Autoridade parental: a autonomia dos filhos menores e a responsabilidade dos pais pela prática de cyberbullying

AutorAdriano Marteleto Godinho e Marcela Maia de Andrade Drumond
Páginas173-189
AUTORIDADE PARENTAL: A AUTONOMIA DOS
FILHOS MENORES E A RESPONSABILIDADE
DOS PAIS PELA PRÁTICA DE CYBERBULLYING
Adriano Marteleto Godinho
Professor adjunto da Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Ciências Jurídicas
pela Universidade de Lisboa. Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal de
Minas Gerais.
Marcela Maia de Andrade Drumond
Acadêmica em Direito pela Universidade Federal da Paraíba
Sumário: 1. Notas introdutórias – 2. Autoridade parental; 2.1. Direitos fundamentais do lho
menor; 2.2. Deveres fundamentais dos pais; 2.3. Autoridade parental versus autonomia: o di-
reito à autorrealização dos lhos menores – 3. A prática do cyberbullying; 3.1. O cyberbullying
na perspectiva do ofensor; 3.2. O cyberbullying na perspectiva da vítima – 4. Responsabilidade
civil decorrente do cyberbullying – 5. Considerações nais – 6. Referências bibliográcas
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
Em matéria de autoridade parental, poucas discussões se revelam tão turbulen-
tas quanto a que se propõe a debater o papel desempenhado pelos genitores sobre o
modo como seus f‌ilhos menores interagem na internet – particularmente, nas diversas
redes sociais de amplo acesso e disseminação de informações. Por mais vigilantes
que sejam os pais, e ainda que tais redes tencionem limitar o acesso de menores de
idade ao seu conteúdo, é difícil exercer amplo controle sobre as atividades dos f‌ilhos
no âmbito virtual.
Entre os diversos dilemas que concernem à utilização destas redes por crianças
e adolescentes, emerge um fato de amplo alcance e difícil controle: a prática do de-
nominado cyberbullying, a partir da qual incontáveis ofensas e graves danos podem
ser sistematicamente dirigidos a outros usuários da internet, muitos deles, por igual,
menores de idade e, portanto, particularmente vulneráveis.
As linhas que se seguem se propõem ao enfrentamento do tema, perpassando
pelo paradoxo verif‌icado entre a autoridade parental, de um lado, e o direito à autor-
realização dos f‌ilhos menores, de outro lado, para que caiba verif‌icar, af‌inal, quando
e de que modo os pais podem se tornar civilmente responsáveis pelo cometimento
de atos de cyberbullying, quando praticados por crianças e adolescentes que estejam
sob sua autoridade.
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2. AUTORIDADE PARENTAL
Quando se pensa em autoridade familiar, em uma perspectiva histórica, tem-se
em mente a imagem de um homem, o pai, como provedor f‌inanceiro e detentor de
poder sobre os demais membros da família. Tal cenário mudou muito com o passar
do tempo, tanto em relação à estrutura familiar quanto à situação de hierarquia e de
controle paternal outrora prevalecente.
Apesar de a Constituição Federal brasileira de 1988, em seu art. 226, apresentar
a composição da família como a união entre homem e mulher, o Supremo Tribunal
Federal, órgão máximo da Justiça no país, vem sistematicamente decidindo, parti-
cularmente a partir de 2011, pela ampliação de tal conceito, pautando-se os julgados
no princípio constitucional da isonomia, de forma a aproximar os entendimentos
judiciais da realidade da sociedade atual, que não revela uma fórmula f‌ixa e limitada
de família, tendo em vista o reconhecimento legal das relações homoafetivas e a forte
e crescente atuação da f‌igura feminina no núcleo familiar, no mercado de trabalho
e nos demais meios sociais.
Ademais, o poder familiar, que antes era sinônimo de autoritarismo e coerção,
hoje se apresenta como autoridade parental, por meio de diálogo e afeto entre todos os
membros da família, de forma a valorizar e preservar concomitantemente os direitos
fundamentais dos f‌ilhos e os deveres fundamentais dos pais. A autoridade parental,
portanto, é o meio pelo qual os adultos, pais ou responsáveis legais, exercendo seus
deveres, auxiliam os menores na promoção e no gozo de seus direitos, resultando na
construção e no aumento gradativo de sua autonomia e no respeito à sua dignidade.1
O conceito de dignidade, a propósito, ganhou força no Brasil com a promul-
gação da Constituição Federal de 1988, tido aquele como principal fundamento da
referida Carta, cujos preceitos promovem maior harmonia e justiça em sociedade,
assim como a valorização dos indivíduos que a compõem. A família, como alicerce
desta sociedade, encontra-se amparada nos princípios constitucionais responsáveis
pela promoção da dignidade.
Com a valorização do indivíduo no ordenamento jurídico, um ente, em especial,
mereceu particular destaque: a pessoa em desenvolvimento, como são chamados
crianças e adolescentes, também def‌inidos como incapazes pelo Código Civil Bra-
sileiro de 2002. Tal incapacidade pode ser absoluta ou relativa, de acordo com os
critérios etários def‌inidos pelo Código, com base numa presunção de menor e maior
discernimento entre as faixas de idade estipuladas: são absolutamente incapazes os
menores de 16 anos, e relativamente incapazes aqueles que se acharem entre os 16 e
18 anos. Justamente por não possuírem total discernimento, maturidade, desenvol-
vimento pessoal, moral e psíquico, os menores passaram a merecer prioridade quanto
1. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. 2 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Renovar, 2009, p. 136-140.
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