Regime de bens no casamento e partilha

AutorCristiane Giuriatti Gandra/Beatriz de Almeida Borges e Silva
Páginas343-401
Capítulo 15
REGIME DE BENS NO CASAMENTO
E PARTILHA
Cristiane Giuriatti Gandra
Beatriz de Almeida Borges e Silva
SUMÁRIO: Introdução. 1. Direito intertemporal do regime patrimonial do ca-
samento. 2. Princípios informadores dos regimes de bens. 2.1. Princípio da liber-
dade de pactuar: requisitos de validade e fatores de eficácia do pacto antenup-
cial. 2.1.1. Exceção ao princípio da liberdade de pactuar: o regime da separação
obrigatória de bens. 2.2. Princípio da mutabilidade justificada e submetida ao
crivo judicial. 2.3. Igualdade e cogestão advindas da CF/88 e recepcionadas pelo
atual Código Civil. 3. Dos diferentes regimes de bens. 3.1. Do regime de comu-
nhão parcial de bens. 3.2. Do regime da comunhão universal de bens. 3.3. Do
regime de participação final nos aquestos. 3.4. Do regime da separação conven-
cional de bens. 4. Do re gime de b ens no ca samento de brasileiros celebrados no
exterior. 5. Das vendas e doações entre cônjuges. 6. Dos bens adquiridos duran-
te a separação de fato. 7. Da pa rtilh a de ben s.
INTRODUÇÃO
A comunhão plena de vida estabelecida pelo casamento (art. 1.511 do
CC) produz efeitos tanto na esfera pessoal quanto na esfera patrimonial dos
cônjuges. Quatro efeitos jurídicos surgem de imediato: a constituição de uma
família legalizada; a mútua assunção, pelo casal, da condição de consortes,
companheiros e responsáveis pelos encargos da família (art. 1.565 do CC); a
imposição de deveres aos cônjuges (art. 1.566 do CC) e entrada em vigor do
regime de bens (art. 1.639, § 1º do CC).
Como a convivência familiar promove a conjunção de aspectos afetivos e
também econômicos, revela-se imprescindível a regulamentação dos efeitos
patrimoniais em relação aos cônjuges e a terceiros, de modo a preservar os
diversos interesses existentes. Nesse sentido, a imposição de um regime de
bens é uma das consequências inevitáveis do casamento: não há casamento
que não esteja submetido a um regime de bens, que pode ser convencional ou
legal.
O regime de bens faz parte do Título II do Livro IV, destinado a discipli-
nar os efeitos patrimoniais do casamento, onde, além dos regimes de bens, se
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encontram ainda disciplinados o pacto antenupcial, o usufruto e a adminis-
tração dos bens de filhos menores, os alimentos e o bem de família.
Também conhecido como “estatuto patrimonial dos cônjuges”,1 o regi-
me de bens pode ser entendido como o conjunto de regras que visa a dis-
ciplinar as relações patrimoniais da entidade familiar, relativas à propriedade,
disponibilidade, administração, gozo dos bens, responsabilidade pelas dívidas
e à própria liquidação do regime, quando da dissolução do vínculo conjugal,
sendo certo que não só os bens adquiridos no curso da comunhão de vida se-
rão afetados, mas também os bens privativos de cada um dos consortes.
Não se pode olvidar, entretanto, que a repercussão econômica do casa-
mento está submetida ao seu caráter afetivo-solidarista, já que essas relações
patrimoniais são, necessariamente, informadas pelos princípios constitucio-
nais, em especial marcadas pela igualdade substancial (art. 3º e 5º da CF) e
pela solidariedade social (art. 3º da CF).2
O Código Civil de 1916 regulava os seguintes regimes de bens: comu-
nhão universal (arts. 262 a 268); comunhão parcial (arts. 269 a 275); separa-
ção (legal e convencional, arts. 276 e 277) e dotal (arts. 278 e 311), qualquer
deles vigorantes a partir da data do casamento (art. 230).
O atual texto civil traz no Título II (Direito Patrimonial), do Livro IV (Do
Direito de Família), quatro regimes-tipo, ou convencionais: comunhão parcial
(art. 1.658 a 1.666); comunhão universal (art. 1.667 a 1.671); participação fi-
nal nos aquestos (art. 1.672 a 1.686) e separação (arts. 1.687 a 1.688).
