram 5.293 casos de SRAG, com 2.777 casos conf‌irmados.” FELINTO, Gustavo Machado; ESCOSTEGUY,
Claudia Caminha; MEDRONHO, Roberto de Andrade. Fatores associados ao óbito dos casos graves de inf‌luenza
A(H1N1)pdm09. Cad. Saúde Coletiva, 2019, Rio de Janeiro, 27 (1): 11-19. Disponivel em: < http://www.scielo.br/
pdf/cadsc/v27n1/1414-462X-cadsc-1414-462X201900010433.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2019.
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ças – CDC, agência de vigilância epidemiológica dos Estados Unidos, por orientação
dos infectologistas então consultados, decidiu instituir uma campanha de vacinação
em massa, temendo que a gripe suína pudesse atingir cerca de 60 milhões de pessoas só
naquele país. Iniciada a campanha de vacinação em outubro de 1976, os efeitos danosos
logo se manifestaram, inclusive quanto às sequelas como a Síndrome de Guillain-Barré.7
Quarenta milhões de americanos, incluindo o presidente, receberam a vacina, e no
total cerca de quinhentas pessoas adoeceram, registrando-se um número de 25 mortes
como evento adverso pós-vacinação. A tentativa de cura matou mais que os efeitos da
doença que se pretendia evitar e a vacina foi suspensa nos Estados Unidos.8 Desde então, a
vacina contra a gripe tem sido objeto de aprimoramento pelos laboratórios e de um severo
monitoramento por parte do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), americano.
Em 2009, quando voltou a ameaça de pandemia mais uma vez, a agência americana
concluiu novos estudos mostrando que a vacina da inf‌luenza A (H1N1) de 2009 ainda
mantinha a possibilidade de apresentar a SGB como EAPV, na proporção de 0,8 casos/1
milhão de vacinados.9 Informou que os riscos identif‌icados poderiam ser comparados
aos que haviam sido descritos para a vacina da inf‌luenza sazonal (aproximadamente um
caso/1 milhão de vacinados), mas mesmo assim, os riscos de SGB como EAPV seriam
inferiores àqueles observados na campanha americana de 1976.10
A SGB é categorizada como uma neuropatia axonal aguda capaz de implicar em
diversas sequelas, podendo conf‌igurar um distúrbio heterogêneo com formas variantes,
a exemplo da Síndrome de Miller Fisher que é caracterizada por oftalmoplegia, ataxia e
arref‌lexia. Pode abranger um grupo de doenças do sistema nervoso periférico caracte-
rizadas pela distribuição de fraqueza nos membros que, não raro, levam a paraplegia ou
tetraplegia, senão à morte.11
Nos últimos vinte e um anos, o Brasil lançou campanhas nacionais de vacinação
contra a inf‌luenza, e o Ministério da Saúde publicou os correspondentes informes técni-
cos, nos quais se previa expressamente a SGB como um efeito possível após a ministração
da vacina.
7. EISEN, Damon P.; MCBRYDE, Emma S. Avoiding Guillan-Barre  Syndrome Following Swine Origin Pandemic
H1N1 2009 Inf‌luenza Vaccination. The Journal of Infectious Diseases (JID) 2009:200 (15 November) • 1627.
Disponível em: . Acesso em: 19 dez. 2019.
8. EUA viveram surto de gripe suína em 1976; vacina gerou mortes. Sociedade brasileira de clínica médica. Disponível
em: . Acesso em: 12
dez. 19.
9. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Preliminary results: surveillance for Guillain-Barre syndrome
after receipt of inf‌luenza A (H1N1) 2009 monovalent vaccine – United States, 2009-2010. MMWR Morb Mortal
Wkly Rep 2010;59:657-61. Disponível em: < https://www.cabdirect.org/cabdirect/abstract/20103180774 >. Acesso
em: 19 dez. 2019.
10. FERRARINI, Maria Aparecida G; SCATTOLIN, Mônica Ayres A; RODRIGUES, Marcelo Masruha; RESENDE,
Maura Helena F. ; SANTOS, Isabel Cristina L. dos; e, IAZZETTI, Antônio Vladir. Síndrome de Guillain-Barré em
associação temporal com a vacina inf‌luenza A. Rev Paul Pediatr 2011;29(4):685-8.
11. “Várias infecções têm sido associadas à Síndrome de Guillain Barré, sendo a infecção por Campylobacter, que causa
diarréia, a mais comum. Outras infecções encontradas na literatura cientif‌ica que podem desencadear essa doença
incluem Zika, dengue, chikungunya, citomegalovírus, vírus Epstein-Barr, sarampo, vírus de inf‌luenza A, Myco-
plasma pneumoniae, enterovirus D68, hepatite A, B, C, HIV, entre outros.” MINISTÉRIO DA SAÚDE. Síndrome
de Guillain Barré: causas, sintomas, tratamentos e prevenção. Disponível em: < http://saude.gov.br/saude-de-a-z/
guillain-barre>. Acesso em 13 dez. 2019.
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Consta no Informe Técnico 21ª da Campanha Nacional de Vacinação contra a
Inf‌luenza, que a SGB é um dos efeitos adversos, ainda que de rara manifestação. Em
geral, os sintomas são evidenciados entre os primeiros 21 dias ou no máximo, até seis
semana após a administração da vacina.12 Enquanto a estimativa da incidência de SGB
na população em geral é de 0,6 a 4 casos por 100.000 habitantes ao ano; entre aqueles
que tomaram a vacina, a incidência cai para 0,07 a 0,46 casos por 100.000 habitantes ao
ano. Repita-se que, embora a SGB seja muito grave, o risco de complicações decorrentes
da inf‌luenza é muito maior, compensando a sua prevenção pela vacina. Somente no ano
de 2019, morreram 222 pessoas de complicações derivadas da gripe inf‌luenza A.13
Alguns casos de SGB foram registrados no Brasil nos últimos anos, com a possibili-
dade de terem sido def‌lagrados em consequência da zica, da dengue ou da vacina contra
a inf‌luenza. No Rio de Janeiro, foram registrados 15 casos somente em janeiro de 2016,
motivando à Secretaria de Saúde do Estado inscrever a SGB no rol daquelas doenças de
notif‌icação compulsória.14
Dados da OMS mostram que os registros de SGB aumentou em 19%, no Brasil, do
ano de 2015 para 2016, quando o número de pacientes registrados com a neuropatia
totalizou 1.708, implicando em cerca de 5 casos identif‌icados por dia.
A se admitir a SGB como efeito adverso da vacina, a vítima de um tal prejuízo está em
face de um dano injusto que deve ser indenizado sob a ótica do merecimento de tutela.
A bem da saúde pública (interesse coletivo) e da saúde individual, há uma campanha
massiva para a vacinação e eventuais efeitos adversos não podem ser tratados como mera
externalidade ou caso fortuito.
Algumas decisões judiciais foram prolatadas em ações/recursos que disputa-
vam reparação de dano pelo desenvolvimento da neuropatia como EAPV. Exem-
plif‌icativamente, tem-se os autos de nº AP 0012009-03.2012.8.26.0445 – TJSP, AP
0037711-60.2012.8.26.0053 – TJSP, AP 3004059-06.2013.8.26.0428, AP 9132228-
05.2008.8.26.0000 – TJSP.
3. RISCO ADMINISTRATIVO E REPARAÇÃO DE DANO CAUSADO PELA
VACINA CONTRA A INFLUENZA NO BRASIL: JUSTIFICATIVAS PARA A
RESPONSABILIDADE DA UNIÃO
Seguindo as constituições anteriores, o art. 37, § 6º, da Constituição de 1988 ado-
tou o princípio da responsabilidade objetiva do Estado pelos danos que os seus agentes
causarem a terceiros. Por seu intermédio, a pessoa jurídica de direito público sempre res-
12. Informe técnico. 21a Campanha Nacional de Vacinação contra a Inf‌luenza. Disponível em:
saude.gov.br/images/pdf/2019/fevereiro/28/Informe-Cp-Inf‌luenza-28-02-2019-f‌inal.pdf>. Acesso em: 12 dez.
2019.
