Curatela

AutorJoyceane Bezerra de Menezes
Páginas491-527
Capítulo 19
CURATELA*
Joyceane Bezerra de Menezes
SUMÁRIO: 1. Introdução: conceito e algumas notas. 2. Pressupostos da curate-
la. 2.1. Curatela e impossibilidade de expressão da vontade. 2.2. Vício em álcool
e outras drogas. 2.3. Pródigos. 2.4. Outras hipóteses de curatela: enfermo capaz
de decidir e sobre os bens do nascituro. 3. Da ação de curatela (ou interdição?):
pressuposto jurídico da curatela. 3.1. Legitimidade ativa. 3.2. Aferição da inca-
pacidade pelos especialistas e o convencimento do Juiz. 3.3. Pessoas habilitadas
ao exercício da curatela. 3.4. Do exercício da curatela – finalidade e limites. 3.5.
Efeitos da sentença que define a curatela. Conclusões.
1. INTRODUÇÃO: CONCEITO E ALGUMAS NOTAS
A curatela é um dos institutosdo direito protetivo que, ao lado da tutela e
do poder familiar se presta a proteção dos incapazes1. Enquanto a tutela é
* O presente texto é parte dos estudos desenvolvidos no curso do estágio pós-doutoral
sob supervisão de Maria Celina Bodin de Moraes, na Universidade do Estado do Rio de Ja-
neiro, a quem manifesto especial agradecimento pelas instigantes e produtivas críticas e
orientações. Parte das atividades previstas na execução do Projeto intitulado “A simbiose en-
tre o público e o privado no Direito civil-constitucional: uma discussão sobre o espaço da
autonomia ético-existencial, intimidade e vida privada”, no: 552337/2011-0. Chamada Pú-
blica MCT/CNPq/MEC/CAPES – Ação Transversal nº 06/2011 – Casadinho/Procad.
1 A curatela não se presta aos menores incapazes, aos quais se aplica o poder familiar
ou a tutela. Na leitura jurisprudencial: APELAÇÃO CÍVEL — AÇÃO DE INTERDI-
ÇÃO — CURATELA — MENOR IMPÚBERE — ABSOLUTAMENTE INCAPAZ —
SUBMISSÃO AO PODER FAMILIAR — DESCABIMENTO DO PROCEDIMENTO
DE INTERDIÇÃO — EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO — IMPOSSIBI-
LIDADE JURÍDICA DO PEDIDO — RECURSO DESPROVIDO. — A curatela é ins-
tituto do Direito Civil aplicável aos maiores de idade, sendo certo que os menores impú-
beres estão sob a égide do poder familiar ou são submetidos ao procedimento de tutela.
— Dever ser extinto o processo, sem resolução de m érit o, no qual a mãe pleiteia a inter-
dição de sua filha menor impúbere, ante a impossibilidade jurídica do pedido. TJMG,
Apelação Cível n. 1.0024.13.050312-1/001, 5ª CC, Rel. Des. Versiani Penna, julgamen-
to em 29/08/2013
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o encargo conferido à pessoa capaz para administrar a pessoa e os bens do
menor; a curatela é o munus público2 de administrar a pessoa e/ou os bens
dos maiores de dezoito anos, dos emancipados ou daqueles que, por si mes-
mos, não podem fazê-lo, em virtude de uma causa determinada e duradoura.
Também estão sujeitos à curatela, os bens de pessoas não nascidas, quando o
respectivo genitor for morto ou não puder, assim como a mãe, exercer o po-
der familiar.
Para além da curatela prevista no direito de família, há outras curadorias
especiais: i) a curadoria especial ou curadoria à lide, nos termos do art. 9º
do Código de Processo Civil Brasileiro — CPCB)3, dispensada aos incapazes
que estiverem litigando sem o representante legal ou quando os seus inte-
resses forem colidentes com os deste; e, ao réu preso, bem como ao revel
citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado.
ii) a curadoria da herança jacente, nos termos do art. 1.819, do CCB e do
art.12, IV, do CPCB (art.75, VI, do novo CPC); e, iii) a curadoria estabe-
lecida pelo testador que favorece, em seu testamento, a prole eventual de
pessoa existente ao tempo da abertura da sucessão, nos termos do art.1.799
e 1.800, do CCB. O novo Código de Processo Civil, no Título II “Da co-
municação dos atos processuais”, Capítulo II, “Da citação”, diz que o juiz
nomeará um curador àquele, citando que é mentalmente incapaz ou está
impossibilitado de receber a citação, independentemente de prévia interdi-
ção (art.245, § 4º). Para atestar essa impossibilidade, o juiz nomeará médico
que apresentará laudo no prazo de cinco dias ou aceitar a declaração do
próprio médico que acompanha a parte, declarando a sua incapacidade. No-
meado o curador, a citação será feita na pessoa deste que se incumbirá da
defesa dos interesses do citando (art.245. § 4º), independentemente do
processo de interdição.
