Da tutela

AutorAntônio Carlos Mathias Coltro
Páginas459-490
Capítulo 18
DA TUTELA
Antônio Carlos Mathias Coltro
Tudo o que faço recebe significado mais profundo pelo
cuidado” (AnselmGrün- “Despertar O Cuidado”,
Vozes, Petrópolis, 2005).
Nossa palavra “cuidadoso” vem do latim cura. Expressa a atitude
de cuidado, desvelo, preocupação e interesse pela pessoa (...) ou por
um objeto de estimação” (Idem).
1. O CAMINHO EM SEU INÍCIO
Já na Roma antiga era a tutela conhecida, pois, falecido o chefe da família,
a quem cabia autoridade sobre os filhos, sem relação com a idade que tives-
sem, tornavam-se eles sui juris, não impedindo isto, todavia e se ainda meno-
res, fossem-lhes nomeados tutores, para que cuidassem deles e dos bens que
possuíam.
Objetivando substituir o pátrio poder, assinala Orlando Gomes consti-
tuir-se a tutela em “(...) estrutura de caráter jurídico-familiar, localizando-
se, nos Códigos, no Livro dedicado ao Direito de Família. Organizada a tu-
tela à imagem e semelhança do pátrio poder, exige que a proteção do menor
seja confiada a uma pessoa que, por seu parentesco com o órgão, lhe dis-
pense, presumivelmente, os cuidados paternos. Daí a preferência estabe-
lecida para a nomeação dos tutores. Perdura a concepção estritamente fa-
miliar da tutela”,1 ainda que se admitindo a necessidade da intervenção o
Estado quanto à proteção dos menores, principalmente daqueles que este-
jam em situação de abandono, de que cuida o Estatuto da Criança e do Ado-
lescente.
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1 GOMES, Orlando. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 402.
Na lição de Rosa Maria de Andrade Nery, “Ao lado do instituto do poder
familiar (art. 1.630 do CC/002, que inclui o poder de guarda do menor – art.
1.634, II, do CC/2002), a tutela é um dos institutos jurídicos mais importan-
tes para o resguardo da igualdade plena da criança e do adolescente, verda-
deiro suporte de igualdade do sujeito, permitindo-lhe o exercício regular dos
direitos civis, sua representação, administração de seus bens e, principalmen-
te, proteção e zelo por sua pessoa”2.
Ainda conforme essa autora, “O poder de escolher tutor para os filhos é
decorrência do poder familiar (arts. 1.729 e parágrafo único, 1.635, I a V c/c
1.634, IV, do CC/2002). A nomeação feita pelos pais, depois de ocorridas as
hipóteses do art. 1.638, I e IV, do CC/2002, e antes da sentença do art.
1.635, V, do CC/2002, esbarra no comando deste art. 1.730 do CC/2002”,
arrematando, que, “O descumprimento do dever legal de proteção integral
do menor poder culminar na suspensão ou perda do poder familiar e justifi-
car a nomeação de tutos aos filhos menores”3.
Como referido por Luiz Edson Fachin, “O tutor ocupa o lugar jurídico
deixado pelo vazio da autoridade parental. Apresenta-se na morte dos pais,
na suspensão ou na destituição daquela função”4 ou, na sempre acertada pon-
deração de Álvaro Villaça Azevedo, se constitui em “[...] um instituto jurídi-
co que se caracteriza pela proteção dos menores, cujos pais faleceram ou que
estão impedidos de exercer o poder familiar, seja por incapacidade, seja por
terem sido dele destituídos ou terem perdido esse poder”5.
Quanto à curatela e como escrito por Paulo Nader, “Ao lado do poder fa-
miliar e da tutela, se destina a suprir a incapacidade para a prática de atos da
vida civil. Cada qual possui a sua nota distintiva. A do poder familiar consiste
na exclusividade do exercício pelos pais; a da tutela é o fato de referir-se a
menores não protegidos pelo poder familiar, enquanto a da curatela está na
peculiaridade de a proteção recair em pessoa maior ou emancipada”6.
Assim e na síntese de Fachin, “No modelo do Código, a curatela vem
como ofício em favor dos que não se acham em condições de agir juridica-
mente por si próprios”7.
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2 NERY, Rosa Maria de Andrade. Manual de direito civil: família. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2013, p. 323.
3 NERY, Rosa Maria de Andrade. Manual de direito civil: família. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2013, p. 315-316.
4 FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Renovar: Rio de Ja-
neiro, 1999, p. 250.
5 AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Direito de família. São Paulo: Atlas, 2013, p. 386.
6 NADER, Paulo. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, v. 5, p. 651.
7 FACHIN, Luiz Edson. Elementos críticos do direito de família. Renovar: Rio de Ja-
neiro, 1999, p. 261.
Conforme Álvaro Villaça Azevedo, “A tutela e a curatela são institutos
jurídicos protetivos dos incapazes, que não podem praticar, por si ou sem al-
guma assistência, conforme o caso, atos da vida civil, objetivando, por isso, o
suprimento dessas incapacidades de fato. No Direito Romano, a tutela e a
curatela são institutos relativos aos atos patrimoniais, não à vigilância da pes-
soa, sendo limitada a capacidade de agir da pessoa sob tutela (pupilo) e sob
curatela, ensina Pietro Bonfante. No Direito Romano antigo, tutela e curate-
la aparecem distintas, sendo a tutela mais arcaica”8.
Seguindo, assinala: “A tutela aparece como um poder e um direito antes
que uma função exercitada no interesse do pupilo (manus, potestas, ius). A
curatela nasce como um simples instituto protetivo e destinada, por assim
dizer, desde sua origem, a fins altruísticos”9.
Adverte Rosa Maria de Andrade Nery e com acerto, que, embora estando
o Direito Tutelar incluído no Direito de Família, “[...] a atuação de autorida-
de do juízo tutelar, do tutor e do protutor (art. 1.742 do CC/2002) deve ser
orientada pelas regras de interpretação e de preenchimento de lacunas pró-
prias do direito público administrativo, de que a Lei 8.069/1990 é exemplo
no nosso macrossistema jurídico (Neste sentido: Furrer; Affolter; Steck; Vo-
gel; Handkommentar, p. 447, comentário 2 do 360 do ZGB – Código Civil
suíço)”10.
O presente trabalho procurará realizar abordagem sobre o primeiro de
tais institutos jurídicos, segundo o desenho a ele dado pelo Código Civil de
2002, elaborando-se referências aos vários aspectos objeto de sua regulamen-
tação, comparando-os com o Código de 1916, referido com tal denominação
ou simples alusão ao ano de 1916, enquanto e no concernente à primeira de
tais codificações será utilizada a expressão NCC (novo Código Civil), de for-
ma a facilitar o entendimento do texto, que se espera contribua, ainda que
não com a amplitude necessária, para o estudo a respeito do tema de que aqui
se cuida, invocando-se, sempre que possível, precedentes da jurisprudência
relativa ao Código de 1916 e do atual.
Também no ECA podem ser divisadas disposições sobre o instituto da
tutela (art. 36), nas hipóteses de perda ou destituição do pátrio poder dos
menores de 21 anos, idade que está a partir da vigência do novo Código Civil,
cujo caput do art. 5º dispõe: “A menoridade cessa aos dezoito anos comple-
tos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”. O
procedimento para sua concessão, no entanto, é remetido à Lei Civil.
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8 AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Direito de família. São Paulo: Atlas, 2013, p. 383.
9 AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Direito de família. São Paulo: Atlas, 2013, p. 383.
10 AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Direito de família. São Paulo: Atlas, 2013, p. 323.

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