Sobre um dos dilemas patrimoniais da autoridade parental: o usufruto legal previsto pelo ART. 1.689, i do código civil

AutorAnna Cristina de Carvalho Rettore e Beatriz de Almeida Borges e Silva
Páginas301-316
SOBRE UM DOS DILEMAS PATRIMONIAIS
DA AUTORIDADE PARENTAL:
O USUFRUTO LEGAL PREVISTO
Anna Cristina de Carvalho Rettore
Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Advogada
Beatriz de Almeida Borges e Silva
Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Advogada
Sumário: 1. Introdução – 2. O usufruto legal e o pátrio poder no Código Civil de 1916 – 3. O
usufruto legal e o atual conteúdo da autoridade parental – 4. Notas conclusivas – 5. Referên-
cias Bibliográcas
1. INTRODUÇÃO
O advento da Constituição de 1988 e a centralização da busca pela promoção
da dignidade do homem concretamente considerado levaram à intensif‌icação dos
estudos vertidos à tutela existencial da pessoa, com vistas à superação de um modelo
anterior que direcionava todas as atenções do Direito à seara patrimonial da vida
humana.
Esse movimento não foi diferente no que toca às investigações doutrinárias
relativas à autoridade parental, as quais teceram considerações de importância
inquestionável acerca do sentido das funções parentais face ao desenvolvimento
dos f‌ilhos em uma perspectiva democrática da família, pela qual todos devem ser
chamados e estimulados a participar em prol tanto do desenvolvimento individual
de suas personalidades quanto do compartilhamento de um objetivo comum a todos
no sentido da promoção da dignidade dos demais.
Disso decorre, por exemplo, a preocupação doutrinária com a atribuição de
conteúdo aos deveres parentais de assistência, criação e educação dos f‌ilhos menores,
mencionados no art. 229 da Constituição, especialmente da perspectiva existencial
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ANNA CRISTINA DE CARVALHO RETTORE E BEATRIZ DE ALMEIDA BORGES E SILVA
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de seus atributos, na medida em que foram até então negligenciados por uma ordem
jurídica de cunho eminentemente patrimonialista.1
Como que pendularmente, todavia, se outrora a preocupação era excessivamente
vertida aos aspectos patrimoniais de nossa vivência, os estudos atinentes aos atri-
butos da autoridade parental passaram a se centrar no que não havia sido até então
explorado, isto é, os seus aspectos existenciais, de modo tal que a seara patrimonial
do exercício da autoridade parental acabou relegada a segundo plano, conquanto
ainda carecesse de investigação acerca da funcionalização de seus institutos à própria
perspectiva existencial.
Daí se acredita decorrer a razão para a pouca extensão dos comentários atuais
acerca dos arts. 1.689 a 1.693 do Código Civil – atinentes ao usufruto e à adminis-
tração de bens dos f‌ilhos menores, contidos no Subtítulo II, Título II, do Capítulo
V do Código Civil2 – que problematizem, sob foco da nova perspectiva civil-consti-
tucional, aqueles que haviam sido feitos na vigência do Código Civil de 1916. Uma
tal problematização é o que se coloca como objetivo do presente estudo, mediante
recorte de objeto para enfoque do art. 1689, I da legislação civil, o qual versa sobre
o usufruto legal dos pais com relação a bens dos f‌ilhos na constância do exercício da
autoridade parental. Trata-se de usufruto que, em vista de sua origem, constitui um
direito de família e não um direito real;3 além disso, uma vez que decorre da lei, dife-
rencia-se do direito real também por independer de registro para sua conf‌iguração.4
Busca-se empreendê-lo por meio da adoção de uma investigação jurídico-
compreensiva, pela qual se utiliza o “procedimento analítico de decomposição de
um problema jurídico em seus diversos aspectos, relações e níveis (...), própria das
pesquisas compreensivas e não somente descritivas”,5 bem como pelo uso de fontes
de natureza primária, especialmente normas brasileiras em geral, e de natureza se-
cundária, pela análise de conteúdos da doutrina jurídica.
Assim, o trabalho tem início com a investigação sobre o alcance do usufruto
legal em direito de família no Código Civil de 1916, por meio do confronto de lições
1. Ver, por todos: TEPEDINO, Gustavo. A disciplina da guarda e a autoridade parental na ordem civil-consti-
tucional. In: Revista Trimestral de Direito Civil, v. 5, n. 17, p. 33-49, jan./mar., 2004, p. 5-10. Disponível em:
.ufsc.br/portal/sites/default/f‌iles/anexos/32356-38899-1-PB.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2018.
2. Capítulo V: Do Poder Familiar; Título II: Do Direito Patrimonial; Subtítulo II: Do Usufruto e da Adminis-
tração dos Bens de Filhos Menores.
3. Não obstante, os atributos do direito de usufruto são preenchidos pelo art. 1.394 do Código Civil, segundo
o qual “o usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos”, de modo que o
detentor da autoridade parental dispõe de tais possibilidades com relação a todo o patrimônio dos f‌ilhos.
4. “(...) o usufruto dos pais sobre os bens dos f‌ilhos, proveniente da autoridade de seu poder familiar não se
confunde com a regra do usufruto como direito real, tratando-se de um Direito de Família, de caráter especial
(...)” – MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 5. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2013,
p.688. Código Civil, art. 1.227: “Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre
vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a
1.247), salvo os casos expressos neste Código”.
5. GUSTIN, Miracy Barbosa de Souza; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)pensando a pesquisa jurídica: teoria e
prática. 2. ed. rev., ampl. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 29.
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