Responsabilidade civil nas relações conjugais

AutorJuliana de Sousa Gomes Lage
Páginas551-577
Capítulo 21
RESPONSABILIDADE CIVIL NAS
RELAÇÕES CONJUGAIS
Juliana de Sousa Gomes Lage
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Breve análise sobre a evolução da família no Bra-
sil. 3. Responsabilidade civil e deveres conjugais. 3.1. O novo conteúdo dos de-
veres conjugais. 3.2. Os efeitos decorrentes do descumprimento dos deveres
inerente às relações conjugais. 4. Responsabilidade civil nas relações conjugais.
5. Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
Discussão de grande valia que vem se acalorando na doutrina e jurispru-
dência pátrias é a aplicação dos princípios da responsabilidade civil às rela-
ções de família, motivada, substancialmente, pelas mudanças ocorridas nos
paradigmas da responsabilidade civil1, por um lado e, por outro, pelas mu-
danças intrínsecas advindas na família brasileira.2 No e ntan to, t ratar da re pa-
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1 Observa Maria Celina Bodin de Moraes que “importa ressaltar que a responsabilida-
de civil tem hoje, reconhecidamente, um propósito novo: deslocou-se o seu eixo da obri-
gação do ofensor de responder por suas culpas para o direito da vítima de ter reparadas
as suas perdas. Assim, o foco, antes posto na figura do ofensor, em especial na compro-
vação de sua falta – culpa –, direcionou-se à pessoa da vítima, seus sentimentos suas dores
e seus percalços”. MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à pessoa humana. Rio de Janei-
ro: Renovar, 2003, p. 12.
2 Segundo Ministro Luis Felipe Salomão no julgamento do REsp. 1183378 / RS:
“Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e,
consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo fa-
miliar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo do-
méstico chamado “família”, recebendo todos eles a “especial proteção do Estado”. As-
sim, é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito
histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de famí-
lia e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e
da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento — di-
ferentemente do que ocorria com os diplomas superados — deve ser necessariamente
plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o des-
ração dos danos morais no direito de família gera grande preocupação no sen-
tido de que tais ações de danos fossem originadas pela banalização, pelo lucro
fácil e pretensão oportunista entre familiares gerando a mercantilização das
relações extrapatrimoniais na esteira da chamada indústria do dano moral.3
Tal afirmação tem fundamento, ainda, no aumento da quantidade de a-
ções em que são pretendidas indenizações milionárias. Em grande parte delas
utiliza-se como fundamento do pedido a punição do infrator; pena que não
visa apenas coibir que a conduta danosa venha a se repetir, mas, de fato, visa
a uma satisfação de vingança pessoal entre os familiares envolvidos, como
ocorre, principalmente, no caso das ações propostas entre ex-cônjuges.
Não há dúvida de que a configuração do dano moral, como conceituado
por alguns autores, tem ensejado substancioso incentivo à malícia, à má-fé e
ao lucro fácil.4 Observe-se que nesse ambiente é necessário explorar cada vez
mais a dimensão atribuída pelo ordenamento jurídico vigente ao princípio da
dignidade da pessoa humana prevista no texto constitucional como funda-
mento da República Federativa do Brasil.
A ausência de preocupação em delimitar o conteúdo do dano indenizável
na relação familiar pode gerar graves equívocos. Se as hipóteses causadoras
de lesão à dignidade humana forem interpretadas de maneira incorreta, todas
as ações entre cônjuges, companheiros, noivos5 e parentes de uma maneira
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tinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior,
que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade.” (STJ, REsp n.
1183378, 4a T, Rel. Min. Luiz Felipe Salomão, julgado em 25/10/2011)
3 TJRJ, Apelação Cível n. 2004.001.13664, 4ª CC, Rel. Des. Mário dos Santos Paulo,
julgado em 08/09/2004. No voto do relator se lê: “trazendo como fachada a alegação de
ausência de afeto paterno, desencadeou a autora esta gananciosa pretensão oportunista,
com o claro objetivo de lucro fácil, na esteira da chamada indústria do dano moral, agora
com uma nova e perigosa ramificação, como sempre protegida pelo deferimento de gra-
tuidade de justiça [...] se assim não fosse, estar-se-ia abrindo uma larga porta de incentivo
às aventuras mercantilistas do gênero, sendo previsível nova enxurrada de processos em
que um dos cônjuges venha a pretender do outro, em razão da separação do casal, com-
pensação financeira pelas juras de amor até a fase do namoro.”
4 MORAES, Maria Celina Bodin de. Deveres parentais e responsabilidade civil. Re-
vista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, n. 31, ago./set. 2005, p. 49.
5 Destaca-se decisão que parece considerar inconteste o dever de fidelidade mútua
entre nubentes, in verbis: APELAÇÃO CÍVEL — INDENIZAÇÃO POR DANOS MA-
TERIAIS E MORAIS — NOIVADO DESFEITO ÀS VÉSPERAS DO CASAMENTO
— TRAIÇÃO — DANOS MATERIAIS E MORAIS CARACTERIZADOS — DEVER
DE INDENIZAR. A vida em comum impõe aos companheiros restrições que devem ser
seguidas para o bom andamento da vida do casal e do relacionamento, sendo inconteste
o dever de fidelidade mútua. O término de relacionamento amoroso, embora seja fato
natural da vida, gerará dever de indenizar por danos materiais e morais, conforme as cir-
cunstâncias que ensejaram o rompimento. São indenizáveis danos morais e materiais cau-

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