Internet of toys: os brinquedos conectados à internet e a necessária proteção da criança e do adolescente

AutorLivia Teixeira Leal
Páginas159-172
INTERNET OF TOYS: OS BRINQUEDOS
CONECTADOS À INTERNET E A NECESSÁRIA
PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Livia Teixeira Leal
Doutoranda e Mestre em Direito Civil pela UERJ. Pós-Graduada pela EMERJ. Pro-
fessora da PUC-Rio, da EMERJ e da ESAP. Assessora no Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro – TJRJ.
Sumário: 1. O desenvolvimento da Internet das coisas e os novos desaos – 2. Internet of toys:
os brinquedos conectados à Internet e os riscos para a criança e o adolescente – 3. Instrumentos
jurídicos de proteção – 4. Considerações nais – 5. Referências bibliográcas
1. O DESENVOLVIMENTO DA INTERNET DAS COISAS E OS NOVOS
DESAFIOS
É inegável que o desenvolvimento tecnológico vem ocupando posição de desta-
que nos debates mundiais, em razão das profundas transformações proporcionadas
pela Internet. Originada de um sistema desenvolvido com f‌ins militares, na década
de 1960, pela Agência de Projetos de Pesquisa Avançada do Departamento de Defesa
dos Estados Unidos (Darpa),1 a Internet foi, posteriormente, difundida para as mais
variadas formas de utilização humana e vem revolucionando de forma signif‌icativa
diversos setores da sociedade.
Uma das promessas ligadas ao desenvolvimento das novas tecnologias refere-se
à facilitação das atividades humanas, incluídas aquelas mais cotidianas e simples,
como ligar a televisão, acender a luz, preparar a comida, utilizar o elevador, etc. Se,
durante algum tempo, a existência de uma programação dos utensílios domésticos
e também dos próprios carros permeou o imaginário humano como uma chance de
obter um ideal de praticidade e conforto – como um bater de palmas para acionar a
iluminação ou até mesmo o chuveiro –, esse desejo nunca esteve tão próximo de se
tornar realidade.
A concretização da ideia de conectar de forma organizada e programada diversos
objetos e utilidades advém de estudos desenvolvidos por um grupo do Massachusetts
Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos.2 A interação entre uma varieda-
1. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 17. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2016, p. 65.
2. EVANS, Dave. The Internet of Things: How the Next Evolution of the Internet Is Changing Everything. Cisco
Internet Business Solutions Group (IBSG), 2011. Disponível em:
about/ac79/docs/innov/IoT_IBSG _0411FINAL.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2017.
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de de objetos por meio de conexões e esquemas de endereçamento para alcançar
determinados objetivos vem sendo denominado de Internet das Coisas (Internet of
Things – IoT),3 abrangendo não apenas as funcionalidades do ambiente doméstico,
mas também da própria cidade. Importa observar que a Internet das Coisas também
vem sendo identif‌icada com outras nomenclaturas, como inteligência artif‌icial,
ambientes conectados, cidades inteligentes, etc.4
Sem dúvida, a interconexão de diversos dispositivos e a coleta e análise de da-
dos em larga escala podem representar um grande avanço em termos de facilitação
de tarefas diárias e, também, de planejamento estatal para a elaboração de políticas
públicas direcionadas à promoção do bem-estar da população.
Em 2005, a Internet das Coisas foi debatida como um novo e interativo ecossiste-
ma pela International Telecommunication Union (ITU), agência da ONU especializada
em tecnologias de informação e comunicação, sendo apontada como um mecanismo
de desenvolvimento humano e de transformação econômica.5
No Brasil, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL vem buscando
implementar o protocolo IPv6, que confere o suporte técnico para a implementação
em larga escala da interconexão proposta pela Internet das Coisas,6 o que indica a ne-
cessidade cada vez maior de se discutir os possíveis impactos dessas novas utilidades.
Isso porque, apesar da sensação de controle e ef‌iciência transmitida pela pos-
sibilidade de gerenciar objetos diversos por meio de um simples dispositivo, a con-
f‌iabilidade da Internet das Coisas vem sendo questionada em relação a aspectos de
privacidade e segurança, sobretudo em relação à coleta de dados pessoais dos usuários.
No que se refere ao direito à privacidade, cabe ressaltar que o art. 12º da De-
claração Universal dos Direitos Humanos7 e o art. 17 do Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos, internalizado pelo Brasil por meio do Decreto 592/92,8
dispõem sobre a garantia de proteção da pessoa em relação a quaisquer ingerências
3. AIOTI – Alliance for Internet of Things Innovation. Internet of Things Applications. WG01 – IERC – Release
1.0. 2015. Disponível em: g/wp-content/uploads/2016/10/AIOTIWG01Report2015.
pdf>. Acesso em: 20 mar. 2017.
