Multiparentalidade

AutorPriscila Matzenbacher Tibes Machado
Páginas313-342
Capítulo 14
MULTIPARENTALIDADE
Priscila Matzenbacher Tibes Machado
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O paradoxo entre a lei e a sociedade; 3. Família –
breve análise histórica; 4. A família como entidade amparada por direitos univer-
sais; 5. A família contemporânea e o princípio da dignidade humana; 6. Família
e socioafetividade; 7. Paternidade; 8. A paternidade em termos jurídicos; 9.
Narrativa de um caso concreto de multiparentalidade; 10. Análise do caso cita-
do; 11. A primeira decisão pela multiparentalidade; 12. Novas decisões – ten-
dência jurisprudencial; 13. Multiparentalidade: melhor interesse do filho; 14.
Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A sociedade deve ser sempre analisada a partir de sua principal caracte-
rística: a mutação ou evolução, como queiram1. A família, como um núcleo
básico desse sistema maior também evolui ou muda. Como já ensinava Reale
que a regra ou a norma é o resultado da tomada de posição de uma lei cultu-
ral, perante a realidade, “implicando o reconhecimento da obrigatoriedade
de um comportamento”2. Pode-se acrescentar a interpretação teleológica,
afirmada por Rudolf Von Jering3 em sua obra “O Fim do Direito”, como não
poderia ser diferente; mira a compreensão do sistema jurídico como pacifica-
dor e resolutivo.
A análise dessas mudanças que ocorrem sempre em processos contínuos
não é tarefa fácil visto que o homem civilizado somente reconhece como so-
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1 LEOPARDI, Giacomo. Opúsculos morais. São Paulo: Hucitec, 1992, p. 103.
2 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 2. ed. São Paulo: José Bushatsky,
editor, 1974, p. 34.
3 COUTURE, Eduardo. Interpretação das Leis Processuais. São Paulo: Max Limonad,
1956.
cial um fato ou evento positivado4. Contudo, a normatização pode demorar
e se dar em total descompasso com a ocorrência social, ocasionando hiatos
jurídicos em meio a fatos que se impõe perante às normase abarrotam o Po-
der Judiciário bem como causam aflição às pessoas a ele submetidas, ante a
solução jurisdicional nem sempre satisfativa das suas reais necessidades.
Uma resposta deve ser dada da forma mais consentânea possível, não apenas
em seu caráter finalístico de meramente aplicar o direito posto a determina-
do fato, mas notadamente para refletir o caso e dar-lhe a melhor solução ju-
rídica sem olvidar dos aspectos ínsitos às relações sociais.
Para adentrar ao tema central deste trabalho, a compreensão da multipa-
rentalidade e sua aceitação como norma, tem-se que compreender a perspec-
tiva teleológica do Direito. Faz-se necessário ouvir Montesquieu, em sua obra
l’Esprit des Lois e sua exposição sobre causalidade, quando diz: “as leis são as
relações necessárias que derivam da natureza das coisas”5 eninguém melhor
do que Émile Durkheim para explicar o fato social como leis que regem as
relações sociais, até desprezando a posição Comtista – meramente finalística
— de evolução, progresso da sociedade com vistas ao atendimento de uma
definição preconcebida6. Para o filósofo-sociólogo francês o fato social é im-
perativo ao ser humano que acaba por, como exemplo, reproduzir ou adotar
determinado comportamento do mundo-posto sem mesmo dar-se conta de
que está sendo induzido a tanto e que não pode mudá-lo.
E define o que seriam fatos sociais, nos seguintes termos:
É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre
o indivíduo uma coerção exterior, (...) que é geral na extensão de uma socie-
dade dada, e, ao mesmo tempo, possui existência própria, independente de
suas manifestações individuais7.
Ainda pode-se rememorar da mesma fonte que o fato social possui uma
existência própria, independente das suas manifestações individuais. Não
importa a consciência individual, as normas de conduta existem de forma ex-
terna e independente da vontade e maneira de pensar de cada um.
Importante marcar de pronto que não se vislumbra neste trabalho aplicar
o método de Durkheim para provar ou não um fenômeno como fato social e,
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4 KELSEN. Hans. Teoria Pura do Direito. 4 ed. Coimbra: Armênio Amado, 1976.
5 MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, Baron de la. Do espírito das leis. São
Paulo: Abril Cultural, 1979.
6 DURKHEIM, Émile. Lições de Sociologia. São Paulo: Edusp, 1969.
7 DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Martin Claret,
2011, p. 40.

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