13. Segundo informou o Jornal A folha de São Paulo, em matéria intitulada “H1N1 causou a maioria das 222 mortes
por gripe em 2019”. Disponível em:
ria-das-222-mortes-por-gripe-em-2019.shtml>. Acesso em 02 dez. 2019.
14. Conforme notícia “Síndrome Guillam-Barré terá notif‌icação obrigatória no Rio. Disponível em:
estadao.com.br/noticias/geral,sindrome-de-guillain-barre-tera-notif‌icacao-compulsoria-no-rio,10000015235>
Acesso em 13 dez. 2019.
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ponderá pelos danos causados a terceiro, independentemente de culpa do agente, quando
houver nexo de causalidade entre a atividade da Administração e o prejuízo sofrido. Se
comprovada a culpa ou o dolo do agente, o Estado poderá exercer contra ele o direito de
regresso.15 A mesma responsabilidade objetiva se aplica às pessoas jurídicas de direito
privado que estiverem desenvolvendo um serviço público. Observa-se um alargamento
constitucional do conceito de agente público para os f‌ins da responsabilidade civil, sendo
este assim considerado como aquele que age em nome do Estado.
A Constituição Federal adotou a teoria do risco administrativo, segundo a qual o
dano derivado do funcionamento do serviço público é indenizável, independentemente
de haver sido causado por culpa ou dolo, pelo bom ou mau serviço. Basta a prova da
relação causal entre o dano sofrido e a ação do agente ou do órgão da administração para
que a reparação se torne exigível.
Debate mais acirrado envolve a responsabilidade pelos atos omissivos do Estado.
Autores como Celso Antônio Bandeira de Melo entende que a responsabilidade do Es-
tado pelo dano associado à conduta omissiva requer a demonstração da culpa ou dolo
do agente, consubstanciando-se como subjetiva.16 Sob sua ótica, se não houve a conduta
do Estado quando este deveria agir, houve uma ilicitude que, portanto, requer a prova
da culpa, para justif‌icar a reparação.
Na perspectiva de Sérgio Cavalieri, a responsabilidade do Estado por conduta
omissiva lesiva pode receber dois tratamentos distintos, conforme se trate de uma
omissão genérica ou omissão específ‌ica. Ocorrendo a omissão genérica, naquela
hipótese em que o Estado se omite em face de um dever legal geral, como o exercício
regular do poder de polícia ou de f‌iscalização, não se tem nessa inação, uma causa
direta e imediata do dano mas uma concorrência para sua ocorrência. Nessa medida,
sustenta que caberá à vítima provar que a falta do serviço concorreu para a perpetra-
ção do dano. Impende-lhe provar que “se houvesse uma conduta positiva praticada
pelo Poder Público o dano poderia não ter ocorrido”.17 Se, por outro lado, o dano tem
conexão com uma omissão específ‌ica do Estado, ou seja, aquela inação ante ao dever
legal de agir para impedir a situação lesiva específ‌ica, a responsabilidade civil pela
reparação passa a ser objetiva.18
15. Para evitar a demora na prestação jurisdicional em face do prejudicado, a doutrina e jurisprudência recente dis-
pensam a exigência de denunciação da lide para que o Estado possa, adiante, exercer o direito de regresso contra
o servidor que agiu com dolo ou culpa. Segundo Caio Mário, “Na esteira de tais considerações, a jurisprudência
mais recente, em sua maioria, rejeita a denunciação, considerando-a não obrigatória para o exercício do direito
de regresso pela Administração, “pois impõe ao autor manifesto prejuízo à celeridade na prestação jurisdicional”
(STJ, 1ª T., REsp 1.089.955, Rel.ª Min.ª Denise Arruda, julgado em 03.11.2009; STJ, 1ª T., AgRg no AREsp 729.071/
PE, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 18.08.2015; STJ, 2ª T., AgRg no REsp 1.404.362/DF, Rel. Min. Assusete
Magalhães, julgado em 04.12.2014).” PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Gustavo Tepedino
(Comentários). – 11ª ed. rev. atual. – Rio de Janeiro : Forense, 2016.
16. MELO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 15ª ed. Malheiros, 2014, p. 871-872.
17. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2016, p.299.
18. Dá-se a omissão específ‌ica, segundo Cavalieri, “quando o Estado estiver na condição de garante (ou guardião) e
por omissão sua cria situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para
impedi-lo; a omissão estatal se erige em causa adequada de não evitar o dano (...) pressupõe um dever especial
de agir do Estado, que, se assim não o faz, a omissão é a causa direta e imediata de não se impedir o resultado.”
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2016, p.299, p.198.
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RESPONSABILIDADE CIVIL DA UNIÃO PELOS DANOS CAUSADOS PELA VACINA CONTRA A INFLUENZA
Em 2005, o Informativo nº 391 do STF mostrava a aplicação da responsabilidade
subjetiva, na hipótese de omissão genérica do Estado. Porém, no ano de 2011 a matéria
volta à Corte por meio do Recurso Extraordinário nº 136861 e alcança o reconhecimento
de repercussão geral, cujo julgamento ainda se aguardava até o f‌inal do ano de 2019.
A seguir, a explicação de Caio Mário,19 com os comentários de Gustavo Tepedino,
a Constituição Federal, no art. 37, § 6º, e o Código Civil, no art. 43 não restringem a
responsabilidade civil objetiva do Estado apenas aos atos comissivos. E já há jurispru-
dência do Supremo Tribunal Federal sustentando a responsabilidade objetiva para danos
derivados de atos comissivos ou omissivos do Estado, desde que demonstrado o nexo
causal entre o dano e a omissão do Poder Público” (STF, 2ª T., ARE 868.610 AgR, Rel.
Min. Dias Toffoli, julgado em 26.05.2015).
De toda sorte, é fundamental que se demonstre o nexo de causalidade entre a conduta
do Estado ou exercente do serviço público e o dano. Admitem-se, por isso, as hipóteses
de excludentes, como o caso fortuito externo, assim considerado como o fato que não
guarda qualquer conexão com a atividade desenvolvida pelo agente e, por isso, provoca
a ruptura do nexo causal; a força maior; a culpa exclusiva da vítima e o fato de terceiro,
desde que não guarde qualquer correlação com a atividade desenvolvida pelo agente.
Cabe-nos com o presente texto avaliar a possibilidade de responsabilização do Es-
tado pelos efeitos adversos pós-vacinação, em especial, a Síndrome Guillain-Barré que é
listada como uma sequela possível da vacina contra a gripe Inf‌luenza. Preliminarmente,
se considera que essa vacina traz a possibilidade desse efeito adverso e está listada no
Programa Nacional de Imunizações (PNI) do governo federal. Embora não esteja entre
aquelas vacinas de aplicação obrigatória, a União Federal lança campanhas nacionais
anuais específ‌icas, fomentando a sua utilização. Garante a sua aplicação gratuita nos
postos de saúde àqueles que são considerados público mais vulnerável à doença: idosos,
crianças, professores, prof‌issionais de saúde etc. No ano de 2019, a 21ª. Campanha na-
cional de vacinação contra a Inf‌luenza estimou imunizar mais de 59 milhões de pessoas.20
3.1. Plano nacional de imunização, o controle administrativo sobre as vacinas no
Brasil e a campanha pela vacinação contra a Inluenza
O Programa Nacional de Imunizações (PNI) foi criado pela Lei nº 6.259, de 30 de
outubro de 1975, cujo regulamento se faz pelo Decreto nº 78.231/1976. Constitui o mar-
co das políticas públicas de vacinação no Brasil, a partir de quando se regulamentaram
as ações de vigilância epidemiológica, vacinação e notif‌icação compulsória de doenças
no país.
Como é anterior à Constituição Federal de 1988 e ao Sistema Único de Saúde (SUS),
a Lei nº 6.259/75 atribuiu ao Ministério da Saúde a competência para a elaboração do
19. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Gustavo Tepedino (Comentários). 11ª ed. rev. atual. Rio de
Janeiro : Forense, 2016.
20. Informe técnico. 21a Campanha Nacional de Vacinação contra a Inf‌luenza. Disponível em:
saude.gov.br/images/pdf/2019/fevereiro/28/Informe-Cp-Inf‌luenza-28-02-2019-f‌inal.pdf>. Acesso em: 12 dez.