A curatela é um instituto vigente no país desde o período da Colônia. Seus
principais contornos foram legados do Direito Romano que influenciou
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2 “Consiste em um munus público, que é conferido a certas pessoas, nos termos da lei,
e exercitável em favor da comunidade, sob fiscalização do Estado. (RIZZARDO, Arnal-
do. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.971).
3 Nos termos do novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de
2015, cuja vigência se iniciará em 15 de marco de 2016, essa curadoria especial é prevista
no art.72. “O juiz nomeará curador especial ao: I — incapaz, se não tiver representante
legal ou se os interesses deste colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade;
II — réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com hora certa, enquan-
to não for constituído advogado. Parágrafo único. A curatela especial será exercida pela
Defensoria Pública, nos termos da lei”.
substancialmente as ordenações portuguesas4. As Ordenações Filipinas5, por
sua vez, inspiraram o Código Civil Brasileiro, de 1.916 que continuou servin-
do de parâmetro para o atual Código. Ao longo de todo o tempo, a finalidade
primordial da curatela foi a de proteger o incapaz no mundo do Direito, es-
pecialmente quando da prática dos atos civis. Porém, a observar a estrutura
do Direito Civil tradicional, os atos civis concentravam na seara dos contra-
tos, no regime de apropriação e no âmbito das relações familiares, os três pi-
lares centrais do sistema privado6. O contrato, como expressão da autonomia
da vontade; o regime de apropriação expresso na posse e na propriedade so-
bre as coisas, e, a família, como organização social fundamental ao equilíbrio
da sociedade.
A pessoa de que trata o Código Civil, surge do nascimento com vida e
extingue-se com a morte. Em virtude de sua personalidade jurídica torna-se
potencial destinatária das normas jurídicas, como um sujeito de direitos e de
obrigações capaz de integrar diversas relações jurídicas. Mas como nem todos
os seres humanos tem igual capacidade de agir, no âmbito do Direito, coube
ao regime das incapacidades definir a medida concreta dos direitos e deveres
dos quais a pessoa poderá ser titular e destinatária, respectivamente7.
No plano do direito protetivo, aquele que é considerado relativa ou abso-
lutamente incapaz receberá o suporte necessário para o trânsito da vida civil,
por meio do poder familiar, da tutela ou da curatela8. O perfil funcional das
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4 Muito embora o instituto já estivesse presente em documentos muito mais antigos,
como a Lei das XII Tábuas. “Tábua V – Das Herança e Tutelas, tinha-se que: “8. Se al-
guém torna-se louco ou pródigo e nato tem tutor, que a sua pessoa e seus bens sejam
confiados à curatela dos aguados e, se não há agnados, à dos gentis.” Disponível em:
“http://api.adm.br/direito/TABUAS.htm.” Acesso em 17.02.2015.
5 A curatela é objeto do Título CIII – Dos curadores, que se dão aos Pródigos e Men-
tecaptos —, Livro IV, das Ordenações Filipinas. (Disponível em “ http://www1.ci.
uc.pt/ihti/proj/filipinas/l4p1004.htm”; acesso em 11 de dezembro de 2014).
6 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000,
p. 13.
7 CORDEIRO, António Menezes. Tratado de direito civil.Coimbra: Almedina, 2011,
v. 4, p. 357.
8 Na síntese de Arnaldo Rizzzardo, “o reconhecimento do pleno exercício dos direitos
e das potencialidades do ser humano corresponde não à capacidade, mas à personalidade.
Mesmo a criança, ou o recém-nascido, ou o louco, ou o portador de enfermidade que o
desliga da realidade, são pessoas dotadas de personalidade, com a plenitude dos direitos.
No entanto, qualquer deles não está apto, por si só, a praticar muitos atos da vida civil,
como celebrar negócios, votar, ser votado, representar outros, exercer cargos de com-
mando, decider, optar, destinar patrimônio, contrair obrigações, atuar na administração,
e assim em várias outras funções e atividades.” RIZZARDO, Arnaldo. Parte geral do Có-
digo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 195.

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