Objeção de consciência médica no direito brasileiro

AutorFlaviana Rampazzo Soares
Ocupação do AutorMestre e Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS). Especialista em Direito Processual Civil. Advogada e Professora
Páginas363-383
OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA MÉDICA
NO DIREITO BRASILEIRO
Flaviana Rampazzo Soares
Mestre e Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUC/RS). Especialista em Direito Processual Civil. Advogada e Professora.
Sumário: 1. Introdução – 2. Contornos conceituais da objeção de consciência médica – 3.
O desao da gura da objeção de consciência médica no direito brasileiro – 4. A objeção de
consciência e o princípio da legalidade no direito constitucional – 5. A atividade do médico
no âmbito infraconstitucional e no plano deontológico (CEM) – 6. Breve referência ao direito
estrangeiro, em matéria de aborto e objeção de consciência médica – 7. Sugestão de pautas
a considerar quanto ao exercício da objeção de consciência médica; 7.1. Quanto aos efeitos
da conduta a que se opõe; 7.2. Quanto ao tipo de atendimento a ser prestado ou omitido e
a proximidade entre a objeção e a conduta objetada; 7.3. Quanto aos demais prossionais
presentes e aptos a realização do ato médico; 7.4. Quanto ao atendimento ser prestado de
forma privada ou no serviço público; 7.5. Quanto à motivação apresentada pelo objetor; 7.6.
Quanto à possibilidade de alcance de um resultado por outro meio; 7.7. Quanto a quem seja
o “efetivo” objetor; 7.8. Quanto à impossibilidade de que a objeção cause situação juridi-
camente inadmissível; 7.9. Quanto à forma escrita da objeção de consciência exercida pelo
médico; 7.10. Quanto à transparência e à informação aos destinatários – 8. Considerações
nais – 9. Referências
1. INTRODUÇÃO
O médico é o prof‌issional apto a trabalhar na atenção da saúde humana, atendendo
nas linhas de promoção, prevenção, no diagnóstico e no tratamento, com o objetivo
reabilitar, de restabelecer a saúde, de proporcionar maior qualidade de vida ao paciente
ou de atender aos legítimos interesses deste, no âmbito de sua saúde.
A atividade médica sempre importa uma atuação prof‌issional: o estudante ingressa
no curso de medicina, cola grau, inscreve-se no conselho prof‌issional e passa a atuar, sendo
natural pensar que ele esteja disposto a agir sempre que isso for necessário. É por isso
que, em geral, os estudos na área do direito médico tratam extensamente da autonomia
do paciente, embora sejam parcimoniosos em matéria de autodeterminação do médico.
Assim, esse texto aborda um importante ponto na área de atuação médica, consubstan-
ciado nas circunstâncias e condições que permitem ao médico recusar a prática de atos de
medicina, com a f‌inalidade de atendimento a princípios religiosos, éticos ou morais que
residem na sua própria consciência, sem que isso seja considerado uma conduta ilícita.
A objeção advinda da consciência do médico, que poderia justif‌icar o não atendi-
mento ao paciente ou o atendimento de um modo diverso do previsto normativamente,
precisa ser melhor entendida no sistema jurídico brasileiro, porque, conforme mencio-
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nado, a compreensão corrente é no sentido de que o médico deve atender o paciente
nas circunstâncias que demandem atendimento (nas quais há necessidade de atuação
prof‌issional ou consentimento válido para essa atuação).
Neste texto, questiona-se até que ponto é possível obrigar o médico a atender um
paciente, de forma contrária às suas convicções pessoais, e qual é o espaço de domínio do
próprio prof‌issional, no qual pode se movimentar em sua autodeterminação, exercendo
o direito de recusar a execução de um ato médico que ele considere ser incompatível
com as suas convicções, formadas em sua consciência, como resultado das suas crenças
pessoais, sem que isso possa integrar o suporte fático de um ato ilícito civil.
Esses são os questionamentos apresentados como de necessária compreensão e
verif‌icação, especialmente diante de um cenário de crescente pluralismo social, o qual
reivindica a aceitação de diferentes pontos de vista e visões de mundo, que pautarão con-
dutas práticas exigíveis dos indivíduos. Esse panorama traz a necessidade de construção
de um caminho que permita conciliar, em adequada medida, a autonomia médica e o
direito do paciente ao atendimento em saúde.
Portanto, é necessário elucidar o conceito de objeção de consciência, bem como
estudar os seus contornos e limites, com o propósito de que esses esclarecimentos possam
ser ef‌icientes à f‌inalidade de garanti-la e efetivá-la, contemplando, ainda, a proposição
de critérios de apreciação que legitimam um modo de conduzir-se de acordo com a
consciência individual do médico.
Essa abordagem tem como objetivo excluir, no que for possível, a subjetividade quanto
ao que possa ser objeto e o que não possa ser conteúdo da objeção de consciência médica.
Propõe-se, assim, a pesquisa do cenário jurídico que cerca o tema, sob o método de
abordagem dedutivo e de procedimento documental, observando-se, como técnica de
pesquisa, a coleta e análise doutrinária e legislativa.
A explanação é iniciada pela noção conceitual chave da expressão objeção de cons-
ciência, passando pela apresentação dos seus contornos normativos e f‌inalizando com a
exposição e análise de possíveis critérios (sugestivos) de aplicação prática.
Para f‌inalizar a introdução, esclarece-se que não haverá espaço, nos estritos limites
deste texto, para a análise aprofundada do tema, em especial quanto ao conceito e ao
conteúdo da liberdade, dos aspectos constitucionais envolvidos, e, tampouco, para um
estudo de todos os aspectos da consciência que comportam objeção. O enfrentamento
será essencialmente fundado nas questões com repercussão prática, que envolvem a
objeção de consciência do médico tendo como cenário o direito brasileiro, conquanto
seja utilizada tanto a doutrina brasileira quanto a estrangeira como referência, bem como
seja feita breve menção ao direito estrangeiro em matéria de interrupção voluntária de
gestação, como será justif‌icado oportunamente.
2. CONTORNOS CONCEITUAIS DA OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA MÉDICA
Diante do contexto exposto na introdução, tem-se que, embora a expressão seja
polissêmica e passível de ser vista sob diversos enfoques (sociológico, histórico, f‌ilo-
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