Tutela do direito à intimidade de adolescentes nas consultas médicas
Autor | Taysa Schiocchet e Amanda Souza Barbosa |
Páginas | 207-232 |
TUTELA DO DIREITO À INTIMIDADE DE
ADOLESCENTES NAS CONSULTAS MÉDICAS1
Taysa Schiocchet
Pós-doutora pela UAM, Espanha. Doutora em Direito pela UFPR, com estudos doutorais
na Université Paris I–Panthéon Sorbonne e na FLACSO, Buenos Aires. Professora do
Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR. Líder do grupo de pesquisa Clínica
de Direitos Humanos (UFPR). Contato: taysa_sc@hotmail.com
Amanda Souza Barbosa
Doutora em Jurisdição Constitucional e Novos Direitos pela UFBA. Mestre em Direito
Público pela UNISINOS. Professora de Direito Civil da UNIFACS. Pesquisadora nos
grupos Vida (UFBA) e Clínica de Direitos Humanos (UFPR). Consultora jurídica em
Direito Médico e Bioética. Contato: amandabarbosa.pesquisa@gmail.com
Sumário: 1. Introdução – 2. Panorama normativo sobre a tutela do direito à intimidade de
adolescentes na esfera da assistência à saúde; 2.1 Disciplina normativa da intimidade de ado-
paciente-adolescente: em direção à especicação do dever de sigilo prossional – 3. Análise
da tutela do direito à intimidade de adolescentes na assistência à saúde: seus contornos e
viabilidade; 3.1 A incapacidade civil do adolescente: mecanismo disciplinar e biopolítico
de controle dos corpos; 3.2 Críticas à teoria das incapacidades do direito civil: o adolescente
como agente decisor na esfera existencial – 4. Considerações nais – Referências.
1. INTRODUÇÃO
A relação médico-paciente tem passado por transformações sensíveis a partir
da segunda metade do século XX. A postura paternalista do profissional da saúde
vem cedendo espaço a uma conduta direcionada a viabilizar que o paciente, alçado
a protagonista no processo decisório em saúde, determine o que (não) fazer em ter-
mos terapêuticos. Essa transição, por si só, traz uma série de desafios nessa dinâmica
relacional. Tal complexidade é agrava quando se está diante de um paciente que é
adolescente e, por isso, depende de um representante legal para tomar decisões a priori.
Em atenção a esse contexto, propõe-se a análise dos contornos do exercício do
direito à intimidade de adolescentes no contexto da assistência à saúde no Brasil.
1. Registramos nossos agradecimentos à colaboração da colega Suéllyn de Aragão no processo de atualização
do texto. Ela é médica, servidora da UFPR e MPPR, especialista em Medicina do Trabalho (UNIVALI),
mestre em Saúde Coletiva (UFPR) e Doutoranda em Direito (UFPR). Pesquisadora associada da Clínica de
Direitos Humanos / Biotecjus (UFPR); do grupo de pesquisa Política, Avaliação e Gestão em Saúde (UFPR)
e do grupo de pesquisa em Direitos Humanos do MPPR.
TAYSA SCHIOCCHET E AMANDA SOUZA BARBOSA
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Em outras palavras, será colocado sob análise como o profissional da saúde deve se
comportar quanto à preservação da intimidade do paciente-adolescente, em especial
na observância do dever de sigilo profissional. Para tanto, dividiu-se a explanação em
duas partes: a primeira dedicada a um panorama normativo sobre a tutela do direito
à intimidade de adolescentes na esfera assistencial, e a segunda referente ao estudo
da teoria das incapacidades.
Na primeira parte, o direito à intimidade foi situado enquanto direito da per-
sonalidade que se traduz, na esfera assistencial, nos deveres de confidencialidade e
sigilo profissional. Após análise do panorama normativo brasileiro, em sentido amplo,
percebeu-se que as regras sobre o assunto se concentram na deontologia médica e,
assim como a teoria das incapacidades do Direito Civil, carece de especificações para
oferecer diretrizes mais precisas aos atores dessa relação sobre o que se entende por
boa ou má prática nesse contexto.
A este desafio foi dedicado o segundo momento do trabalho. Percebeu-se que
a possível quebra do sigilo profissional, enfraquecendo-se a tutela do direito à in-
timidade do paciente-adolescente, está assentada na premissa de que esse sujeito
não apresenta capacidade decisória. Sendo assim, fez-se uma análise da teoria das
incapacidades do Direito Civil – que taxa os adolescentes de absoluta ou relativa-
mente incapazes a depender da faixa etária – a partir do marco teórico do biopoder,
na perspectiva foucaultiana, e a partir da doutrina bioética-jurídica.
Esse caminho foi orientado pela metodologia dialética e subsidiado por pesquisas
do tipo documental e bibliográfica. Ao final, chegou-se a considerações a respeito
do estado da arte, sistematizando-se as análise e propostas colacionadas ao longo
do texto, destacando-se o quanto um tratamento geral e abstrato da (in)capacidade
decisória do paciente-adolescente é incompatível com a complexidade da vida real
e seus mais variados matizes, podendo redundar em situações de desproteção e des-
cumprir o mandamento de proteção integral deste grupo social.
2. PANORAMA NORMATIVO SOBRE A TUTELA DO DIREITO À INTIMIDADE
DE ADOLESCENTES NA ESFERA DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE
Para a execução do objetivo proposto, é fundamental mapear o que a norma
jurídica, em sentido lato, tem a dizer a respeito do exercício do direito à intimidade
por adolescentes. De início, algumas premissas devem ser esclarecidas: os contornos
do direito à intimidade e o que significa, no âmbito normativo, falar-se em adolescen-
tes. Cumpre destacar que o direito à intimidade conta com previsão no art. 5º, X da
pelos danos morais e materiais decorrentes de sua violação.
2. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: .
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