2019.
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PNI (art.4º.), com a def‌inição e calendário das vacinações, inclusive aquelas de caráter
obrigatório, a serem praticadas de modo sistemático e gratuito (art. 27).
É dever do cidadão se submeter vacinação obrigatória. Aquele que tem a guarda
ou é responsável por pessoa menor, também tem o dever de garantir a sua imunização.
riedade da vacinação das crianças nos casos estabelecidos pelas autoridades sanitárias.
Recusar vacinação às crianças tornou-se uma conduta incompatível com o principio do
superior interesse.21 Eventual dispensa requererá atestado médico de contraindicação
explícita de aplicação da vacina.
A vacinação contra a gripe inf‌luenza foi encampada pelo Programa Nacional de Imuni-
zação que já executou vinte e uma campanhas nacionais. Como referido, a 21ª. Campanha
Nacional de Vacinação contra a Inf‌luenza, estabeleceu a meta de vacinar 90% do público
alvo que, no seu total, representava 59,1 milhões de pessoas. Além dos indivíduos com 60
anos ou mais de idade, estimava-se vacinar as crianças na faixa etária de 6 meses a meno-
res de 6 anos de idade (5 anos, 11 meses e 29 dias), as gestantes, as puérperas (até 45 dias
após o parto), os trabalhadores da saúde, os professores das escolas públicas e privadas,
os povos indígenas, os grupos portadores de doenças crônicas não transmissíveis e outras
condições clínicas especiais, os adolescentes e jovens de 12 a 21 anos de idade sob medidas
socioeducativas, a população privada de liberdade e os funcionários do sistema prisional.
Para otimizar a mobilização popular, o governo federal adotou diversas estratégias,
dentre elas a disponibilização de demais vacinas do Calendário Nacional de Vacinação
para atualização da Caderneta de Vacinação da criança e da gestante, buscando o resgate
e vacinação de não vacinados.
Cada informe técnico sobre as campanhas nacionais da vacina contra a Inf‌luenza
informou a SGB como um possível evento adverso pós-vacinação, ainda que em um risco
mínimo de ocorrência. O Plano Nacional de Imunização já estabeleceu, inclusive, proto-
colo próprio com as orientações sobre como agir em face de EAPV, ordenando as seguintes
etapas de ações: “a) Detecção, notif‌icação e busca ativa de novos eventos; b) Investigação
(exames clínicos, exames laboratoriais, etc.) e; c) Classif‌icação f‌inal dos EAPV”.22
21. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – MEDIDA DE PROTEAÇÃO – DIREITO À SAÚDE – VACINAÇÃO OBRIGATÓ-
RIA – DIREITO COLETIVO – MELHOR INTERESSE DO MENOR – LIBERDADE RELIGIOSA – PONDERAÇÃO.
A vacinação consiste não apenas em direito individual, mas em direito coletivo, uma vez que tem por objeto a
diminuição, ou até mesmo a erradicação de doenças. A interpretação que se faz é que as normas de regência
buscam garantir a saúde do indivíduo e, por consequência, de toda a população, sendo, portanto, algo acima da
escolha pessoal, vez que envolve a diminuição da exposição ao risco e ao contágio de determinadas doenças e
ainda evita o reaparecimento de doenças consideradas erradicas. Em consideração Ao Princípio Constitucional
do Melhor Interesse, não podem os genitores se recursarem a vacinar os f‌ilhos quando se busca alcançar o pleno
desenvolvimento daqueles, o que, por certo, envolve o direito à saúde em todas as suas formas, incluídas as de
prevenção por meio da vacinação. O interesse do menor se sobrepõe a qualquer interesse particular dos genito-
res. A imposição da imunização não fere o direito à liberdade religiosa, uma vez que não sendo esse absoluto, é
passível de ponderação e, assim, não há se falar no direito de escolha dos pais, mas no direito da criança à saúde.
(TJ-MG – AC: 10518180076920001 MG, Relator: Dárcio Lopardi Mendes, Data de Julgamento: 12 dez. 2019,
Data de Publicação: 17 dez. 2019). Outros: TJSP – Apelação Cívil nº 1003284-83.2017.8.26.0428 – Relator Des.
Fernando Torres Garcia – 11/07/2019.
22. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Vigilância em Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Protocolo
de Vigilância Epidemiológica de Eventos Adversos Pós-Vacinação. Estratégia de Vacinação contra o Vírus Inf‌luenza
Pandêmico (H1N1), p.24. Disponível em: < http://portal.anvisa.gov.br/documents/33868/399730/Protocolo+de+Vi-
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RESPONSABILIDADE CIVIL DA UNIÃO PELOS DANOS CAUSADOS PELA VACINA CONTRA A INFLUENZA
A questão é saber se, ao cabo e ao f‌im, a detecção de SGB como EAPV em determi-
nada pessoa que tomou a citada vacina implicará em dano passível de indenização pelo
Estado ou pelos fornecedores do produto, sejam eles, o laboratório fabricante ou a clínica
particular na qual haja sido feita a sua aplicação.
3.2. Agentes envolvidos na vacinação contra a inuenza e o protagonismo da
União
Considere-se que a vacina é ministrada gratuitamente para o público alvo nos
postos de vacinação que integram o SUS, mas também pode ser utilizada por qualquer
pessoa que vier a procurar as clínicas particulares que ofereçam o serviço de vacinação.
Ainda que não esteja capitulada entre aquelas que compõem o catálogo da vacinação
obrigatória, a vacina contra a Inf‌luenza é massivamente divulgada pelo poder público
que conclama as pessoas a se vacinarem.
É certo que a vacina é produzida por laboratórios privados e pode ser distribuída
não apenas para o Estado, mas também para as clínicas particulares que oferecem o ser-
viço de vacinação mediante pagamento. Há, portanto, uma rede de agentes envolvidos:
a União que gerencia a campanha nacional de vacinação, os demais órgãos da federação
que integram o Sistema Único de Saúde e até as clínicas particulares que administram a
vacina, mediante pagamento, além dos laboratórios fabricantes.
A relação entre o consumidor da vacina e as clínicas e laboratórios é qualif‌icada como
uma “relação de consumo” e sujeita à disciplina do Código de Defesa do Consumidor.
Uma vez que a vacina esteja em condições adequadas de uso, sendo considerada um
produto adequado para o consumo, não haverá como responsabilizar os fornecedores
pelos efeitos adversos, se o consumidor houver sido devidamente e previamente infor-
mado. Como se sabe, a legislação pode autorizar o lançamento de produtos perigosos no
mercado de consumo, desde que se garanta ao consumidor a devida informação sobre
os riscos a eles associados. Na falta dessa informação, dá-se o vício de informação (art.
6º, III, e art. 12 do CDC) que dará ocasião à responsabilidade civil do fornecedor.23 Não
haverá qualquer ilicitude no fornecimento do produto perigoso, se o consumidor for
devidamente informado sobre os riscos.
Porém, mesmo em face da licitude desse fornecimento, a emergência de um dano
cuja possibilidade de ocorrência foi previamente informada ao consumidor, justif‌icará
a responsabilidade do fornecedor? A considerar a dicção do CDC é provável que não
(art. 6º, III, e art. 12 do CDC).
Não obstante, na integridade do ordenamento jurídico e considerando o mereci-
mento de tutela de certos interesses, é possível sustentar a possibilidade de indenização
dos chamados danos injustos. A título exemplif‌icativo, cita-se os danos causados pelo
gil%C3%A2ncia+Epidemiol%C3%B3gica+de+Eventos+Adversos+P%C3%B3s-Vacina%C3%A7%C3%A3o/9334e-
6d9-f301-4cbb-ab39-3ba07292c651> Acesso em: 19 dez. 2019.
23. Na hipótese de vício de informação, assim considerado, o fornecedor do produto poderá ser chamado a respon-
der pelo dano. Isto é, o dever de informar reporta-se a um dever essencial, dever mínimo, dentro das relações de
consumo, o qual atribui-se como ônus ao fornecedor do produto posto em circulação no mercado de consumo.
(MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4ª ed. São Paulo: RT, 2004, p. 646).
