Invalidades matrimoniais: revisão de sua disciplina jurídica em face do novo conceito de família

AutorRenata Barbosa de Almeida/Iara Antunes de Souza
Páginas63-91
Capítulo 3
INVALIDADES MATRIMONIAIS: REVISÃO DE
SUA DISCIPLINA JURÍDICA EM FACE DO
NOVO CONCEITO DE FAMÍLIA
Renata Barbosa de Almeida
Iara Antunes de Souza
SUMÁRIO: 1. Família e Direito: a inevitável interligação e a necessidade de um
compasso. 2. Do casamento à família matrimonial. 3. Conceito e natureza jurí-
dica da família matrimonial. 4. Teoria das invalidades. 4.1. Aspectos gerais e es-
pécies de invalidades. 4.2. Invalidades matrimoniais: aplicáveis aspectos da teo-
ria geral e peculiaridades. 5. Considerações finais.
1. FAMÍLIA E DIREITO: A INEVITÁVEL INTERLIGAÇÃO E A NECESSIDA-
DE DE UM COMPASSO
A família é considerada a célula, a base fundamental da sociedade. Sua
existência é, por isso, secular. Quiçá possa considerá-la como uma das forma-
ções mais antigas. Paradoxalmente, também é possível afirmar ser ela ainda
plenamente atual. Transcorridas diferentes épocas, a família persistiu. E, as-
sim, exatamente por acompanhar o desenvolvimento social, adequando-se a
ele conforme necessário: “a mudança de sociedade é o elemento informador
para a evolução da família”1.
Nisso encontra-se a grande dificuldade de sua definição. Diante de tantas
alterações – em virtude da adaptação à conjuntura social –, a família alcança
variados conceitos. Significações diversas condizentes com diferentes mo-
mentos históricos. Em vista disso, não há um único sentido para o termo, ao
menos de caráter atemporal.
Considerando a grande importância social da família, coerente é o fato de
o Direito dela se ocupar. Com a função de harmonizar as relações sociais, o
Direito considera a família como o principal ambiente onde essas ocorrem.
Ao destinar-lhe tutela, preserva a própria sociedade.
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1 FACHIN, Rosana Amara Girardi. Em busca da família do novo milênio. Rio de Ja-
neiro: Renovar, 2001, p. 79.
Destaque-se quanto a isto, então, que a família, embora alvo de atenção
jurídica, sendo uma realidade social, precede ao Direito, não sendo, portan-
to, criação deste. O sistema jurídico apenas a reconhece e concede-lhe pro-
teção. Nesse sentido, há necessidade de o reconhecimento ser verdadeiro,
não desvirtuado, sob pena de se formular um indevido tratamento jurídico.
A família é, antes de tudo, uma realidade social (...) sua disciplina legal uma
construção necessariamente reconstrutiva; o direito trabalha com conceitos
preexistentes que procura organizar. A família, como estado de fato, não é
produto do direito, mas geradora de fenômenos jurídicos.2
Se a compreensão da família se condiciona ao ambiente social e o Direito
pretende dispensar-lhe tutela válida, imperioso é que este se mostre atento
às eventuais alterações de significado pelas quais aquela pode passar. Afinal,
conforme já bem enunciou Claus-Wilhelm Canaris, o Direito preserva sua
utilidade e eficácia quanto mais fielmente consegue representar a realidade
social na qual se insere e à qual se dirige. Ao revés, caso haja discrepância en-
tre estes universos – real e jurídico –, comprometida a função precípua da
ordem jurídica, qual seja, ordenar a sociedade.3
Neste ponto, justifica-se este estudo. Considerando que a família passou
– e passa – por mudanças de teor semântico, importante se faz voltar a aten-
ção para alguns pontos da disciplina jurídica a ela destinada, em vistas do seu
conceito atual. O propósito é verificar o acerto ou o descompasso da organi-
zação proposta pelas normas jurídicas em face do universo familiar ôntico a
organizar. Mais especificamente, o presente trabalho propõe-se a rever, no
contexto contemporâneo, o tratamento normativo dedicado às invalidades
do casamento. Esta intenção, no entanto, é modesta; muito longe de tentar
esgotar o assunto, através da apresentação de respostas, pretende-se incitar
dúvidas, trazendo a reflexão.
2. DO CASAMENTO À FAMÍLIA MATRIMONIAL
A codicística oitocentista, como um todo, e o Código Civil de 1916, em
particular, formaram-se sob flagrante e decisiva influência de aspirações so-
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2 VIANA, Rui Geraldo Camargo. A família. In NERY, Rosa Maria de Andrade; VIA-
NA, Rui Geraldo Camargo; Temas atuais de direito civil na Constituição Federal. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 46. No mesmo sentido: RAMOS, Carmem Lúcia
Silveira. Família sem casamento. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 23.
3 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência
do direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.

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