No sistema anterior era irrevogável o regime de bens. Pela nova legisla-
ção, conforme será tratado mais detalhadamente adiante, além da supressão
do regime dotal, pois em completo desuso, e da previsão da participação final
dos aquestos, estabeleceu-se a admissibilidade de “alteração do regime de
bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônju-
ges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de
terceiros” (art. 1.639, § 2º).
Vale a nota de que as regras aqui analisadas incidem da mesma forma para
os casamentos e uniões estáveis homoafetivas, sem qualquer distinção, dian-
te do que vem sendo decidido pelos Tribunais brasileiros, especialmente pelo
Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, que no julga-
mento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art.
1.723 do CC interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo
significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e dura-
doura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.3
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1 GOMES, Orlando. Direito de família. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 163.
2 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 4 ed.
Salvador: Juspodivm, 2012, v. 6, p. 315.
3 STF, ADPF n. 132, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ayres Britto, julgado em
05/05/2011. Posteriormente, tomando a decisão do STF como referência, o STJ confe-
1. DIREITO INTERTEMPORAL NO REGIME PATRIMONIAL DO CASA-
MENTO
Como qualquer manifestação cultural humana, as leis também são tran-
sitórias. Lembra Wilson de Souza Campos Batalha que “tudo o que existe
desliza num perpétuo fluxo, na corrente da vida, ao perpassar dos tempos”.4
Especialmente quanto ao Direito de Família, Carlos Alberto Menezes Direi-
to afirma que “não há instituição, por mais que se queira conservadora, que
tenha exigido dos legisladores um tratamento de constante trânsito para per-
mitir que sejam atualizados os seus institutos, a começar do próprio conceito
de entidade familiar.”5 Todavia, existem situações que não podem ou não de-
vem ficar sujeitas ao nascimento de uma lei nova, pois a segurança jurídica
impõe a estabilidade das relações e das situações, protegendo a confiança no
Direito. Por outro lado, os valores de justiça e bem comum, de interesse so-
cial e público, exigem a aplicação imediata de novos cânones. Eis o problema,
a dinâmica da intertemporalidade.
As disposições finais e transitórias do Código Civil de 2002 trazem im-
portante norma de direito intertemporal aplicada ao regime de bens, dispon-
do o art. 2.039 que prevalecerá o regime vigente na época da celebração do
casamento. Em outros termos, todas as pessoas casadas antes da vigência do
Código Civil de 2002, ou seja, 11 de janeiro de 2003, terão seu regime de
bens regulados pelo Código anterior. Entretanto, vale ressaltar que somente
as regras específicas acerca de cada regime se aplicam em conformidade com
a lei vigente à época da celebração do casamento, mas, quanto às disposições
gerais comuns a todos os regimes,6 previstas nos arts. 1.639 a 1.657, aplica-se
o novo Código Civil, inclusive para os casamentos celebrados anteriormente
a 11 de janeiro de 2003, pois são consideradas regras de ordem pública.7
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riu tratamento isonômico também ao casamento homoafetivo em julgamento realizado
pelo STJ, REsp n. 1183378, 4ª T, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em
25/10/2011.
4 BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito intertemporal. Rio de Janeiro: Foren-
se, 1980, p. 47.
5 DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Da união estável no novo Código Civil. In:
BASTOS, Eliene Ferreira e SOUSA, Asiel Henrique de (Org.). Família e jurisdição.
Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 45.
6 As disposições constantes dos artigos 1.639 a 1.657 não versam sobre regime de
bens, mas compõem o chamado direito patrimonial primário e prescrevem os princípios
aplicáveis à sociedade conjugal, do ponto de vista dos seus interesses patrimoniais. Dis-
ciplinam, no âmbito da sociedade conjugal, a propriedade, a administração, o gozo e a
disponibilidade dos bens e obrigações que os cônjuges podem ou não assumir, qualquer
que seja o regime de bens.
7 MAXIMILIANO, Carlos. Direito intertemporal. 2 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1955, p. 86.

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