As famílias reconstituídas

AutorMaria Goreth Macedo Valadares
Páginas123-149
Capítulo 5
AS FAMÍLIAS RECONSTITUÍDAS
Maria Goreth Macedo Valadares
Efetivamente o que faz alguém ser pai não é apenas o ato físico da ge-
ração, mas principalmente o engajamento afetivo, psicológico e moral.
É esse engajamento que confere valor e dignidade à paternidade. Este
pode até estar ausente naquele que gerou fisicamente o filho. Se não
tiver esse engajamento, é menos pai que o pai adotivo. Parece ter sido
esta a atitude de José. Assumiu tudo de Jesus e de Maria. Dando o
nome “Jesus” à criança, assume essa criança com tudo o que vem im-
plicado de compromissos e deveres. (BOFF, Leonardo. São José: a per-
sonificação do pai. Campinas: Versus, 2005, p. 54)
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Famílias Reconstituídas. 3. Do parentesco. 4.
Efeitos jurídicos. 5. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A família, assim como a sociedade, evoluiu e, dessa evolução, vários fo-
ram e são os efeitos surtidos. A Constituição Federal de 1988 foi, sem dúvi-
da, determinadora de grande parte dessas mudanças, influenciando de forma
substancial no Direito de Família.
A preocupação com o ser humano trouxe a possibilidade de novas formas
de família, além da fundada no matrimônio; a igualdade dos filhos, inde-
pendentemente do estado civil dos pais e a afetividade como fator determi-
nante das relações familiares são exemplos das profundas alterações introdu-
zidas pela nova ordem jurídica de 1988.
E, nessa época de famílias sem molduras, surge a família reconstituída,
fruto da união de pessoas que fizeram parte de outras famílias em um deter-
minado momento e, como o próprio nome diz, resolveram refazer suas vidas.
Essas famílias têm como característica essencial a presença de filhos anterio-
res, seja de um dos pares do casal ou de ambos.
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A grande questão que se percebe nesses núcleos familiares é a produção
ou não de efeitos jurídicos decorrentes dos laços formados entre os membros
dessas famílias, ou, melhor dizendo, entre os filhos das famílias reconsti-
tuídas.
Qual será o vínculo entre os meus, os seus e os nossos filhos? Poderia exis-
tir um vínculo paterno-filial entre seus membros capaz de repercutir efeitos
no mundo do Direito?
É sabido que a parentalidade deixou de ter como parâmetro simplesmen-
te a lei ou a biologia, mas muito mais do que isso seu fundamento hoje está
na demonstração do ser pai, do ser filho. A filiação, assim como a nova famí-
lia, está pautada na afetividade, utilizada de forma essencial para o deslinde
das questões familiares.
Para se chegar às famílias reconstituídas alternativa não há senão uma es-
tada pelas famílias monoparentais, formadas por um dos genitores e seus de-
scendentes. Seja qual for a origem desses núcleos monoparentais, eles são um
estágio obrigatório no caminho rumo à reconstituição de outra família.
E, uma vez desfeita a monoparentalidade pela união estável, homoafetiva
ou pelo casamento daquele genitor que a formava, eis que surge a entidade
familiar objeto do presente trabalho: a família reconstituída.
Na tentativa de encontrar respostas para as dúvidas que surgem e, mais
do que isso, de trazer outras reflexões, convida-se o leitor a penetrar no mun-
do das famílias reconstituídas, entidade familiar cada vez mais presente1
num cotidiano em que os desenlaces conjugais deixaram de ser uma exceção.
2. FAMÍLIAS RECONSTITUÍDAS
As famílias monoparentais,2 formadas por apenas um dos genitores e seus
descendentes, são, em sua grande maioria, momentâneas, o que torna de
grande valia o estudo das famílias reconstituídas,3 estágio alcançado após o
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1 O censo do IBGE, pela primeira vez no ano de 2010 incluiu as famílias reconstituí-
das em suas pesquisas. De acordo com o órgão, o aumento dos divórcios levou ao cresci-
mento significativo dessas entidades familiares que representam hoje 16% das famílias
brasileiras. Disponível em: “http:// agenciabrasil. ebc.com.br/noticia/2012-10-17/ibge-
identifica-16-das-familias-com-formacao-nao-tradicional”. Acesso em: 25 out. 2012.
2 Art. 226, § 4º, da Constituição Federal: “Entende-se, também, como entidade fami-
liar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. Art. 25 do ECA:
“Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e
seus descendentes”.
3 Há, na doutrina brasileira, grande variedade de nomes para denominar essas famí-
lias. São chamadas de recompostas, mosaico, tentaculares, complexa e multinucleares.
Optou-se nesse trabalho por chamá-las de reconstituídas, pela ideia de ser uma família

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