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consumo do cigarro.24 25 Mas o foco do presente texto não é exatamente este e sim a
responsabilidade da União, ente federado que coordena o Sistema Único de Saúde, nos
termos dos arts. 6º, § 2º, 15 e 16 da lei no 8.080/90, que gerencia o Programa Nacional de
Imunização (Lei nº 6.259/75, art. 3º) e coordena todas as ações relacionadas à vigilância
epidemiológica.
Além dessa atuação específ‌ica, é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, órgão
federal responsável por aferir a qualidade das vacinas e autorizar a sua distribuição e
aplicação, a semelhança do que faz com os medicamentos em geral.
De acordo com a lei nº 6.360/76, sujeitam-se às normas de vigilância sanitária, “os
medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, def‌inidos na Lei nº
5.991, de 17 de dezembro de 1973, bem como os produtos de higiene, os cosméticos,
perfumes, saneantes domissanitários, produtos destinados à correção estética e outros
adiante def‌inidos” (art. 1º). Dispõe ainda esta lei, que o registro de drogas e medicamentos,
insumos farmacêuticos e correlatos, dentre outros, seja reconhecido cientif‌icamente como
“seguro e ef‌icaz para o uso a que se propõe, e possua a identidade, atividade, qualidade,
pureza e inocuidade necessárias;” (art.16, inciso II).26
A seguir, o Decreto nº 79.094/77, revogado atualmente pelo Decreto nº 8.077/2013,
que regulamenta a Lei nº 6.360/76 no que toca aos mecanismos de controle dos medica-
mentos, os produtos sujeitos à vigilância sanitária somente poderão ser industrializados
e expostos à venda ou lançados no mercado de consumo se registrados no órgão compe-
tente (art.14), hoje, a ANVISA. Especif‌icamente em relação às vacinas, exige-se que se
comprovem a sua f‌inalidade terapêutica, sua ef‌icácia, inocuidade e esterilidade (art. 26).27
Se a vacina contra a Inf‌luenza vier a sofrer alguma alteração na sua composição,
antes de sua aplicação será necessário renovar a autorização junto à ANVISA. A título
24. FACCHINI NETO, Eugênio. A relativização do nexo de causalidade e a responsabilização da indústria do fumo
– a aceitação da lógica da probabilidade. Civilística.com, Rio de Janeiro, a.5, n.1, 2016. Disponível em: < http://
civilistica.com/wp-content/uploads/2016/07/Facchini-Neto-civilistica.com-a.5.n.1.2016.pdf >. Acesso em: 02
jan. 2020.
25. TJRS. APELAÇÃO CÍVEL. Ap 70016845349. Relator: Odone Sanguiné, Porto Alegre, 12 dez. 2007. Disponível:
< http://actbr.org.br/uploads/arquivo/169_RS70016845349merito.pdf>. Acesso em: 02 jan. 2020.
26. Art. 16. O registro de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, dadas as suas características
sanitárias, medicamentosas ou prof‌iláticas, curativas, paliativas, ou mesmo para f‌ins de diagnóstico, f‌ica sujeito,
além do atendimento das exigências próprias, aos seguintes requisitos específ‌icos: (Redação dada pela
I – que o produto obedeça ao disposto no Art. 5, e seus parágrafos;
I – que o produto obedeça ao disposto no artigo 5º, e seus parágrafos. (Redação dada pelo Decreto nº 6.480, de
1.12.1977)
II – que o produto, através de comprovação científ‌ica e de análise, seja reconhecido como seguro e ef‌icaz para o
uso a que se propõe, e possua a identidade, atividade, qualidade, pureza e inocuidade necessárias;
III – tratando-se de produto novo, que sejam oferecidas amplas informações sobre a sua composição e o seu uso,
para avaliação de sua natureza e determinação do grau de segurança e ef‌icácia necessários;
27. Art 14. Nenhum dos produtos submetidos ao regime de vigilância sanitária de que trata este Regulamento, poderá
ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo, antes de registrado no órgão de vigilância sanitária
competente do Ministério da Saúde.
Art 26. O registro dos soros e vacinas f‌icará sujeito à comprovação:
I – Da ef‌icácia, inocuidade e esterilidade do produto, bem como da sua f‌inalidade imunoterápica, dessensibilizante
e pirogênica.
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RESPONSABILIDADE CIVIL DA UNIÃO PELOS DANOS CAUSADOS PELA VACINA CONTRA A INFLUENZA
de exemplo, cita-se a Resolução nº 2.714, de 4 de outubro de 2018, por meio da qual
o órgão regulador autorizou a mudança na composição da vacina que foi utilizada na
campanha do ano de 2019.
Em virtude desse controle exercido pela agência, a Portaria Conjunta nº 92 estabelece
uma parceria entre a ANVISA e o Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministé-
rio da Saúde, para monitoramento de ocorrência de eventos adversos associados ao uso
das vacinas registradas em território brasileiro. É do interesse e da competência dessa
agência a investigação continuada sobre os efeitos da vacina que ela própria autoriza o
registro e distribuição no país.
Assim, considerando o protagonismo da União no controle da fabricação, registro
e distribuição da vacina, bem como na gestão da campanha nacional que estimula a
vacinação em massa seja pela rede pública ou particular, é de se defender a sua respon-
sabilização pelos efeitos adversos.
3.3. SGB – EAPV como dano injusto e o merecimento de tutela
Coube à União e à ANVISA, órgão federal, autorizar o registro e a distribuição da
vacina contra a Inf‌luenza mesmo com a ciência do diminuto, mas possível, risco de SGB
entre os eventos adversos pós-vacinação. No cotejo dos riscos de doença e óbito cau-
sados pelo vírus Inf‌luenza A e a possibilidade de a vacina ocasionar a deletéria SGB, a
União optou por liberar o seu uso. Anima a população a se vacinar para evitar os nefastos
efeitos da gripe suína, mas não oferece a informação, com o mesmo destaque, sobre os
possíveis efeitos adversos. Arrola cada um dos chamados EAPV no informe técnico de
cada campanha, mas não faz a informação chegar efetivamente ao cidadão consumidor.
As peças publicitárias evocam apenas os benefícios da vacina.
Assim o faz para não assustar a população e imunizar o maior número de pessoas,
no legítimo intento de evitar uma pandemia. No entanto, se um indivíduo específ‌ico vier
a padecer de um EAPV tão grave como o é a SGB, é de se lhe garantir a devida reparação,
considerando o merecimento de tutela ao interesse ofendido e ainda a omissão de uma
informação efetiva quanto à possibilidade desse efeito.
Não há é como presumir que o desenvolvimento da SGB seja mera externalidade,
um infortúnio possível que deve ser tolerado a bem da saúde pública. Trata-se, portanto,
de um dano injusto.
Conforme a doutrina italiana, a partir de uma cláusula geral de injustiça do dano,28
é possível expandir o âmbito de aplicação da norma positivada de responsabilidade,
superando a compreensão de dano injusto como lesão a direito subjetivo absoluto.
Segundo explica Massimo Bianca29 o dano injusto envolve a ofensa a qualquer direito
absoluto ou relativo e até mesmo a um interesse protegido, consubstanciando-se na
ideia de antijuridicidade, assim compreendida como a violação de um interesse mere-
28. Neste mesmo sentido, o doutrinador espanhol Luis Diez-Picazo: “O Dano Injusto é, portanto, uma cláusula geral
ou um princípio da responsabilidade civil”. DÍEZ-PICAZO, Luis. Derecho de daños. Madrid: Civitas, 1999.
29. BIANCA, C. Massimo. Diritto civile. Milão: Dott. A. Giuffrè Editore, 1994, p.584.
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cedor de tutela.30 Como não deriva somente da lesão a direito subjetivo, a ideia do dano
injusto evoca uma preocupação para com a justiça social, fazendo-se corresponder a
uma espécie de lesão à solidariedade social.31 Dito isto, não se pode tolerar uma lesão
exacerbada ao interesse protegido de uma ou algumas pessoa em nome do benefício
de todos, por exemplo.
