Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas929-1005
Capítulo 27
Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade
27.1. Introdução
A positividade do direito é a realização da razão no Estado, uma vez que as
leis e regras do direito são racionais e se materializam como princípios pensados,
mediando o indivíduo e o Estado, ou seja, sua liberdade abstrata e concreta (po-
sitivada). Nesse diapasão, Norberto Bobbio afirma que “o positivismo jurídico é
aquela doutrina segundo a qual não existe outro direito senão o positivo.1
Hans Kelsen (1881-1973), um dos maiores expoentes do positivismo, for-
mulou a Teoria Pura do Direito afastando de seu objeto todos os elementos con-
siderados metajurídicos. A norma jurídica é o elemento chave em sua teoria
(ciência normativa) sendo examinada pelo enfoque estritamente formal (neu-
tralidade axiológica e sociológica).
Na obra Teoria Pura do Direito, Kelsen explica que “quando designa a si
própria como ‘pura’ teoria do Direito, isto significa que ela se propõe a garantir
um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo
quanto não pertença a seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, de-
terminar como Direito. Isto quer dizer que ela pretende libertar a ciência jurí-
dica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio meto-
dológico fundamental.”2
Nesta obra, já definidos método e objeto da Ciência Jurídica, Kelsen a divi-
diu em teoria estática e teoria dinâmica. Alexandre Travessoni Gomes, com
base nos estudos kelsenianos, explica que “a teoria estática dá ênfase às normas
reguladoras da conduta humana, enquanto a teoria dinâmica dá ênfase à condu-
ta humana regulada pelas normas. Na primeira, o conhecimento é dirigido às
normas jurídicas produzidas, tendo por objeto o direito como um sistema de
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1 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico – Lições de Filosofia do Direito. Tradução
Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1999, p. 26.
2 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p.1.
normas em vigor, o direito em seu momento estático. A segunda tem por objeto
o processo jurídico em que o direito é produzido e aplicado, isto é, o direito em
movimento. Kelsen observa que o próprio direito regula o seu processo de pro-
dução e aplicação, por meio de leis constitucionais e processuais.”3
Hans Kelsen desvincula o Direito da Moral. Para o jusfilósofo é necessário
distinguir as normas jurídicas das normas morais. As normas jurídicas são válidas
não porque estão ligadas a elementos de natureza ética, mas porque são estabe-
lecidas por uma autoridade produtora de normas. Dessa maneira, uma norma
jurídica é válida somente porque foi criada por uma autoridade instituída por
uma norma “superior”. É um sistema axiologicamente neutro.
O estudo kelseniano, portanto, apresenta uma hierarquização das normas.
Aurélio Wander Bastos ensina que “esta percepção linear e vertical das relações
das normas entre si é que caracteriza a hierarquia das normas: sobre a norma
inferior prevalece sempre a norma superior. Se houver contradição entre uma e
outra, a autoridade deverá sempre, no caso, optar pela superior e, em gênero,
presumir a revogação ou modificação da inferior. O princípio da hierarquia das
normas é que resguarda o princípio da coerência, e os dois, combinadamente, a
teoria da validez”.4
Dessa maneira, o fundamento do controle de constitucionalidade é o de que
nenhum ato normativo, decorrente da Constituição, pode contrariá-la, modifi-
cá-la ou suprimi-la. A Constituição representa, pois, “o escalão de Direito posi-
tivo mais elevado,”5 sendo necessária a existência de mecanismo de controle de
sua efetividade. É assim que a supremacia constitucional ganha relevo nos Esta-
dos Democráticos de Direito, cujo respeito ao texto constitucional é de funda-
mental importância. O controle de constitucionalidade é, pois, um mecanismo
de verificação da compatibilidade entre uma lei ou ato normativo e a própria
Constituição.
O controle de constitucionalidade está intimamente relacionado não só a
ideia de supremacia constitucional, como também a rigidez constitucional. A
Constituição é considerada rígida uma vez que veda sua modificação pela legisla-
ção ordinária. De acordo com J.J.Gomes Canotilho, rigidez “é sinônimo de ga-
rantia contra mudanças constantes, frequentes e imprevistas ao sabor das maio-
rias legislativas transitórias. A rigidez não é um entrave ao desenvolvimento cons-
titucional, pois a constituição deve poder ser revista sempre que a sua capacida-
de reflexiva para captar a realidade constitucional se mostre insuficiente.”6
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3 GOMES, Alexandre Travessoni. O Fundamento de Validade do Direito: Kant e Kelsen.
2.ed. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2004, p. 223.
4 BASTOS, Aurélio Wander. I ntrodução à Teoria do Direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 1999, p. 134.
5 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p.240.
6 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed.
Coimbra: Almedina, 2003, p. 216.
Vale destacar que o controle de constitucionalidade visa, também, proteger
os direitos fundamentais contra as maiorias parlamentares. O termo “direitos
fundamentais” é encontrado na dogmática jurídica em várias expressões, tais
como: “direitos humanos”, “direitos do homem”, “direitos subjetivos públicos”,
“liberdades públicas”, “direitos individuais”, “liberdades fundamentais” e “di-
reitos humanos fundamentais”.7 Gregorio Peces-Barba Martínez ensina que “en
los derechos fundamentales el espíritu y la fueza, la moral y el Derecho están
entrelazados y la separación los mutila, los hace incomprensibles. Los derechos
fundamentales son una forma de integrar justicia y fuerza desde la perspectiva
del individuo propio de la cultura antropocéntrica del mundo moderno”.8
Não obstante o insucesso de consenso conceitual e terminológico relativo
aos direitos fundamentais9, alguns pontos de encontro entre tantos conceitos
elaborados podem nos fazer chegar a uma conceituação aceitável, onde os direi-
tos fundamentais são prerrogativas/instituições (regras e princípios) que se fize-
ram e se fazem necessárias ao longo do temp o, para forma ção de u m véu pr ote-
tor das conquistas dos direitos do homem (que compreendem um aspecto posi-
tivo, a prestação, e um negativo, a abstenção) positivados em um determinado
ordenamento jurídico, embasados, em especial, na dignidade da pessoa huma-
na, tanto em face das ingerências estatais, quanto, segundo melhor doutrina, nas
relações entre particulares (seja esta proteção positivada ou não, é inegável a
constitucionalização do direito privado, e, por consequência, a força normativa
da constituição nestas relações), onde, em ambos os casos podem possuir eficá-
cia imediata (chamada eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações
privadas), ou imediata no primeiro caso e mediata no segundo (chamada eficá-
cia indireta dos direitos fundamentais nas relações privadas), ou, ainda só pos-
suindo eficácia no primeiro caso (não aplicabilidade dos direitos fundamentais
nas relações privadas) conforme o ordenamento no qual se encontram os referi-
dos direitos.
Na precisa lição de José Afonso da Silva10 qualificar tais direitos como fun-
damentais é apontá-los como situações jurídicas essenciais sem as quais o ho-
mem “não se realiza, não convive e, às vezes nem sobrevive; fundamentais do
homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmen-
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7 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2003, p. 31.
8 MARTÍNEZ, Gregorio Peces-Barba. Lecciones de Derechos Fundamentales. Madrid:
Dykinson, 2004, p. 31.
9 José Afonso da Silva entende que são “aqueles que reconhecem autonomia aos particula-
res, garantindo a iniciativa e a independência aos indivíduos diante dos demais membros da
sociedade política e do próprio Estado”. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitu-
cional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 191.
10 SILVA, José Afonso da, Op. cit., p. 178.

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