O abandono moral e a alienação parental como causadores de danos morais indenizáveis nas relações paterno-filiais

AutorMaria Celina Bodin de Moraes/Ana Carolina Brochado Teixeira
Páginas529-550
Capítulo 20
O ABANDONO MORAL E A ALIENAÇÃO
PARENTAL COMO CAUSADORES DE DANOS
MORAIS INDENIZÁVEIS NAS RELAÇÕES
PATERNO-FILIAIS
Maria Celina Bodin de Moraes
Ana Carolina Brochado Teixeira
Una d e las trampa s de la infan cia es qu e no hace falta
comprenderalgo para sentirlo. Para cuando la razón
escapaz de entender lo sucedido, las heridas en
el corazón ya son demasiado profundas.
– Carlos Ruiz Zafón
SUMÁRIO: 1. A responsabilidade civil nas relações familiares: os termos do
problema; 2. Família e responsabilidade civil no início do século XXI; 3. O con-
ceito de dano moral como lesão à dignidade humana; 4. Danos à integridade psi-
cofísica da criança e do adolescente nas hipóteses de abandono moral (ou afeti-
vo); 5. Danos à integridade psicofísica nos casos de alienação parental; 6. Con-
clusão.
1. A RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES FAMILIARES: OS TER-
MOS DO PROBLEMA
Quando se alude à noção de família, tem-se em mente uma relação da
qual ninguém desejaria abrir mão; trata-se de uma vivência, de um espaço
afetivo que todos – idosos, adultos e crianças – aspiram possuir e manter.1 Do
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1 Elizabeth Roudinesco afirma textualmente: “A família é atualmente reivindicada
como o único valor seguro ao qual ninguém quer renunciar. Ela é amada, sonhada e dese-
jada por homens, mulheres e crianças de todas as idades, de todas as orientações sexuais
ponto de vista da historiografia política, ultrapassada a fase radical do socia-
lismo utópico e a da revolta feminista,2 o fim da família dita burguesa só é
propugnado por raras minorias.3 Não se fala mais em crise ou em morte da
família,4 expressões relativamente comuns até a década de 1980.
A ideia de família experimenta um momento de esplendor, por assim
dizer, tendo-se tornado aspiração comum de vida, diante do desejo genera-
lizado de integrar formas agregadas de relacionamento, baseadas no afeto
recíproco, seja para em busca de reconhecimento social, seja, mesmo, em
prol de benefícios econômicos ou fiscais previstos em lei. Crise houve, mas
não investiu contra a família em si; seu alvo, agora se sabe, era o modelo
familiar único, absoluto e totalizante representado pelo casamento indisso-
lúvel.
A relação familiar não é mais unitária. Admitem-se, juridicamente,
configurações diferenciadas de família. A Constituição, em rol exemplifica-
tivo, reconheceu, no art. 226, além da família fundada no casamento, a união
estável entre homem e mulher e a família monoparental.5 Estas são evidên-
cias de que no Brasil de hoje, diferentemente de outrora, privilegia-se a es-
pontaneidade do afeto sobre estruturas formais, podendo-se entrever, tam-
bém aqui, a opção do constituinte em favor da igualdade, da solidariedade, da
integridade psicofísica e da liberdade também nas chamadas comunidades
intermediárias.
Para além dessas hipóteses, em maio de 2011, o Supremo Tribunal Fe-
deral considerou constitucionais as uniões entre pessoas do mesmo sexo.6
O relator, Min. Ayres Britto, votou no sentido de dar interpretação confor-
me à Constituição “para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Có-
digo Civil que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo
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e de todas as condições” (ROUDINESCO, Elizabeth. A família em desordem. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 198).
2 V., por todos, propondo o fim do patriarcado e, em consequência, a abolição da fa-
mília como a instituição que o consagrava, FIRESTONE, Shulamith. The dialectic of sex.
New York: Bantam, 1971 e MILLET, Kate. Sexual politics. London: Abacus, 1972.
3 Assim, DONZELOT, Jacques. A polícia das famílias. 3 ed. Rio de Janeiro: Graal,
2001, p. 11.
4 COOPER, David. A morte da família. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1980.
5 A respeito, v. BODIN DE MORAES, Maria Celina. A união entre pessoas do mes-
mo sexo: uma análise sob a perspectiva civil-constitucional. Revista Trimestral de Direi-
to Civil. Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, 2000, p. 89-112.
6 Ao julgar a Ação Direta de Inconsti tucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Des-
cumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132 o STF reconheceu a união estável
para casais do mesmo sexo. As ações haviam sido ajuizadas na Corte, respectivamente,
pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Estado do Rio de Janeiro.

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