A Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais e a Constitucionalização do Direito

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas405-429
Capítulo 12
A Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais e a
Constitucionalização do Direito
12.1. Introdução
O neoconstitucionalismo e a dogmática pós-positivista trouxeram grandes
mudanças para a ciência jurídica, quer seja pela introdução da leitura moral da
Constituição (leitura axiológica), quer seja pela atribuição de força normativa
aos princípios constitucionais, quer seja pelo deslocamento da Constituição
para o centro do sistema jurídico como um todo.
Assim, a Constituição passa a ser a lente pela qual deve ser interpretado
todo o direito infraconstitucional, ou seja, o filtro axiológico pelo qual se lê o
todo o direito.
É nesse diapasão que o reencontro com a ética mediante a proteção da dig-
nidade da pessoa humana faz com que o novo direito constitucional determine
– ainda que sob determinados limites – a despatrimonialização do direito civil.
Isso significa dizer que o constitucionalismo pós-positivista aspira garantir
as condições materiais mínimas de vida digna para todos, daí a ideia de direito
que supera a letra da lei (extra legem), mas fica sob os limites dos princípios da
ordem jurídica como um todo (intra jus). Eis aqui as bases da aplicação dos di-
reitos fundamentais às relações privadas. É a chamada eficácia horizontal dos
direitos fundamentais, eixo temático de grande relevância no neoconstituciona-
lismo.
Em consequência, o neoconstitucionalismo pós-positivista deslocou para o
epicentro da hodierna teoria da proteção dos direitos fundamentais a plena efe-
tividade do princípio da dignidade da pessoa humana, que penetra no círculo
antes fechado dos diferentes ramos do direito privado. Supera-se o paradigma
positivista e o antigo entendimento de que apenas o Estado estaria vinculado aos
direitos fundamentais.
Projeta-se, dessarte, a ideia-força de oponibilidade dos direitos fundamen-
tais nas relações jurídicas privadas, invocados diretamente da Constituição.
Agora, não é apenas o Estado que pode violar os direitos fundamentais, mas
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também os indivíduos no âmbito das suas relações jurídicas privadas. A eficácia
direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas projeta-os
como verdadeiros direitos subjetivos oponíveis entre particulares, invocados di-
retamente da Constituição.
Nesse sentido, doutrina e jurisprudência já não hesitam em reconhecer que
o papel dos direitos fundamentais na ordem jurídica hodierna não se limita ape-
nas a atuar como proibição de intervenção estatal (eficácia vertical de direitos
negativos de defesa), mas, também, atuar co mo gar antia de pr oteçã o no âm bito
do jusprivativismo. Não se trata mais de vislumbrar os direitos fundamentais
como instrumento de limitação de poder de um Estado violador de direitos civis
e políticos.
Ao contrário, o neoconstitucionalismo pós-positivista prende-se à percep-
ção de recíproca interação, seja com o conceito de democracia (regra da maio-
ria), seja com a ideia de constitucionalismo (limitação do poder estatal). Dessa
tensão constante entre democracia e constitucionalismo surge a múltipla di-
mensão dos direitos fundamentais, cuja incidência não se restringe mais ao di-
reito público, mas penetra também em todos os ramos do jusprivativismo, che-
gando mesmo a ser um dos principais parâmetros de aferição do grau de demo-
cracia de uma sociedade, vale dizer, quanto mais democraticamente avançada
for uma sociedade, maior será o respeito e a efetividade do rol jusfundamental
de direitos do cidadão comum.
Isso significa dizer que, mesmo em questões características de direito priva-
do, os direitos fundamentais deverão ser invocados para gerar direitos subjeti-
vos diretamente sindicáveis perante o Poder Judiciário, e.g., a vedação de que
um contrato de aluguel não seja celebrado com pessoas em virtu-de de sua reli-
gião, ou, a exigência de que um sabatista trabalhe aos sábados, ou ainda, a pre-
ferência de determinada escola religiosa para contratar professores dessa mes-
ma religião. São questões quejandas que realçam a importância do novo univer-
so epistêmico da eficácia horizontal como uma nova forma de pensar a eficácia
da Constituição, especialmente voltada para a plena efetividade das normas
constitucionais garantidoras de direitos fundamentais, independentemente de
serem aplicadas contra o Estado ou contra particulares.
12.2. A eficácia vertical e a eficácia horizontal dos direitos fundamentais
O tema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais (também denomi-
nada eficácia privada, eficácia oblíqua, eficácia em relação a terceiros ou eficá-
cia externa) foi engendrado para determinar que, em determinadas situações,
os direitos fundamentais possam ser invocados nas relações jurídicas entre par-
ticulares.
Como é de sabença geral os direitos fundamentais foram concebidos como
forma de limitar a atuação do Estado em prol das liberdades individuais. Pela
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