Direitos Fundamentais Processuais

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas631-656
Capítulo 19
Direitos Fundamentais Processuais
19.1. O Direito Fundamental à Tutela Jurisdicional como Subprincípio
Concretizador da Dignidade da Pessoa Humana1
A democracia no Estado Democrático de Direito há de ser um processo co-
letivo de convivência livre, justa e solidária, assim evidenciado pelo preâmbulo
da Constituição Federal.
As normas constitucionais fundamentais afirmam valores que irradiam para
todo o ordenamento, assegurando o reconhecimento dos direitos fundamentais
e os princípios basilares constitucionais da democracia, produzindo a eficácia
irradiante.
Os direitos fundamentais possuem dimensão objetiva e subjetiva. Portanto,
as normas fundamentais não devem cumprir papel de evidenciar uma faculdade
ou um poder de um único individuo, pois os valores se espraiam para toda a
comunidade. Como consequência da dimensão objetiva está o dever de prote-
ção estatal que se irradia para a ordem infraconstitucional. O Estado, então, fica
obrigado a proteger os direitos fundamentais.
Tratando-se da subjetivação dos direitos fundamentais, é importante, vis-
lumbrar a função que eles podem desempenhar.2
Canotilho,3 tratando da necessidade de democratizar a democracia, re-fere-
se à participação nas organizações, criticando o fato de que o cidadão manten-
do-se afastado das organizações e dos processos de decisão afasta-se da realiza-
ção dos seus próprios direitos, referindo-se a possibilidade de certos direitos
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1 MELLO, Marcia Ignácio de Moraes. Razoável Duração do Processo. Dissertação de
Mestrado em Direito. Unesa, 2007. Orientador Humberto Dalla.
2 Remete-se o leitor a momento anterior, neste artigo, mais precisamente à abordagem
sobre a multifuncionalidade dos direitos fundamentais, em particular as classificações de J.J
Canotilho e Ingo Sarlet.
3 CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. Ed. Coim-
bra: Almedina, 2003.
fundamentais alcançarem maior consistência se os cidadãos participassem de
sua estrutura de decisão.
É no princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional estatal que se
encontra a tutela jurisdicional como direito fundamental. Os princípios têm a
função de definir a lógica e a racionalidade do sistema das normas, harmonizan-
do-o. Inspiram o sistema organizacionalmente, emprestando-lhe subsídios para
a sua compreensão e interpretação.
O direito de ação decorre do princípio da inafastabilidade da jurisdição4.
Ressalte-se que o direito de ação não se confunde com o direito de petição5, já
que este é exercido perante os órgãos públicos acerca de ilegalidades ou desvio
de finalidade na atuação da administração pública, enquanto aquele se refere à
lesão ou ameaça ao direito reclamado perante o poder judiciário.
A tutela jurisdicional objetiva a pacificação social, assegurando constitucio-
nalmente ao cidadão que, em caso de violação ou ameaça ao direito, busque jun-
to ao Estado os meios eficientes para solucionar seu conflito.
O inciso XXXV do artigo 5º constitucional não se refere, tão somente ao
acesso ao judiciário, mas ao seu significado pleno. O acesso ao judiciário decorre
do movimento renovatório do direito e implica em propiciar ao cidadão o amplo
e irrestrito acesso ao judiciário, desde a propositura da ação até a tutela defini-
tiva do seu conflito. O acesso à justiça é consequência lógica do exercício da
função jurisdicional como monopólio estatal.6
O movimento de acesso à justiça é tratado, em obra ímpar, por Cappelletti
e Garth (Acess to justice: a worldwide movement to make rights effective, a
general repport), sob a figura das ondas renovatórias do acesso à justiça.7
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4 Inciso XXXV do art. 5º/CRFB.
5 Inciso XXXIV do art. 5º/CRFB.
6 Aduza-se que a Constituição de Portugal prevê em seu artigo 20º o direito a uma tutela
jurisdicional efetiva, ao que reconhecemos ter equivalente previsão em nosso ordenamento
constitucional, no artigo 5º, inciso XXXV. Referindo-se à previsão portuguesa Canotilho
assevera: “Em termos gerais – e como vem reiteradamente afirmando o Tribunal Constitucio-
nal na senda do ensinamento de Manuel de Andrade – o direito de acesso aos tribunais
reconduz-se fundamentalmente ao direito a uma solução jurídica de actos e relações jurídicas
controvertidas, a que se deve chegar um prazo razoável e com garantias de imparcialidade e
independência possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do
contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de
direito), oferecer as provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e
resultado das causas outras” (Ac. TC 86/88,DR, II, 22/8/88) CANOTILHO, op.cit. p. 433.
7 “Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso – a primeira ‘onda’ desse
movimento novo – foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes
a proporcionar representação jurídica para os interesses ‘difusos’, especialmente nas áreas da
proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro – e mais recente – é o que nos propomos a
chamar simplesmente “enfoque de acesso à justiça” porque inclui os posicionamentos anterio-

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