A despeito da liceidade da conduta def‌lagradora do dano, tantas vezes o ordena-
mento jurídico determina que a vítima não deve f‌icar irressarcida, cita-se o exemplo
do art.188, II c/c art.930, do Código Civil. Desvincula-se a injustiça do ano da ideia de
antijuridicidade para encampar a possibilidade de reparação de danos aos interesses que
são dignos de tutela jurídica.32 Na síntese de Maria Celina Bodin de Moraes, “não parece
razoável, na legalidade constitucional, estando a pessoa humana posta na cimeira do
sistema jurídico, que a vítima suporte agressões, ainda que causadas sem intenção nem
culpa, isto é, sem negligência, imperícia ou imprudência.”33 Se a vítima sofreu um dano
injustamente, deverá ser indenizada.
Diante desses argumentos a pessoa que se submete à campanha imunizatória contra
a gripe inf‌luenza, guiada pelo chamado da publicidade massiva do governo para o bem
da saúde coletiva, uma vez que seja acometida pelo grave efeito adverso da vacina que é
a SGB, fará jus à reparação. É o mínimo que se espera em face do interesse protegido que
é o próprio valor pessoa, em sua dignidade, integridade, igualdade e liberdade. Injusto
será, permitir que sofra grave dano e este seja interpretado como mera externalidade de
uma ação estatal voltada para o bem-estar coletivo.
A ratio do ressarcimento do dano que decorre de atividade lícita como no exemplo da
campanha imunizatória, está na necessidade de salvaguardar interesses que o ordenamento
jurídico considera merecedor de tutela mesmo em face de outros que também se comportam
no vasto campo da licitude. Em face de interesses igualmente tutelados como na hipótese,
é possível justif‌icar a possibilidade de indenização em face de um eventual dano.34
Mas como identif‌icar a emergência de um dano injusto decorrente de uma atividade
considerada lícita, como a vacinação? É possível seguir a orientação de Pietro Perlingieiri35
30. Tradução livre de Bianca: A opção tradicional, que inclui a identif‌icação do dano no sentido de lesão a direito
subjetivo absoluto, está em conformidade com a orientação da doutrina italiana tradicional, anterior ao código
vigente. [...] Uma parte larga do doutrina tem contestado a ideia de fundo da antijuridicidade do dano. Segundo
esta corrente de pensamento a injustiça do dano não pressupõe a lesão de um direito porque injusta pode ser a
lesão a um interesse de fato, como resulta da crescente ressarcibilidae do prejuízo que prescinde à titularidade de
um direito. No original: “L’opinione tradizionale , che intende l’ingiustizia del danno nel senso di lesione di diritti
soggettivi assoluti, si conforma all’orientamento della dottrina italiana maturato anteriormente al codice vigente.
[...] Una larga parte della dottrina ha invece contestato l’idea di fondo dell’antigiuridicità del danno. Secondo
questa corrente di pensiero l’ingiustizia del danno non presupporrebbe la lesione di un diritto poiché ingiusta
puó esses anche la lesione di un interesse di fatto, come risulta dal crescente riconoscimento della risarcibilità
di pregiudizi che prescindono dalla titolarità di un diritto.” BIANCA, C. Massimo. Diritto civile. Milão: Dott. A.
Giuffrè Editore, 1994, p.584-585.
31. RODOTÁ, Stefano. Il problema della responsabilitá civile. Milano: Giufrè, 1967, p.89.
32. MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de
Janeiro: Renovar, 2003, p.179.
33. Op. Cit., p.179.
34. USTARROZ, Daniel. Responsabilidade por ato lícito. São Paulo: Atlas, 2014.
35. PERLINGIERI, Pietro. Direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro:
Renovar, 2011.
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RESPONSABILIDADE CIVIL DA UNIÃO PELOS DANOS CAUSADOS PELA VACINA CONTRA A INFLUENZA
quanto à ponderação do merecimento de tutela. No Brasil, a metodologia proposta pelo
professor italiano é difundida e bem explicada por autores como Maria Celina Bodin de
Moraes36 e Gustavo Tepedino,37 seguidos por tantos outros como Anderson Schereiber38,
Nelson Rosenvald39 e Eduardo Nunes de Souza.40
Importa balancear os interesses opostos em uma mesma relação jurídica para iden-
tif‌icar quais posições jurídicas devem ser prestigiadas (em concreto) em face do conjunto
de valores que o ordenamento jurídico pretende realizar. Assim, sem atinar para os sen-
timentos negativos ou positivos cultivados pela vítima ou pela coletividade em face do
dano perpetrado, é necessário identif‌icar se houve lesão a interesse merecedor de tutela,
cujo irressarcimento seria contrário ao que o ordenamento jurídico pretende concretizar.
Para evitar decisionismos, recorremos à sistematização proposta por Anderson
Schreiber41 para identif‌icar, pela ponderação, o merecimento de tutela que o ordenamento
jurídico reserva aos interesses da vítima e do responsável pela lesão. Sugere quatro mo-
mentos para essa análise, nos quais se busca averiguar: 1º.) se há merecimento de tutela
em abstrato para o interesse lesado; 2º.) se há merecimento de tutela em abstrato para o
interesse lesivo; 3º.) se existe regra de prevalência entre os interesses conf‌litantes; 4º.) se
inexiste regra de prevalência entre os interesses conf‌litantes, sugerindo-se ao judiciário
a solução do conf‌lito com base no arcabouço valorativo do sistema.
Usaremos o roteiro acima para responder se a vítima de EAPV, na modalidade SGB,
sofreu lesão a um interesse merecedor de tutela pela atuação lícita do Estado em promover
a massiva campanha de vacinação contra a gripe inf‌luenza, e se fará jus à indenização.
Primeiramente, é de se indagar se o interesse lesado é merecedor de tutela pelo orde-
namento jurídico. No caso, entende-se que sim porque a lesão incapacitante e permanente
resultante da vacinação traz para a vítima, uma diminuição grave de sua mobilidade ou
mesmo a morte, impactando a sua integridade psíco-física ou a vida, interesse jurídico
protegido pelo ordenamento. A vítima, não raro, sequer foi individual e efetivamente
esclarecida quanto aos possíveis efeitos da vacina.
Enquanto o registro da vacina e a campanha nacional conclamando a população à
imunização tinham por escopo primário garantir o equilíbrio da saúde pública contra
uma possível pandemia e, por isso transcendiam os riscos (ainda que mínimos) de efeito
deletério, a pessoa que se viu atingida por eventual consequência negativa foi vitimada
por este efeito assimétrico, sofrendo tratamento desigual comparativamente às demais
que apenas foram benef‌iciadas pela imunização. A conduta lesiva que se justif‌icava na
36. MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de
Janeiro: Renovar, 2003.
37. TEPEDINO, Gustavo. Crise de fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2002. In
A parte geral do novo Código Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2014.
38. SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos f‌iltros da reparação à diluição
dos danos. São Paulo: Atlas, 2015.
39. FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson; BRAGA NETO, Felipe Peixoto. Curso de Direito Civil.
Responsabilidade civil. Salvador: Editora JusPODIVM, 2019.
40. SOUZA, Eduardo Nunes de. Merecimento de tutela: a nova fronteira da legalidade no direito civil. 2014. Revista
dos Tribunais on line. Revista de Direito Privado. vol. 58/2014. p. 75 – 107. Abr – Jun / 2014.
41. SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos f‌iltros da reparação à diluição
dos danos. São Paulo: Atlas, 2015, p.155 e segs.
RESPONSABILIDADE CIVIL E MEDICINA 2ED.indb 335RESPONSABILIDADE CIVIL E MEDICINA 2ED.indb 335 12/03/2021 15:33:2112/03/2021 15:33:21
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busca do bem comum, trouxe prejuízo signif‌icativo a uns poucos, atingindo o princípio
da igualdade. Na hipótese também há um malferimento ao princípio da solidariedade
constitucional que não se compraz com essa assimetria, justif‌icando mais uma vez a
legítima reparação àquele foi lesado injustamente.
No segundo momento, analisa-se se o interesse lesivo é igualmente merecedor de
tutela. Sem dúvida que a União poderá sustentar a liceidade de sua conduta em registrar
a vacina pelo órgão sanitário e conclamar a população a se vacinar, mesmo em face do
possível efeito residual negativo. Na ponderação entre os riscos da vacina e os riscos da
doença, estes são comprovadamente superiores. Para o bem da saúde pública, a vacina
mostra-se um meio ef‌icaz para evitar a pandemia em gripe inf‌luenza. Nessa medida,
tem-se uma conduta lesiva assentada em motivos amparados pelo sistema jurídico e
adequada à legislação.
