Ações Constitucionais

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas657-747
Capítulo 20
Ações Constitucionais
20.1. Introdução
Os direitos fundamentais individuais de primeira dimensão consagrados
pela Constituição poderiam ficar esvaziados, se não viessem acompanhados de
determinadas ações constitucionais, também denominadas remédios heroicos
ou writs constitucionais, que lhes conferissem a devida efetividade ou eficácia
social.
Portanto, foi com tal objetivo que o direito constitucional pátrio concebeu
uma plêiade de ações constitucionais de ordem processual voltadas para a ga-
rantia desses direitos, sem os quais ficariam esvaziados a ponto de se tornarem
preceitos escritos que não se cumprem, sem nenhuma autoridade ou valia nor-
mativa.
É por isso que tais writs constitucionais são denominados “direitos ao qua-
drado”, exatamente em função desse objetivo de atuar como garantia proces-
sual de outros direitos, ou seja, uma vez violados direitos fundamentais indivi-
duais, seus titulares podem acionar prestações jurisdicionais, com uma celerida-
de maior do que nas ações judiciais ordinárias. Com rigor o conceito de “direitos
ao quadrado” projeta a ideia-força de que não basta apenas a positivação de di-
reitos fundamentais individuais no rol jusfundamental do cidadão comum, é ne-
cessário, também, criar um conjunto de ações processuais constitucionais de
proteção destes direitos.
Na linha do tempo, deve-se ao constitucionalismo anglo-saxão a criação dos
primeiros instrumentos jurídicos de garantia individual contra ilegalidade ou
abuso de poder, sendo justo homenagear a célebre carta de direitos inglesa
(Magna Carta de 1215), outorgada pelo rei João Sem Terra, como a precursora
da garantia da liberdade não apenas para o povo inglês, mais um instrumento
jurídico que se espraiou por toda a humanidade. Com efeito, a expressão writ
tem origem na carta de direitos inglesa e vem do verbo “to write”, cujo signifi-
cado é escrever (no senso comum) e ordenar (no campo jurídico). Daí a ideia de
writ constitucional simbolizando uma ordem constitucional, um mandamento
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constitucional, uma ação constitucional mandamental, ou seja, o remédio heroi-
co contra o abuso de poder dos agentes do Estado.
Assim sendo, os remédios constitucionais nascem como componentes da
primeira dimensão dos direitos fundamentais atrelados ao constitucionalismo
garantista liberal, na medida em que concebidos como ações de índole proces-
sual estabelecidas pela ordem jurídica constitucional para garantir a fruição da-
queles direitos declarados pela Constituição (bens ou valores a se-rem protegi-
dos). Ou seja, as liberdades individuais simbolizam bens ou valores (primeira
dimensão) que foram declarados dentro do texto constitucional, enquanto que
os remédios constitucionais foram criados como elementos assecuratórios des-
ses bens ou valores declarados.
No entanto, com o passar do tempo e sob a influência da teoria dimensional
dos direitos fundamentais, as ações constitucionais foram estendidas para a ter-
ceira dimensão, composta dentre outros, pelos direitos coletivos. É nesse diapa-
são que irá surgir o mandado de segurança coletivo, positivado expressamente
na Constituição de 1988 e, na sua esteira, por analogia, a figura jurídica do man-
dado de injunção coletivo.
É fora de dúvida, pois, a natureza processual e acessória dos writs constitu-
cionais, instrumentos colocados à disposição do cidadão comum para assegurar
a efetividade ou eficácia social dos direitos fundamentais, estes, sim, disposiçõ-
es declaratórias de bens ou valores a serem tutelados. Com isso, pode-se afirmar
que o eixo jurídico-processual dos remédios constitucionais é corrigir violações
dos direitos fundamentais, invalidando ou impedindo os efeitos de um ato in-
constitucional.1
As ações constitucionais ou remédios constitucionais são os instrumentos
constitucionais para a proteção dos direitos humanos. As garantias constitucio-
nais dos direitos fundamentais estão previstas na Constituição, tais como o ha-
beas corpus, a ação popular, o habeas data, o mandado de injunção. A este con-
junto de instrumentos processuais dá-se o nome de remédios constitucionais.
