Direitos Sociais na Constituição

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas559-608
Capítulo 17
Direitos Sociais na Constituição
17.1. Introdução, pressupostos e dimensões
O artigo 6º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 con-
sagra a maioria dos direitos fundamentais sociais básicos, tais como: educação,
saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, pro-
teção à maternidade e a infância e assistência aos desamparados. Esta norma
constitucional deve ser concretizada a partir da interpretação conjunta com os
princípios da dignidade da pessoa humana, justiça social, solidariedade, igualda-
de material ou substancial, com vistas à construção de uma sociedade livre, jus-
ta e solidarista, bem como objetivando a erradicação da pobreza e da marginali-
zação, além de minorar as desigualdades sociais.1
Importante lembrar que boa parte dos direitos consagrados no artigo 6º da
CRFB/88 foram densificados em outras normas constitucionais, especialmente,
559
1 São direitos fundamentais do homem, consubstanciado por prestações positivas realiza-
das pelo Estado, de forma direta ou indireta, com vistas a melhores condições de vida aos mais
necessitados e a todos em geral, minorando, destarte, as desigualdades sociais.
Direito á Educação. É um direito de todos e dever do Estado e da família. Súmula Vinculante
n.12 – STF.
Direito à Saúde. Art. 197 da CRFB/88.
Direito à Alimentação.
Direito ao Trabalho. Art. 170, caput e 170, VIII da CRFB/88.
Direito à Moradia. Art. 23, IX da CRFB/88 (competência comum da União, Estados, Distrito
Federal e Municípios em promover programas de construção de moradias e melhoria das
condições habitacionais e de saneamento). Impenhorabilidade do bem de família (Lei
8.009/90).
Direito ao Lazer. Art. 217, §3º da CRFB/88.
Direito à Segurança. Art. 144, caput, da CRFB/88.
Direito à Previdência Social. Arts. 201 e 202, CRFB/88.
Direito à proteção à maternidade e à infância. Art. 203, I e II da CRFB/88.
Direito a Assistência aos desamparados. Art. 203 e 204 da CRFB/88.
quando a nossa Constituição trata da ordem econômica e social (direitos econô-
micos, sociais, culturais e ambientais), além dos direitos dos trabalhadores pre-
vistos nos artigos 7º ao 11 da Carta Magna, além, é claro, dos direitos previstos
em tratados internacionais.
Estes direitos sociais representam na sua essência um conjunto de direitos
subjetivos individuais que podem ser exigidos do Estado e que estão relaciona-
dos ao mínimo existencial, ou seja, um amálgama de direitos individuais que
permitam que as pessoas vivam uma vida com dignidade e respeito.
José Afonso da Silva ensina que os direitos fundamentais sociais “[...] como
dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas pro-
porcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em nor-mas cons-
titucionais, que possibilitem melhores condições de vida aos mais fracos, direi-
tos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, por-
tanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos
do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais
mais propícias ao aferimento de igualdade real, o que, por sua vez, proporciona
condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.”2
J. J. Gomes Canotilho ensina que a dimensão subjetiva dos direitos sociais
são autênticos “direitos subjetivos inerentes ao espaço existencial do cidadão,
independentemente da sua justicialidade e exequibilidade imediatas.”3 Já a di-
mensão objetiva de tais direitos se apresentam de duas formas: “(1) imposições
legiferantes, apontando para a obrigatoriedade de o legislador actuar positiva-
mente, criando condições materiais e institucionais para o exercício desses di-
reitos [...]; (2) fornecimento de prestações aos cidadãos, densificadoras da di-
mensão subjectiva essencial destes direitos e executoras do cumprimento das
imposições institucionais.”4
Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma que “como as liberdades públicas,
os direitos sociais são direitos subjetivos. Entretanto, não são meros poderes de
agir – como é típico das liberdades públicas de modo geral – mas sim poderes de
exigir. São direitos de crédito”5. Dessa forma, o Estado possui o dever jurídico
de, permanentemente, realizar os direitos sociais, “além de permitir às normas
de direitos sociais operarem como parâmetro, tanto para a aplicação e interpre-
tação dos direitos infraconstitucionais, quanto para a criação e o desenvolvi-
560
2 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 37 ed. São Paulo:
Malheiros, 2014, p. 276-277.
3 CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coim-
bra: Almedina, 2003, p. 476.
4 Ibid.
5 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 49.
mento de instituições, organizações e procedimentos voltados à proteção e pro-
moção dos direitos sociais.”6
Neste sentido, o Estado deve traçar políticas públicas que atendam as de-
mandas dos chamados direitos fundamentais sociais. Aqui, também, se desve-
lam as dimensões negativas (defensiva) e positivas (prestacional) das normas de
direitos sociais. Sarlet ensina que “os direitos sociais, na condição de direitos
subjetivos, operam como direitos de defesa e direitos a prestações, que podem
ser tanto direitos a prestações fáticas, quanto direitos a prestações normativas,
de caráter organizatório e procedimental.”7 Esta dupla dimensionalidade fica
evidente com o exemplo do direito à saúde apresentado por Sarlet. Vejamos:
“este apresenta uma evidente dimensão defensiva, no sentido de gerar um de-
ver de não interferência, ou seja, uma vedação a atos (estatais e privados) que
possam causar dano ou ameaçar a saúde da pessoa, sem prejuízo de sua simultâ-
nea função prestacional (positiva), pois ao Estado incumbe a criação de todo um
aparato (v.g., as normas penais que vedam lesões corporais, morte, charlatanis-
mo, etc), assim como a criação de uma série de instituições, organizações e pro-
cedimentos dirigidos à prevenção e promoção da saúde (campanhas de vacina-
ção pública, atuação da vigilância sanitária, controle de fronteiras, participação
nos conselhos e conferências de saúde, entre outros), além do dever estatal de
fornecimento de prestações no campo da assistência médico-hospitalar, medi-
camentos, entre outras.”89
No mesmo sentido, Jorge Reis Novais preleciona que “[...] da titularidade
de direitos fundamentais em Estado democrático e social de Direito decorre
para o Estado, tanto um dever de prestar assistência nas situações de necessida-
de e de garantir aos particulares a participação nas correspondentes prestações
e instituições estatais, como também a obrigação de criar os pressupostos mate-
561
6 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais em Espécies. In: SARLET, Ingo Wolf-
gang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional.
3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 567.
7 Ibid., p. 568.
8 Ibid.
9 “O § 4º do art. 199 da Constituição, versante sobre pesquisas com substâncias humanas
para fins terapêuticos, faz parte da seção normativa dedicada à ‘Saúde’ (Seção II do Capítulo
II do Título VIII). Direito à saúde, positivado como um dos primeiros dos direitos sociais de
natureza fundamental (art. 6º da CF) e também como o primeiro dos direitos constitutivos da
seguridade social (cabeça do artigo constitucional de n. 194). Saúde que é ‘direito de todos e
dever do Estado’ (caput do art. 196 da Constituição), garantida mediante ações e serviços de
pronto qualificados como ‘de relevância pública’ (parte inicial do art. 197). A Lei de Biosse-
gurança como instrumento de encontro do direito à saúde com a própria Ciência. No caso,
ciências médicas, biológicas e correlatas, diretamente postas pela Constituição a serviço desse
bem inestimável do indivíduo que é a sua própria higidez físico-mental.” (ADI 3.510, Rel.
Min. Ayres Britto, julgamento em 29-5-2008, Plenário, DJE de 28-5-2010.)

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT