Autonomia parental e vacinação obrigatória

AutorFernanda Schaefer
Páginas253-272
AUTONOMIA PARENTAL
E VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA
Fernanda Schaefer
Doutora em Direito. Advogada
O que mata são as doenças que as vacinas evitam (Pasteur).
Sumário: 1. Introdução – 2. Autoridade parental e autonomia parental – 3. Vacinação obrigatória
e autonomia parental; 3.1. Vulnerabilidade e consentimento das crianças e dos adolescentes;
3.2. Melhor interesse da criança; 3.3. Interesse social – 4. A obrigatoriedade da vacinação
infantojuvenil no STF (ARE 1.267.879 – Repercussão Geral) – 5. Considerações nais – 6.
Referências bibliográcas
1. INTRODUÇÃO
As vacinas são consideradas uma das grandes conquistas da humanidade na
prevenção, controle e erradicação de doenças. No entanto, desde seu surgimento
em 1796 (Edward Jenner, médico inglês) diversas polêmicas insistem em diminuir
e questionar o seu papel.
A Organização Mundial da Saúde (OMS1) estabelece que o ideal para con-
siderar uma população imunizada é que 95% dela seja vacinada (herd immunity/
imunidade de rebanho). Segundo estudo do Instituto de Métricas e Avaliação
de Saúde (IHME) da Universidade de Washington, o Brasil está entre os países
com maior taxa de imunização da população-alvo, alcançando 99,8% em 2017,2
sendo reconhecido internacionalmente pela amplitude do Programa Nacional
de Imunização (PNI) que oferece vinte e sete vacinas gratuitamente pelo Sistema
Único de Saúde (SUS).
No entanto, no Brasil, assim como ocorre em outras partes do mundo, desde
2013 a taxa de vacinação vem caindo, o que preocupa as autoridades sanitárias e faz
ressurgir epidemias que antes estavam sob controle, como a poliomielite e o sarampo.
Dados alarmantes do Ministério da Saúde apontam queda expressiva na cobertura
vacinal em todo país, chegando a alcançar apenas de 50% a 60% da imunização infan-
til, o que pode, inclusive, ser fruto der uma dicotomia interessante: a queda decorre
1. Em 2012 a OMS aprovou o Plano de Ação Global de Vacinas que contou com a adesão de 194 países, incluindo
o Brasil. O plano tem prazo de implantação de dez anos e visa fomentar novas pesquisas e tecnologias em
imunização, fortalecer a rotina de imunização e melhorar o controle de doenças.
2. Relatório disponível em: . Acesso em 10 jan. 2018.
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do próprio sucesso do Programa, pois à medida que as pessoas deixam de conviver
com as doenças acreditam não precisar mais vacinar3.
Segundo Rosenvald, esse estado de coisas tem três aspectos que precisam ser
considerados: a) a difusão de teorias anticientíf‌icas fundamentadas no já desacre-
ditado trabalho do médico Andrew Wakef‌ield, de que as vacinas colocam em risco
a saúde da criança; b) a inf‌luência crescente do grupo conhecido como anti-vaxxers
e de grupos religiosos e políticos populistas que propagam a falsa ideia de que vaci-
nas são a causa de diversas doenças, especialmente o autismo; c) pais negligentes4
que preferem colocar a saúde dos f‌ilhos (e de outros) em risco por acreditarem em
teorias que não possuem qualquer comprovação científ‌ica e médicos hesitantes que
negligenciam este tipo de conversa com os pais de seus pacientes. Ao rol apresenta-
do, pode-se ainda acrescentar: d) a resistência social a uma imposição que teria sido
criada pela indústria farmacêutica; e) a dif‌iculdade de acesso de alguns grupos sociais
aos serviços de saúde; f) o desabastecimento de diversas vacinas no mercado; g) a
burocratização do processo de vacinação; e h) o descaso da população gerado pelo
próprio sucesso da vacinação que controlou diversas doenças infectocontagiosas que
matavam ou deformavam, fazendo com que o foco saísse do risco epidêmico para se
concentrar na segurança das vacinas5-6.
Considerando as orientações da OMS, os fatores antes indicados e o ressurgi-
mento de doenças ou epidemias de doenças antes controladas diversos países estão
adotando leis que obrigam os pais a vacinar seus f‌ilhos sob pena de multa, prisão,
proibição de matrícula ou exclusão da criança de escolas públicas, vedação de inte-
ração com outras crianças, proibição de acesso a unidades pediátricas, vinculação do
acesso a benefícios sociais ao cumprimento do calendário de imunização obrigatória
3. Vide mais em: https://antigo.saude.gov.br/saude-de-a-z/vacinacao/. Acesso em 08 de out. 2020.
4. Af‌irma Rosenvald que “infelizmente, as pessoas esquecem o que é a morte na infância e quantas crianças
morreram ou f‌icaram com encefalite ou terríveis doenças cerebrais que causaram atraso mental ou foram
institucionalizadas para o resto da vida a partir do sarampo” (ROSENVALD, Nelson. A obrigatoriedade da
vacinação e a privacidade da família. Disponível em: http://www.nelsonrosenvald.com.br. Acesso em 19 jun.
2017).
5. Movimentos que, infelizmente e assustadoramente, ganharam força com as discussões em torno da vacinação
para prevenção da Covid-19.
6. Poucos estudos brasileiros revelam as causas da recusa vacinal. Dos estudos existentes, destaca-se o realizado
por Ana Paula Sayuri Sato que a partir de estudos qualitativos af‌irmou a existência de três grandes grupos:
pais vacinadores; pais seletivos e pais não vacinadores. “Pais vacinadores revelam a vacinação como um
ato de dever e responsabilidade e a fazem sem questionamentos, sendo inf‌luenciados pela tradição familiar
e pela norma social. Pais seletivos vivenciaram diferentes situações que os colocaram em dúvida sobre a
decisão de vacinar ou postergar, caracterizando a singularização da vacinação dos f‌ilhos, ou seja, tornan-
do-a particular, diante do extenso calendário vacinal do PNI. Já entre os não vacinadores predominou uma
visão mais natural, ou seja, de menor intervenção médico-hospitalar em processos de saúde, bem como a
autonomia das decisões parentais frente às normatizações no cuidado infantil. Dentre as justif‌icativas para
não vacinar, destacaram-se: baixa percepção do risco da doença, visto que elas já estão controladas ou são
leves; medo de eventos adversos pós-vacina; questionamentos sobre sua ef‌icácia e formulação e sobre o
interesse f‌inanceiro da indústria farmacêutica; opção de outras formas de proteção da saúde” (SATO, Ana
Paula. Qual a importância da hesitação vacinal na queda das coberturas vacinais no Brasil?. Revista Brasileira
de Saúde Pública, v. 52, São Paulo, 2018).
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