Termo de consentimento livre e esclarecido e responsabilidade civil do médico e do hospital

AutorMaria de Fátima Freire de Sá e Iara Antunes de Souza
Ocupação do AutorDoutora em direito pela UFMG e mestre em direito pela PUCMinas/Doutora e mestre em direito privado pela PUCMinas
Páginas59-78
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE
E ESCLARECIDO E RESPONSABILIDADE CIVIL
DO MÉDICO E DO HOSPITAL
Maria de Fátima Freire de Sá
Doutora em direito pela UFMG e mestre em direito pela PUCMinas. Professora na
graduação e no programa de pós-graduação stricto sensu em direito na PUCMinas.
Coordenadora e professora no curso de especialização em direito médico e bioética
do IEC-PUCMinas. Pesquisadora do Centro de Estudos em Biodireito – CEBID. @
cebid_biodireito. @mariadefatimafreiredesa.
Iara Antunes de Souza
Doutora e mestre em direito privado pela PUCMinas. Professora na graduação em direito
e no mestrado acadêmico “Novos Direitos, Novos Sujeitos” da Universidade Federal
de Ouro Preto – UFOP. Pesquisadora do Centro de Estudos em Biodireito – CEBID. @
cebid_biodireito. @souza_iara_antunes.
Sumário: 1. Introdução – 2. O termo de consentimento livre e esclarecido; 2.1. Contexto de
aplicabilidade do TCLE; 2.2. Princípio da autonomia do paciente; 2.3. Origem, conceito,
conteúdo e forma do TCLE – 3. A responsabilidade civil do médico e do hospital; 3.1. O TCLE
como meio limitador da responsabilidade civil do médico e do hospital – 4. Referências
1. INTRODUÇÃO
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE é comumente concretizado
por meio de documento escrito, pelo qual o paciente consente com a prática médica,
exercendo, assim, sua autonomia. Nasce, portanto, da necessidade de proteção de direi-
tos do paciente. Entretanto, pretende-se trabalhar nesse capítulo, sem perder de vista a
visão primeva, a possível utilização do TCLE como meio jurídico protetivo e limitador
da responsabilidade civil do médico e do hospital.
Trata-se de pesquisa cunhada na vertente metodológica teórico-dogmática para – a partir
do sistema jurídico posto, pela via da coleta de dados em fonte bibliográf‌ica e documental
– promover, de modo argumentativo, a utilização do TCLE como instrumento jurídico limi-
tador de responsabilidade civil do médico e do hospital em suas relações com os pacientes.
A relevância do tema evidencia-se pela aplicação na prática médica e hospitalar,
alterando a visão do prof‌issional e da instituição, de modo que o TCLE, visto como ga-
rantidor único de direitos do paciente, seja compreendido como instrumento protetivo
e comprobatório da boa prática médica e, portanto, limitador de responsabilidade civil.
Para tanto, apresenta-se o aspecto teórico do TCLE, a teoria geral da responsabilidade
civil do médico e do hospital e, por f‌im, a aplicação do TCLE no contexto acima citado.
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2. O TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
2.1. Contexto de aplicabilidade do TCLE
O TCLE tem sua aplicabilidade na pesquisa com seres humanos, nos termos das
Resoluções n.º 466/121 e n.º 510/162 do Conselho Nacional de Saúde – CNS; e junto à
relação médico-paciente, de acordo com a Recomendação n.º 1/163 do Conselho Federal
de Medicina – CFM. Interessa ao presente capítulo esta última abordagem.
O TCLE encontra campo de atuação prática junto à relação médico-paciente, que
sofreu alterações signif‌icativas ao longo do tempo. Não custa lembrar que o médico era
aquele que cuidava de todos os componentes de um grupo familiar, o chamado “médico
de cabeceira” ou “médico de família”, não havendo espaço para desconf‌iança e ques-
tionamentos acerca das condutas praticadas4 por ele. Havia, na verdade, certo temor
reverencial, sendo as ordens (prescrições) médicas cumpridas à risca, sem qualquer
contestação. Tratava-se de uma relação paternalista.
Atualmente é cada vez mais raro encontrar esse prof‌issional, em razão do grande
desenvolvimento científ‌ico, das constantes especializações da medicina, do surgimento
de grandes hospitais e centros de saúde e, em especial, diante da necessidade cada vez
maior do paciente em se vincular a um plano de saúde ou a um seguro saúde. Os hospitais
são centros de medicina, guarnecidos de grande aparato médico, pessoal e instrumental.
A saúde é dotada de recursos f‌inanceiros que movimentam toda a economia, desde o
setor químico-farmacêutico até o de equipamentos hospitalares5.
As mudanças na medicina e nas relações médico-paciente, hospital-paciente e plano
de saúde-paciente não foram as únicas a sofrer sensível alteração. O próprio paciente
mudou e, conforme disposto no Código de Ética Médica6, é ele o principal personagem
da relação, não havendo que se falar no paternalismo exacerbado de outrora. Segundo
Diego Gracia7, o paciente é, hoje, quem escolhe as atuações médicas de acordo com o
que ele entende como saúde ou doença, procurando o sistema de saúde para a solução
do seu problema, tanto de forma curativa como preventiva.
Tal alteração justif‌ica-se, tanto na área médica quanto na jurídica, em razão da
reviravolta paradigmática instada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da
1. CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução n.º 466, de 12 de dezembro de 2012. Disponível em: https://
bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html. Acesso em: 28 out. 2019.
2. CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE. Resolução n.º 510, de 07 de abril de 2016. Disponível em: http://conselho.
saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf. Acesso em: 28 out. 2019.
3. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Recomendação CFM n.º 1/2016. Dispõe sobre o processo de obtenção de
consentimento livre e esclarecido na assistência médica. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/
recomendacoes/BR/2016/1. Acesso em: 28 out. 2019.
4. SÁ, Maria de Fátima Freire de.; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. Bioética e Biodireito. 4ª ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2018. p.101.
5. SOUZA, Iara Antunes de. Aconselhamento genético e responsabilidade civil: as ações por concepção indevida (wrongful
conception), nascimento indevido (wrongful birth) e vida indevida (wrongful life). Belo Horizonte: Arraes Editores,
2014. p.8.
6. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução CFM n.º 2.217/2018. Aprova o Código de Ética Médica. Dis-
ponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2018/2217. Acesso em: 28 out. 2019.
7. GRACIA, Diego. Pensar a bioética: metas e desaf‌ios. São Paulo: Centro Universitário São Camilo; Loyola, 2010.
p.48.
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