Teoria dos Direitos Fundamentais

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas355-404
Capítulo 11
Teoria dos Direitos Fundamentais
11.1. Introdução
O objetivo desse capítulo é examinar o conceito, a questão terminológica,
as características e a teoria tridimensional dos direitos fundamentais.
A ideia aqui é analisar tal teoria a partir dos diferentes regimes jurídicos de
proteção dos direitos fundamentais ao longo do constitucionalismo democráti-
co moderno. Assim sendo, o presente capítulo pretende investigar o perfil de
evolução dessa proteção jurídica e sua correlação com os paradigmas de Estado
de Direito (Estado Liberal de Direito e Estado Democrático Social de Direito),
deixando-se, como já dito, a análise do Estado Pós-moderno de Direito para o
último capítulo.
Em linhas gerais, o desiderato acadêmico da presente segmentação temáti-
ca será evidenciar tal paralelismo que tem o condão de acoplar as dimensões de
direitos fundamentais a seus respectivos modelos de Estado de Direito, desve-
lando desse modo a matriz de impactos cruzados que faz a conexão entre o
constitucionalismo democrático e o sistema de proteção dos direitos humanos.
Tradicionalmente os direitos fundamentais são classificados em três gran-
des dimensões ou gerações, cada uma delas representando uma das expressões
dentro da clássica trilogia da Revolução francesa (liberdade-igualdade-fraterni-
dade).
Com rigor, a terminologia “gerações de direitos fundamentais” vem sendo
rejeitada na esfera doutrinária, porque projeta a imagem errônea de que uma
geração supera a outra, uma geração substitui a outra, o que evidentemente não
é verdade. Todas as três gerações de direitos continuam válidas no direito cons-
titucional contemporâneo, ou seja, uma dimensão de direitos não revoga as ou-
tras que lhe precederam no tempo e no espaço. Esta é a razão pela qual a melhor
doutrina prefere usar a expressão “dimensões de direitos fundamentais” no lu-
gar de “gerações de direitos fundamentais”.
De fato, as três dimensões dos direitos fundamentais guardam entre si uma
relação de complementaridade e também de cumulatividade que garante um
todo contínuo, um catálogo jusfundamental unário, um único plexo de direitos
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fundamentais sem rupturas de uma dimensão para outra. Portanto, fica claro
que os direitos fundamentais devem ser vislumbrados a partir de um único pris-
ma de coexistência harmônica de suas três dimensões, um único rol jusfunda-
mental do cidadão comum.
Foi no ano de 1979 que o tcheco Karel Vasak, depois francês naturalizado,
em Conferência realizada em Estrasburgo, em França, formulou pela primeira
vez a teoria das dimensões dos direitos fundamentais, dimensões estas inspira-
das no lema da revolução francesa: liberté, egalité, fraternité.
Em síntese, a proposta de Vasak percebia a primeira geração ligada à liber-
dade, com ênfase no individualismo em detrimento da influência do Estado na
vida particular, enquanto que a segunda geração atrelada à igualdade, vislum-
brava a intervenção estatal na vida em sociedade com o intuito de não apenas
regulá-la, mas, principalmente, moldá-la de acordo os direitos fundamentais so-
ciais. Finalmente, a terceira geração associada à fraternidade (solidariedade),
cujo desenvolvimento ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, deu grande im-
pulso à proteção da humanidade como um todo, destacando-se o direito ao
meio ambiente, à paz e ao desenvolvimento.
E assim é que grande parte da doutrina associa a primeira dimensão à ex-
pressão liberdade, na medida em que tal dimensão foca a proteção dos direitos
civis e políticos dos cidadãos em relação ao Estado, que se vê então limitado no
seu poder absoluto de outrora. Tais direitos são associados às liberdades clássi-
cas negativas.
Já a segunda dimensão se relaciona com a expressão igualdade no senti-do
da proteção dos direitos sociais, econômicos, trabalhistas e culturais, que bus-
cam concretizar a ideia de igualdade material (isonomia real ou concreta). A
concretização dos direitos de segunda dimensão pressupõe ações positivas do
Estado, não bastando a postura meramente absenteísta como na primeira di-
mensão.
Finalmente, a terceira dimensão, caracterizada pela titularidade transindi-
vidual (direitos coletivo, difusos ou individuais homogêneos) de toda uma cole-
tividade, se coaduna perfeitamente com o termo solidariedade ou fraternidade
da clássica trilogia francesa. Aqui vale salientar que a terceira dimensão busca
tutelar os direitos de titularidade coletiva, de titularidade transindividual, que
alcançam diferentes formações sociais, e.g., coletividade em geral (consumido-
res e defesa do meio ambiente), diferentes classes trabalhistas, etc. Tais direitos
ficam atrelados ao princípio da solidariedade exatamente pelo seu caráter de
titularidade que transcende ao indivíduo, acoplando-se à coletividades.
Nesse sentido, vale destacar que o próprio Supremo Tribunal Federal já
teve a oportunidade de reproduzir o tema das gerações dos direitos fundamen-
tais, verbis:
enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que
compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o
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princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômi-
cos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais
ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira
geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos gene-
ricamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidarie-
dade e constituem um momento importante no processo de desenvolvi-
mento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados,
enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial
inexauribilidade.1 (grifos nossos)
Enfim, é bem de ver que o estudo das dimensões dos direitos fundamentais
se torna importante no entendimento da evolução social do Estado de Direito,
desde seus primórdios com a formação do Estado Liberal de Direito, perpassan-
do-se pelo Estado Democrático Social de Direito, até, finalmente, chegar-se ao
Estado Pós-moderno de Direito, paradigma estatal ainda em construção nos
dias de hoje.
Antes, porém, de examinar detalhadamente cada um desses três grandes
paradigmas estatais, é necessário percorrer toda a trajetória de transformações
do espaço jurídico-filosófico operadas no curso da evolução dos direitos huma-
nos.
Como bem alerta Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a doutrina dos direitos
humanos, no fundo, nada mais é do que uma versão da doutrina do direito natu-
ral que já desponta na Antiguidade.2
Tal visão caminha na direção oposta de certos doutrinadores, no sentido de
que o reconhecimento dos direitos fundamentais do homem em enunciados ex-
plícitos é coisa recente,3-4 ao contrário, é inegável a influência da Antiguidade,
seja através da religião ou filosofia, dos grandes pensadores e filósofos gregos,
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1 STF, MS 22164/SP.
2 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 9.
3 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 149.
4 Segundo Kildare Carvalho, os direitos individuais entendidos como inerentes ao homem
e oponíveis ao poder e à discricionariedade estatal “não existiram na Antiguidade grega e
romana, não obstante a referência estoicista às ideias de dignidade e igualdade. A polis grega
e civitas romana absorviam o homem na sua dimensão individual, não se manifestando a
liberdade como direito autônomo: livre era o cidadão que gozava da capacidade para se
integrar no Estado, participando das decisões políticas. Mesmo nas artes e na religião, não se
concebia o homem na sua individualidade, já que era absorvido pelo todo, como dimensão da
comunidade política.” In Kildare Gonçalves. Direito Constitucional – Teoria do Estado e da
Constituição Direito Constitucional Positivo. 14. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p.
670-671.

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