Passando ao terceiro momento da ponderação, é de se perscrutar se existe regra legal
que estabeleça a prevalência de um dos interesses envolvidos, quais sejam: a dignidade e
integridade psíco-física da pessoa vitimada em SGB e a conduta da União em zelar pela
saúde pública, autorizando o registro da vacina e gerenciando a campanha nacional de
imunização contra a gripe inf‌luenza. A Constituição Federal estabelece a dignidade da
pessoa humana como princípio fundamental que lastreia uma verdadeira cláusula geral de
tutela.42 A vacina citada não está listada entre as obrigatórias e, é certo, pode ser recusada
pelas pessoas, inclusive aquelas consideradas como parte do público mais vulnerável.
Até mesmo as vacinas consideradas obrigatórias podem ser recusadas se apresentado um
laudo médico que justif‌ique a recusa. Porém, in caso, as pessoas foram e, ano a ano, são
chamadas pela campanha publicitária federal para se vacinarem e conf‌iam no controle
sanitário do Estado sobre as vacina que, segundo a lei, são qualif‌icadas pela inocuidade.
Não raro, como referido, sequer são individualmente informadas dos possíveis EAPV.
Em um tal contexto, a população se submete à imunização que tem por f‌im primordial,
estabilizar a saúde pública e evitar proliferação de doenças endêmicas, e, excepciona-
lissimamente, alguns podem ser surpreendidos com a SGB. Ao nosso ver, em concreto,
há prevalência da dignidade e da integridade sobre o interesse que lastreia a conduta
lesiva. Não há como sacrif‌icar a integridade psíco-física ou a vida de uma pessoa ou de
algumas, em nome de qualquer interesse público ou coletivo.
Se há um risco calculado e conhecido pela União de que a vacina pode ocasionar
a SGB e isso não é suf‌iciente para impedir o seu registro pela ANVISA ou impedir a que
42. Na explicação magistral de Gustavo Tepedino, a dignidade da pessoa humana f‌inda por lastrear uma cláusula
geral de tutela da pessoa até mesmo em situações que não estiverem pontualmente positivadas pelo ordenamento
jurídico. In verbis, “A prioridade conferida à cidadania e à dignidade da pessoa humana (art.1º., I e III da CF),
fundamentos da República, e a adoção do princípio da igualdade substancial (art.3º. III), ao lado da isonomia
formal do art. 5º., bem como da garantia residual estipulada pelo art. 5º. §2º., CF, condicionam o intérprete e o
legislador ordinário, modelando todo o tecido normativo infraconstitucional com a tábua axiológica eleita pelo
constituinte. Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada
ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais,
juntamente com a previsão do §2º. do art.5º., no sentido da não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo
que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados do texto maior, conf‌iguram uma verdadeira
clausula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento.” TEPEDINO,
Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. Temas de direito civil. Rio de
Janeiro: Renovar, 2001, p.47-48.
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o Estado conclame a população à imunização, uma lesão em concreto à integridade
de pessoa específ‌ica não pode ser interpretada como uma mera externalidade ou caso
fortuito – reitera-se. Conf‌igurará um dano injusto e justif‌icará a reparação.
O quarto momento do esquema proposto por Schreiber se aplica apenas aos casos
em que não se vislumbra uma regra legal de prevalência entre os interesses conf‌litantes.
Embora entendamos que há essa regra no caso sob exame, como f‌icou claro no passo
anterior, seguiremos para essa quarta etapa para responder àqueles que entendem não
haver essa prevalência.
Se se entender que não há prevalência legal entre os interesses conf‌litantes, o
Judiciário deverá cotejá-los à luz dos valores que norteiam a unidade do ordenamento
jurídico.
Nessa medida, seguindo para o quarto momento da ponderação proposta, em não
havendo regra específ‌ica def‌inidora da prevalência entre os interesses conf‌litantes, o
Judiciário poderá perscrutar a relação de prevalência entre os mesmos interesses à luz
da unidade do ordenamento jurídico. Assim, poderá sustentar a primazia da dignidade
da pessoa humana e, consequentemente, da integridade psico-física da vítima afetada
em face do interesse coletivo perseguido pela União. Considerando a circunstância
específ‌ica, o grau de afetação da dignidade e integridade da vítima é muito superior.
Na explicação de Celina Bodin de Moraes, “o dano será injusto quando, ainda
que decorrente de conduta lícita, afetando aspecto fundamental da dignidade humana,
não for razoável, ponderados os interesses contrapostos, que a vítima dele permaneça
irressarcida.”43 Na página seguinte da mesma obra, complementa: “a simples violação
de uma situação jurídica subjetiva extrapatrimonial em que esteja envolvida a vítima,
desde que merecedora de tutela, será suf‌iciente para garantir a reparação.”
Disso resulta que há sim, um merecimento de tutela para a vítima de efeito adverso
pós-vacinação justif‌icando a sua indenização nos moldes apontados.
4. A RESPOSTA DO STJ NOS RECURSOS ESPECIAIS 1.514.775 – SE E
1.388.197 – PR
A emergência da SGB após a administração da vacina também é reconhecida pela
jurisprudência brasileira como uma possibilidade estimada pelo próprio sistema de
saúde, conforme consta expressamente nos informes técnicos, protocolos e demais
documentos.
Assim, coube ao STJ reconhecer a SGB como um dano injusto quando derivado
da vacina contra o vírus Inf‌luenza, justif‌icando o pleito reparacional. Cabe-nos ana-
lisar, neste tópico, os pressupostos da relação jurídica reparacional e os fundamentos
jurídicos adotados nas decisões proferidas nos Recursos Especiais nº 1.514.775 – SE
(2015/0026515-0) e nº 1.388.197 – PR (2013/0099928-9).
43. MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de
Janeiro: Renovar, 2003, p.179.
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a. Recurso Especial nº 1.514.775 – SE (2015/0026515-0)
Na origem, trata-se de ação de reparação por danos materiais e morais proposta por
vítima que contraiu a SGB após a vacinação, contra a União e a empresa Safonis-Aventis,
com o objetivo de obter o pagamento de pensão mensal, danos materiais no valor de R$
180.000,00, e danos morais no valor de R$ 500.000,00.
Em sua inicial, a autora alegou que, em meados de 2008, após receber dose da vaci-
na contra a Inf‌luenza em unidade privada, durante a Campanha Nacional de Vacinação
contra a Inf‌luenza desenvolvida pela União Federal, começou a sentir dif‌iculdades
motoras que culminaram na paralisia de seus membros inferiores e superiores, sendo
diagnosticada com Síndrome de Guillain-Barré. Após isso diz que perdeu a capacidade
laborativa e a sua autonomia e independência para viver sozinha, voltando a residir na
companhia de sua mãe.
O juízo de primeiro grau decidiu pela improcedência da demanda, considerando
que a responsabilidade civil recairia apenas sobre o fabricante do produto – o laborató-
rio GlaxoSmithKline, e não do demandado Sanfonis-Aventis. Também sustentou que
nenhum agente público havia atuado na aplicação da vacina. Naquele caso, a aplicação
teria sido realizada pela empresa Intermédica Sistema de Saúde S/A, empregadora da
demandante.
Inconformada, a autora recorreu ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, pug-
nando preliminarmente, pela inclusão, no polo passivo, do laboratório GlaxoSmithKline
(litisconsorte passivo necessário ulterior) e a denunciação a lide à empresa Intermédica
Sistema de Saúde S/A. No mérito, requereu a reforma da sentença para ver concedido o
pleito indenizatório.
O Tribunal de origem negou o pedido autoral da inclusão do fabricante GlaxoS-
mithKline – litisconsorte passivo necessário ulterior, dispondo que a formação do
litisconsórcio deveria ter se dado no início da relação processual. E também denegou a
denunciação da lide, por escapar às hipóteses de cabimento previstas no art. 70, do CPC
de 1973, vigente à época.
No entanto, o TRF da 5ª Região reconheceu a responsabilidade da União Federal, a
quem cabe executar as políticas públicas de imunização e sob o fundamento da ausência
de informações efetivas, no sentido de advertir aos destinatários da vacina, bem como
a toda população, sobre as possíveis reações adversas. Ademais, af‌irmou a relatora que
a campanha era de iniciativa do Ministério da Saúde, através do Programa Nacional de
Imunização (PNI), órgão vinculado à União, o que reforçaria a responsabilidade civil
deste ente federal.
Dessa forma, o Tribunal a quo f‌ixou a condenação do pagamento de R$ 50.000,00,
à título de danos morais; e danos materiais, valor a ser f‌ixado em liquidação de sentença.
Entretanto, não vislumbrou a concessão de pensão vitalícia à vítima, em razão da autora
não ter perdido a capacidade laborativa, mas apenas a sua redução.
Como não logrou provisão completa do seu pedido quanto ao valor e modalidade
de indenização nas instâncias ordinárias, coube à vítima interpor o recurso especial ao
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RESPONSABILIDADE CIVIL DA UNIÃO PELOS DANOS CAUSADOS PELA VACINA CONTRA A INFLUENZA
STJ, pleiteando o arbitramento de pensão vitalícia e a majoração dos danos morais, em
razão da perda (parcial e moderada) de sua capacidade laboral.
Sob relatoria do Min. Napoleão Nunes Maia Filho, o acórdão em Recurso Especial
nº 1.514.77544 – SE (julgado em 10/03/2016) sustenta a responsabilidade civil do ente
federal para indenizar a vítima de dano (SGB) decorrente de vacina contra a Inf‌luenza.
As instancias ordinárias já haviam conf‌irmado a conexão causal entre a vacina e a emer-
gência do dano.
No julgamento do recurso, o ministro relator conf‌irmou a responsabilidade civil da
União Federal para indenizar à vítima, com fundamento no §6º, do art. 37 da Constituição
Federal, seguindo a teoria do risco administrativo. Para fundamentar a responsabilização
do ente federado, o relator sustentou que:
i. o Programa Nacional de Imunização (PNI), gerenciado pelo Ministério da Saúde,
conforme dicção do art. 3º, da Lei nº 6.259/75, é de inteira responsabilidade da
União. Eventual ministração da vacina por entes privados, obriga a estes a infor-
mar à União que mantém todo o controle sobre a circulação da vacina e sobre os
seus efeitos adversos.
ii. cabe também à União, por meio do órgão de vigilância sanitária, o registro de
vacinas, as quais são tratadas, no Brasil, como medicamentos, devendo atender
requisitos específ‌icos, dentre eles, a segurança, ef‌icácia e inocuidade;
o art. 14 do Decreto nº 79.09445, criado para regulamentar a Lei nº 6.360/76,
estabelece que nenhum produto submetido à vigilância sanitária, poderá ser
posto em circulação antes do registro no órgão competente. E o registro de vaci-
nas f‌icará sujeita à comprovação de ef‌icácia e inocuidade (art. 26, inciso I, dec.
79.094/77).
iii. as vacinas são tratadas como medicamentos e a sua utilização está sob o controle
e a f‌iscalização da ANVISA, de acordo com o art. 16 da Lei nº 6.360/76.
Conforme verif‌icado nos autos, por meio de documentos anexados (extratos de Diários
Of‌iciais da União), a ANVISA, agência vinculada ao Ministério da Saúde, é a responsável
pela autorização do uso das vacinas em solo brasileiro, incluindo-se aquelas aplicadas
contra o vírus Inf‌luenza, reforçando a responsabilidade civil da União no presente caso.
Nisso, entendeu por manter o acórdão recorrido, no sentido de reconhecer a responsabi-
lidade civil da União Federal pelos danos causados pela ministração da vacina Inf‌luenza.
Coube ao Relator mencionar e seguir o entendimento adotado pelo Supremo
Tribunal Federal46 em caso similar, que reconheceu a responsabilidade da União por
indenizar a morte de criança em decorrência de encefalite causada pela vacina contra
tríplice (DPT), que continha componente chamado “pertussis”. O fundamento usado
pelo STF para sustentar a responsabilidade civil do Estado foi o risco administrativo e
44. STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.514.775 – SE (2015/0026515-0). Relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho.
Brasília/DF, 10/03/2016. Disponível em:
nente=ATC&sequencial=58557535&num_registro=201500265150&data=20161110&tipo=51&formato=PDF>.
Acesso em: 02 jan. 2020.
45. Referido decreto foi revogado pelo Decreto nº 8.077/2013.
46. ARE 695.758, REL. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe-169 DIVULG 27.8.2012 PUBLIC 28.8.2012.
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a conexão causal entre a doença e o fornecimento de uma vacina no âmbito da política
pública de saúde. Reiterou que a atividade do ente estatal não pode expor as pessoas a
riscos e a ocorrência de danos.
Por f‌im, o Relator modif‌icou o acordão recorrido, admitindo o cabimento da pensão
vitalícia à vítima, com fundamento no art. 950, do Código Civil, em razão da redução
parcial e permanente de sua capacidade laborativa, independentemente da sua capacidade
para exercer outras atividades, hipótese em que exigiria um maior sacrifício da vítima
para desempenhar a nova atividade laboral.
Por conseguinte, majorou o quantum indenizatório por danos morais, sob o critério
da extensão do dano,47 destacando a desproporcionalidade entre a indenização inicial-
mente f‌ixada e o dano causado, o grau de ofensa à honra da vítima, e, especialmente,
em atenção ao princípio da equidade. Com base nos valores arbitrados pelo STJ, f‌ixou a
indenização no patamar de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
A ministra Regina Helena Costa abriu divergência para o voto do relator Min. Na-
poleão Nunes Maia Filho, para negar total provimento ao recurso especial. Entendeu
desarrazoado imputar a responsabilidade civil exclusiva da União pelo fato de esta
haver realizado a campanha de vacinação. Uma vez que não coube à União a produção
da vacina, o seu armazenamento, a manipulação ou administração, entendeu despro-
porcional e desarrazoada a imputação da responsabilidade exclusiva ao ente federal. Ao
f‌inal, votou pelo não provimento do recurso especial, ao delimitar, em suma, que não
caberia à União, a responsabilidade civil exclusiva pela indenização ao dano sofrido pela
vítima, em razão de outros agentes terem concorridos para o resultado danoso. A tese
divergente foi vencida, prevalecendo a solução proposta pelo relator. O acórdão transitou
em julgado em data de 30/10/2019.
b. Recurso Especial nº 1.388.197 – PR (2013/0099928-9)
Na origem, trata-se de ação de indenização ajuizada em face da União Federal, do
Estado do Paraná e da empresa Sanof‌i Aventis Farmacêutica LTDA, pleiteando danos
materiais, morais e pensão vitalícia. O autor relata, em sua inicial, que após receber
uma dose da vacina contra o vírus Inf‌luenza (gripe), em meados de 2006, por ocasião da
Campanha Nacional de Vacinação de Idosos, desenvolveu a Síndrome de Guillie-Barré
como efeito adverso da vacina Inf‌luenza.
Aduz que, logo após ter se submetido à vacina, sentiu extrema fraqueza e perda da
força muscular, o que levou a sua internação em hospital. Os sintomas evoluíram para
uma paralisia total, com perda da função muscular e insuf‌iciência respiratória aguda. Foi
diagnosticado com SGB e sofreu sequelas graves que importaram na perda da autonomia
e mobilidade. Perdeu a mobilidade nos membros superiores e, consequentemente, a
capacidade laborativa.
47. Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir,
equitativamente, a indenização.
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RESPONSABILIDADE CIVIL DA UNIÃO PELOS DANOS CAUSADOS PELA VACINA CONTRA A INFLUENZA
O juízo de primeiro grau julgou parcialmente procedente a ação. Em sede preliminar,
excluiu do pólo passivo a fabricante Sanof‌i Aventis Farmacêutica LTDA., por ausência
de elementos probatórios quanto a sua legitimidade. Segundo prova nos autos a vacina
havia sido fabricada pelo Instituto Butantan. Também excluiu o Estado do Paraná do
polo passivo, considerando que este atuou apenas por delegação, como um longa manus
na execução de atividade pertinente ao Ministério da Saúde. Embora o Estado do Paraná
tenha executado a vacinação na rede pública estadual, a ação de vacinação foi realizada
sob as ordens e gestão da União Federal.
