Direito de Nacionalidade

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas749-773
Capítulo 21
Direito de Nacionalidade
21.1. Conceito e noções correlatas à nacionalidade
O conceito de nacionalidade é o vínculo jurídico-político que se estabelece
entre o indivíduo e o Estado, fazendo com que a pessoa detentora da nacionali-
dade se transforme em membro do povo daquele Estado.
A própria noção de Estado Westphaliano pós-Feudal estabelece a corres-
pondência à ideia de nacionalidade, na medida em que faz do indivíduo um dos
componentes da dimensão humana do Estado, qual seja o seu povo. Além disso,
vale destacar que essa ideia de nacionalidade associada ao ser humano é um di-
reito garantido tanto no âmbito do direito constitucional interno quanto na es-
fera do direito internacional.
Com efeito, a Constituição de 1988 criou o capítulo III próprio da naciona-
lid ade no Tí tulo II so bre os Di reit os e Garantias fundamentais, colocando o ins-
tituto da nacionalidade como uma das espécies do gênero Direitos Fundamen-
tais, ao lado dos direitos individuais e coletivos, direitos sociais, direitos políti-
cos e dos partidos políticos.
No mesmo diapasão diversos documentos internacionais consagram o direi-
to da nacionalidade, como, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948, que proclama, em seu artigo XV, que “todo homem tem
direito a uma nacionalidade e que ninguém será arbitrariamente privado de sua
nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade”.
Já a Convenção Americana de São José da Costa Rica de 1969, aprovada
através do Decreto Legislativo n. 27, de 25 de setembro de 1992 e incorporada
ao direito interno brasileiro pelo Decreto 678, de 6 de novembro do mesmo
ano, determina em seu artigo 20 que: “1 – Toda pessoa tem direito a uma nacio-
nalidade; 2 – Toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo terri-
tório houver nascido se não tiver direito a outra; e 3 – A ninguém se deve privar
arbitrariamente de sua nacionalidade nem do direito de mudá-la”.
Observe, com atenção, que o item 2 acima, do Pacto de São José da Costa
Rica, busca garantir que nenhuma criança nasça sem uma nacionalidade, ou seja,
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tenta evitar o surgimento de heimatlos, vale dizer, pessoas sem nenhuma nacio-
nalidade.1 Nos termos do referido dispositivo, garante-se no mínimo a naciona-
lidade jus solis (nascimento no território do Estado), caso a Constituição origi-
nária dos seus pais afaste a possibilidade de aplicação da nacionalidade jus san-
guinis (baseada nos laços sanguíneos entre pais e filhos).
Nessa mesma toada protetiva, o art. 24, item 3, do Pacto Internacional so-
bre Direitos Civis e Políticos de 1966, que entrou em vigor internacional dez
anos depois de sua conclusão (1976), mas, que, no entanto, somente foi inter-
nalizado no Brasil, através do Decreto n. 592 de 1992. Tal dispositivo reza que
“toda criança terá o direito de adquirir uma nacionalidade”.
Ainda no mesmo diapasão de proteção metaconstitucional, o art. 9º, da
Convenção sobre a Nacionalidade de Mulheres Casadas, de 1957, estabelece
que, em relação à nacionalidade, os Estados-partes garantem que nem o casa-
mento com um estrangeiro, nem a mudança de nacionalidade do marido duran-
te o casamento, modifiquem automaticamente a nacionalidade da mulher, con-
vertendo-a em apátrida.
Este tipo de matéria é relevante tanto para o Direito Constitucional Interno
como para o Direito Internacional Público, pois a internalização desses tratados
internacionais no Brasil foi feita com base na atual jurisprudência do STF, que
entende que tais tratados possuem o status de norma supralegal, ou seja, acima
das leis infraconstitucionais, mas, abaixo da Constituição.
Além disso, a nacionalidade é tema que evoca múltiplas exegeses atreladas
a diversos ramos do direito, seja no campo do Direito Constitucional, seja na
esfera do Direito Infraconstitucional, cuja finalidade será definir o vínculo que
une o indivíduo a determinado Estado, ou seja, se faz parte ou não do povo bra-
sileiro.2
Portanto, a definição de povo de um Estado como o conjunto de seus nacio-
nais, natos ou naturalizados, evidentemente permite a distinção entre o nacio-
nal e o estrangeiro para diversos fins, como, por exemplo, a condição de possi-
bilidade para o exercício da cidadania realizadora da soberania nacional e dos
destinos da vida política do País.
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1 Heimatlos ou apátridas ou apólidas são os indivíduos que não possuem pátria, ou seja, não
têm nenhuma nacionalidade.
2 A questão do direito de nacionalidade projeta-se sobre vários ramos do ordenamento
jurídico pátrio, seja o direito constitucional, seja o direito infraconstitucional, e.g., direito
penal, no tocante a possibilidade ou não de extradição por crime praticado por brasileiro nato
ou naturalizado ou quando o crime for cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do
Brasil (art. 7º, II, ‘b’ e § 3º, do CP); direito civil no tocante à sucessão de bens de estrangeiro,
observada a lei brasileira em benefício do cônjuge e filhos brasileiros, sempre que não lhes seja
mais favorável a lei pessoal do de cujos (§1º, art. 10, da LICC); direito processual quanto às
imunidades dos diplomatas e Chefes de Estado e direito empresarial em relação à nacionali-
dade das pessoas jurídicas.

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