Melhor dizendo: são os instrumentos colocados à disposição do cidadão, no tex-
to constitucional, para prevenir lesões ou reparar aquelas que já tenham sido
cometidas em desfavor dos indivíduos. As garantias constitucionais repre-
sentam o gênero, nas quais os remédios constitucionais são as espécies. Daí que
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1 No dizer de Paulo Hamilton Siqueira Junior: Os writs constitucionais são verdadeiros
remédios constitucionais na medida em que têm a finalidade de impedir ou invalidar os
efeitos de ato contrário à Constituição; é o verdadeiro remédio contra a irregularidade
constitucional. A defesa dos direitos humanos exterioriza-se de diversas maneiras: princípio
da legalidade, supremacia da Constituição, separação dos poderes. Mas a real efetividade
surge no âmbito processual, em especial, por intermédio dos writs constitucionais, a denomi-
nada jurisdição constitucional das liberdades. SIQUEIRA JUNIOR, Paulo Hamilton. Direito
processual constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 356.
o termo garantia constitucional é mais abrangente e pode abranger qualquer
tipo de instrumento necessário a proteção dos direitos fundamentais violados
ou não satisfeitos.
Na qualidade de processos constitucionalmente reconhecidos, cuja função
é corrigir danos causados por atos estatais arbitrários eivados de inconstitucio-
nalidade por violação de direitos fundamentais, os remédios constitucionais são
divididos em dois tipos, a saber:
a) remédios constitucionais de natureza administrativa (não-jurisdicional);
b) remédios constitucionais de natureza jurídico-processual (jurisdicional).
Os remédios constitucionais de natureza administrativa são as seguintes fi-
guras jurídicas: o direito de petição, constante no art. 5º, XXXIV, “a”, da
CRFB/88 e o direito de obter certidões em repartições públicas, na alínea “b”
do mesmo dispositivo constitucional.
Assim, o binômio direito de petição-direito à obter certidões circunscreve o
conceito de remédio constitucional na via administrativa perante autoridades
públicas.
Já os remédios constitucionais de natureza jurídico-processual, voltados
para a defesa dos direitos dos cidadãos e usados para acionar a prestação jurisdi-
cional, estão definidos no art. 5º, de nossa Carta Ápice e são os seguintes:
a) Habeas Corpus, incisos LXVIII e LXXVII;
b) Mandato de Segurança, incisos LXIX e LXX;
c) Mandato de Injunção, inciso LXXI;
d) Habeas Data, incisos LXXII e LXXVII;
e) Ação Popular, inciso LXXIII.
De tudo se vê, pois, a importância dos remédios constitucionais na tutela de
direitos fundamentais, daí sua classificação como sendo um dos melhores
exemplos de normas constitucionais de eficácia plena, ou seja, normas constitu-
cionais que, desde a sua entrada no mundo jurídico, já podem produzir todos os
seus efeitos essenciais.
Vale, pois, na sequência dos estudos, examinar cada um desses remédios
constitucionais, começando-se pelo mais festejados de todo: o habeas corpus.
20.2. Habeas Corpus (art. 5º, LXVIII e LXXVII, da CRFB/88).
Conceder-se-á “habeas corpus” (tome seu corpo) sempre que alguém sofrer
ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomo-
ção, por ilegalidade ou abuso de poder. As ações de habeas corpus e habeas data
são gratuitas, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.
Assim, a finalidade deste remédio constitucional é garantir o direito de ir,
vir, ficar ou permanecer, incluindo-se a liberdade de fixar residência. É a pró-
pria Constituição que prevê a liberdade de locomoção no território nacional em
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