No mérito, o juízo a quo reconheceu a responsabilidade da União, em razão da com-
provação do nexo de causalidade entre o dano e a conduta do ente federal, ao promover
a campanha de vacinação a despeito do conhecimento dos eventuais efeitos colaterais
provocados pela vacina. Assim, f‌ixou o pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais)
à título de danos morais, sob o fundamento do abalo emocional e psicológico sofrido
pela vítima após o diagnóstico da síndrome adquirida; o pagamento de lucros cessantes,
contados da data da vacinação até o f‌inal convalescença, no valor de R$ 3.500,00 (a re-
muneração do autor); o pagamento de demais danos materiais, dentre eles, o de despesas
médicas, locomoção, f‌isioterapia e tratamentos necessários; e o pagamento de pensão
mensal vitalícia, de até 10 salários mínimos mensais.
Inconformada com o referido decisum, a União Federal recorreu ao Tribunal Regional
Federal da 4ª Região, pugnando, em suma, pela: a) legitimidade passiva do Estado do
Paraná e da Sanof‌i Aventis Farmacêutica Ltda. e a solidariedade em face deles; b) pelo
inexistência de nexo causal ante a falta de provas; c) redução dos danos morais, f‌ixados
em excesso, dentre outros pedidos.
O Tribunal de origem, sob a relatoria do desembargador Sebastião Ogê Muniz, ne-
gou provimento ao recurso de apelação do ente federal, mantendo a sentença recorrida.
Reaf‌irmou a responsabilidade civil da União, sob o fundamento de que o uso da vacina
foi estimulado pelas ações da política nacional de imunização. Entendeu que houve a
devida comprovação do nexo causal entre o dano e a atuação estatal e manteve o quantum
f‌ixado para a indenização pela sentença recorrida.
Coube à União Federal interpor recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça,
alegando que outros agentes deveriam ser legitimados no pólo passivo da demanda
principal, quais fossem, a empresa que produz a vacina e o Estado do Paraná; alternativa-
mente, pediu a sua exclusão da demanda, alegando a ausência de comprovação do nexo
de causalidade; sustentou que não caberia ao ente federal atender e tratar diretamente os
doentes, mas tão somente o repassar de verbas às Secretarias de Saúde dos Estados, para
executar os serviços públicos de saúde, assim como a realização das campanhas de vaci-
nação; e, por f‌im, alegou a desproporcionalidade dos valores f‌ixados como indenização.
Por decisão da Segunda Turma desta Corte, o Recurso Especial nº 1.388.19748 – PR,
foi julgado em 18/06/2015, em desfavor da União Federal, mantendo-se, na íntegra, o
48. STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 1.388.197- PR (2013/0099928-9). Relator Ministro Herman Benjamin. Brasília/DF,
18/06/2015. Disponível em: -
sequencial=49149336&num_registro=201300999289&data=20170419&tipo=41&formato=PDF>. Acesso em:
02 jan. 2020.
RESPONSABILIDADE CIVIL E MEDICINA 2ED.indb 341RESPONSABILIDADE CIVIL E MEDICINA 2ED.indb 341 12/03/2021 15:33:2112/03/2021 15:33:21
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acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Mais uma vez, a Corte reaf‌irmou a
responsabilidade civil do Estado em razão de dano causado por efeito adverso da vacina
contra a Inf‌luenza.
Em suas razões, o ministro relator Herman Benjamin, reiterou a importância das
vacinas para a saúde pública, a despeito das possíveis reações adversas, as quais podem
incapacitar a pessoa e até causar-lhe a morte. Mas sustentou que o dever do Estado (lato
sensu) de promover a imunização em massa para o bem da saúde pública, também impõe
o dever de responder pelos efeitos colaterais, garantindo à vítima a justa indenização.
O ministro fundamentou a sua decisão na responsabilidade civil objetiva, com
Consumidor, qualif‌icando o incidente como um acidente de consumo em decorrência
da vacinação. Descartou a possibilidade de tratar a hipótese como mero caso fortuito ou
imprevisibilidade de reações adversas.
Disse o relator que deixou de apreciar a tese sobre a legitimidade passiva do Estado
do Paraná e da empresa que participou de uma das etapas de produção da vacina, a Sanof‌i
Aventis Farmacêutica LTDA, ante à def‌iciência na motivação e à ausência de impugnação
dos fundamentos constantes no que decidia o acórdão recorrido, aplicando, por analogia,
as Súmulas 28349 e 28450 do STF.
Igualmente, o ministro relator não analisou o pleito de redução do quantum f‌ixado
para dano moral e sobre a comprovação do nexo causal, em razão de a instância ori-
ginária haver decidido a controvérsia com base no suporte fático-probatório presente
nos autos, o que impede o reexame do contexto fático-probatório, em sede de recurso
especial, pelo STJ, conforme previsão da Súmula 751. O acórdão transitou em julgado
em data de 23/06/2017.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As vacinas são soluções técnicas valiosíssimas para o bem-estar individual e para
a saúde coletiva. Afastam os riscos de pandemia e os incalculáveis danos que podem
acarretar. Em virtude disso, a vacinação como prática de saúde pública é um avanço
inestimável para garantir maior qualidade de vida à população em clara condição de
igualdade. Muitas delas são distribuídas gratuitamente nos postos de saúde pelo SUS
para todos os que ali se apresentarem. Em virtude de sua importância, a União Federal,
por meio do Ministério da Saúde, realiza campanhas anuais para promover a imunização
massiva e combater certas doenças, como o caso, a gripe inf‌luenza.
Todo esse processo pretende-se muito seguro, pois antes de ser distribuída no mer-
cado de consumo e utilizada nas políticas públicas em saúde, a vacina é objeto de rigoroso
controle para registro, junto ao órgão de vigilância sanitária – a ANVISA. Avaliam-se os
49. Súmula 283/STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um
fundamento suf‌iciente e o recurso não abrange todos eles.
50. Súmula 284/STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a def‌iciência na sua fundamentação não permitir
a exata compreensão da controvérsia.
51. Súmula 7/STJ: A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial.
RESPONSABILIDADE CIVIL E MEDICINA 2ED.indb 342RESPONSABILIDADE CIVIL E MEDICINA 2ED.indb 342 12/03/2021 15:33:2112/03/2021 15:33:21
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RESPONSABILIDADE CIVIL DA UNIÃO PELOS DANOS CAUSADOS PELA VACINA CONTRA A INFLUENZA
benefícios e eventuais riscos de efeitos adversos, procurando sopesar para garantir que
venham a promover mais vantagens do que prejuízos.
Como a esfera federal conjuga o poder de controle da qualidade pelo registro e a
direção das campanhas nacionais para a imunização, converge para a União o dever de
responder pelos danos causados às pessoas em virtude do uso da vacina. Considera-se um
dano injusto a lesão a interesse protegido, mesmo quando o ato lesivo é considerado lícito.
Outros agentes poderiam ser chamados a responder em conjunto com a União
como o laboratório fabricante da vacina e o seu distribuidor. Na hipótese, porém, seria
necessário, antes de tudo que tais sujeitos estivessem integrando a lide. E ainda que f‌icasse
comprovado o oferecimento de um produto defeituoso – assim considerado como aquele
que não é adequado para o consumo. No caso, sendo a vacina regularmente registrada
e produzida conforme os ditames normativos, não haveria como qualif‌icá-la como um
produto defeituoso. Excepcionalmente, esses agentes privados poderiam responder
por danos associados a elas, se provado o vício de informação, assim considerado como
aquele produto que oferece um risco tolerado cuja existência não é informada efetiva-
mente ao consumidor.
De todo modo, prevaleceria igualmente a responsabilidade civil da União pelas ra-
zões já elencadas acima. Ainda mais quando ela própria elenca a SGB como um possível
efeito adverso. E, tem sua responsabilidade civil matizada pela teoria do risco adminis-
trativo, segundo a qual a atividade estatal não pode resultar em danos.
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