Controle Abstrato de Constitucionalidade

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas1059-1223
Capítulo 29
Controle Abstrato de Constitucionalidade
29.1. Visão panorâmica do controle concentrado, principal e abstrato no
Brasil
O controle abstrato no Brasil engloba as seguintes modalidades:
a) ação direta de inconstitucionalidade (ADI);
b) ação declaratória de constitucionalidade (ADC);
c) arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF);
d) ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO).
Com rigor, o sistema concentrado brasileiro sofreu forte influência do mo-
delo kelseniano-austríaco-europeu, no qual o controle de constitucionalidade é
feito de modo abstrato ou objetivo e direto ou principal, reconhecendo-se com-
petência apenas ao órgão cupular do poder judiciário para executar tal tipo de
controle de constitucionalidade.
No entanto, há diferenças entre os sistemas europeu e brasileiro no que tan-
ge à carga de eficácia da decisão da Corte Suprema (decisão constitutiva ou de-
cisão declaratória) e alcance temporal dessa decisão (efeitos prospectivos ou re-
troativos). Em consequência, é preciso compreender bem a dinâmica própria
que rege o regime jurídico das modalidades de controle concentrado no Brasil.
Tal tipo de controle, também denominado abstrato ou objetivo, principal
ou por via direta, é aquele que se realiza a partir de iniciativa de um dos legiti-
mados previstos no artigo 103 da Constituição da República de 1988. O contro-
le abstrato surge, portanto, de iniciativa de ente constitucionalmente legitima-
do, em rol taxativo.
De notar-se, por conseguinte, que o controle abstrato de constitucionalida-
de, diferentemente do controle difuso, pressupõe um conjunto de titulares dis-
paradores das ações concentradas no STF, em numerus clausus. Isto significa
dizer que não se admite outro ente disparador do processo objetivo de controle
de constitucionalidade, ou seja, diferentemente da sede difusa, a Constituição
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de 1988 não contemplou a perspectiva de o cidadão comum ajuizar uma ação do
controle concentrado.
De clareza meridiana, portanto, a ideia de que o direito brasileiro não admi-
te a chamada “ação popular de inconstitucionalidade”, isto é, a possibilidade de
qualquer cidadão ajuizar diretamente no STF pedido de declaração de inconsti-
tucionalidade ou de constitucionalidade de lei ou ato normativo que viole o tex-
to constitucional.
Nesse sentido, quando determinado cidadão se sentir lesado em seu direito
individual em consequência de violação constitucional, poderá, no máximo,
oferecer representação ao Ministério Público, que poderá, caso reconheça, a
seu próprio talante, a procedência da representação, propor ADI ou ADC atra-
vés do Procurador-Geral da República (PGR).
Enfim, no âmbito do controle concentrado, principal e abstrato, somente os
legitimados ad causam em numerus clausus podem provocar a atuação da Corte
Su pre ma d o Pa ís p ara que , ao fin al d o ju lgamento da ação, decida se existe com-
patibilidade ou não entre um ato ou comando estatal e a Constituição, inde-
pendentemente de haver uma lide específica sobre a questão constitucional.
É por isso que vamos examinar em seguida as principais características do
sistema concentrado, principal e abstrato no Brasil.
29.2. Elementos teóricos do controle concentrado, principal (via de ação) e
abstrato (objetivo) no Brasil
Três grandes observações, em especial, merecem destaque nessa segmenta-
ção temática do presente livro.
A primeira diz respeito à expressão controle concentrado, isto é, qual seria o
seu significado?
A resposta vem direta e imediatamente do fato de que esse tipo de controle
de constitucionalidade somente pode ser feito na esfera das Cortes Supremas
de Cúpula, ou seja, deve ser concentrado no órgão máximo do poder judiciário
de determinado Estado nacional. Somente tal órgão tem competência para de-
clarar diretamente a inconstitucionalidade ou constitucionalidade de uma lei ou
ato normativo do poder público, daí a ideia de controle concentrado na Supre-
ma Corte do País.
Ora, no caso brasileiro, cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar as ações
diretas de inconstitucionalidade e as ações declaratórias de constitucionalidade,
bem como as arguições de descumprimento de preceito fundamental.
Já nas hipóteses de controle concentrado dos Estados-membros, cabe aos
órgãos especiais dos Tribunais de Justiça dos respectivos Estados-membros o
julgamento das Representações de Inconstitucionalidade (RI), que nada mais
são do que ações diretas de inconstitucionalidade de leis estaduais e municipais
em relação à Constituição Estadual.
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A segunda grande observação está relacionada ao significado da expressão
controle principal ou via de ação. Nesse sentido, é correto afirmar que a expres-
são vem do fato de que a questão constitucional é aquela que motiva a instaura-
ção da ação, ou seja, a questão constitucional é a questão principal da ação, o
que significa dizer que o objetivo da ADI/ADC/ADPF é exatamente saber se
um determinado ato normativo tem ou não compatibilidade vertical com a
Constituição.
Totalmente diferente, portanto, do controle difuso, no qual a questão cons-
titucional não é a que justifica a instauração da ação perante o poder judiciário,
mas sim a solução de uma lide qualquer, cuja solução perpassa pela questão
constitucional como questão incidental. Ou seja, no controle principal, a decla-
ração de (in)constitucionalidade não é uma questão prejudicial, mas, o pedido
principal da ação (o julgamento do mérito da ação é a declaração de (in)consti-
tucionalidade). No dizer de Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi:
A fiscalização da constitucionalidade pode ocorrer por meio de ação pró-
pria. Nesse caso, o processo inicia com o questionamento da (in)constitu-
cionalidade. Se não houver obstáculo processual, deve terminar com a deci-
são sobre a procedência desse questionamento. Encontramos esse meio de
controle nas ações de inconstitucionalidade perante o STF.1
Finalmente, a terceira expressão controle abstrato ou objetivo significa que
o controle é exercido a partir de ações específicas para declarar a (in)constitu-
cionalidade da lei ou ato normativo, ou seja, é dito controle abstrato ou objetivo
pelo fato de que a instauração da ação é desvinculada da solução de um caso
concreto, sem a existência necessária de uma lide resistida envolvendo autor e
réu.Com efeito, nas ações de (in)constitucionalidade (ADI, ADC ou ADPF),
ocorrerá uma análise da inconstitucionalidade ou constitucionalidade em tese
da norma, isto é, haverá a análise da questão constitucional em abstrato, sem
nenhuma vinculação a um caso concreto específico. De notarse, por conseguin-
te, que o controle abstrato de constitucionalidade pressupõe necessariamente
um processo objetivo, vale dizer, um processo em que não há partes litigando
sobre um determinado objeto. Dessarte, para que se tenha o julgamento do mé-
rito da ação concentrada, o STF deve aferir a compatibilidade vertical do ato ou
lei com a Carta Ápice.
Reina aqui a ideia de que o pedido do autor só pode ser a declaração de
inconstitucionalidade ou de constitucionalidade da lei ou ato normativo que,
respectivamente, viole ou seja compatível com o texto constitucional.
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1 DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de processo constitucional. Controle de
constitucionalidade e remédios constitucionais. São Paulo: Atlas, 2011, p. 83.

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