4. Postscapes. Best Internet of Things Def‌inition. Disponível em: -
-things-def‌inition/>. Acesso em: 7 abr. 2017.
5. International Telecommunication Union. ITU Internet Reports: The Internet of Things, November 2005.
Disponível em: .
Acesso em: 7 abr. 2017.
6. BRASIL. Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL. Avaliação de suporte ao IPv6 em produtos
com interface para redes móveis será compulsória. Disponível em: .anatel.gov.br/institucional/
ultimas-noticiass/496-avaliacao-de-suporte-ao-ipv6-em-produtos-com-interface-para-redes-moveis-sera-
-compulsoria>. Acesso em: 21 mar. 2017.
7. Estabelece o artigo 12º da Declaração Universal dos Direitos Humanos que “Ninguém sofrerá intromissões
arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à
sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei”.
8. No mesmo sentido, determina o art. 17 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos – Decreto
592/92 que “1. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua
família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação. 2.
Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas”.
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arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em
sua correspondência. No Brasil, o art. 5º da Constituição da República de 1988, em
seu inciso X, prevê a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, assegurando o
direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Stefano Rodotà, ao af‌irmar que o direito à privacidade não pode mais ser restrito
ao tradicional right to be left alone,9 associando-o ao direito à autodeterminação in-
formativa, ou seja, à possibilidade do indivíduo de controlar as informações que lhe
dizem respeito, identif‌ica a insuf‌iciência da autorregulação das relações no âmbito
da circulação das informações pessoais, reconhecendo a necessidade da intervenção
do Estado, sobretudo com a f‌inalidade de reequilibrar as relações de poder. 10
No entanto, muitas dif‌iculdades surgem, também, no que tange ao tratamento
jurídico a ser previsto para a regulamentação da Internet das Coisas. O equilíbrio
entre o estímulo ao desenvolvimento de novas utilidades por meio da livre inicia-
tiva e a proteção da privacidade e dos dados pessoais dos usuários vem sendo um
ideal buscado. Além disso, o caráter global da rede desaf‌ia os limites territoriais
da aplicação das normas jurídicas, sendo necessário um diálogo entre os diversos
ordenamentos jurídicos para que sejam estabelecidas diretrizes comuns, bem como
a construção de mecanismos técnicos que auxiliem na garantia de integridade do
sistema utilizado.11
Diante da inevitabilidade desse avanço e dos riscos que já vêm gerando inúmeras
discussões, sobretudo em decorrência da vulnerabilidade do usuário, que muitas
vezes não tem acesso às informações indispensáveis para utilizar de forma segura a
plataforma, emerge uma preocupação ainda maior em relação às crianças e adoles-
centes, reconhecida sua hipervulnerabilidade, decorrente de sua condição peculiar
de pessoa em desenvolvimento.12
9. A privacidade foi def‌inida, inicialmente, por Warren e Brandeis como “direito de ser deixado só”. BRANDEIS,
Louis; WARREN, Samuel. The right to privacy. Harvard Law Review, vol. 4, n. 5, 1890.
10. RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância: a privacidade hoje. In: MORAES, Maria Celina Bodin
de (org.). Tradução Danilo Doneda e Luciana Cabral Doneda. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 128.
11. Patricia Peck e Coriolano Almeida Camargo destacam que “A nacionalização dos dados não é caminho para
promover a governança global, e sim convenções e tratados internacionais que fortaleçam a conf‌iança e a
transparência no ambiente neutro mundial que deveria ser a Internet. O que viabiliza isso hoje é a nuvem
(cloud) que pode garantir um espaço digital neutro que não está em um ou outro Estado mas sim no espaço
coletivo digital, com regras comuns que todos devam seguir e não país a país, o que é inviável”. PECK, Pa-
tricia; CAMARGO, Coriolano Almeida. Livre f‌luxo de dados é caminho sustentável para a economia digital.
Revista Consultor Jurídico, 7 de abril de 2017. Disponível em: .com.br/2017-abr-07/
livre-f‌luxo-dados-caminho-sustentavel-economia-digital>. Acesso em: 9 abr. 2017.
12. “Diante da realidade, impõe-se o reconhecimento de que as crianças estão em posição de maior debilidade
em relação à vulnerabilidade reconhecida ao consumidor-padrão. Cuida-se de uma vulnerabilidade fática
(física, psíquica e social) agravada ou dupla vulnerabilidade, isto é: o consumidor-criança, em razão de
suas qualidades específ‌icas (reduzido discernimento, falta de percepção) são mais susceptíveis aos apelos
dos fornecedores”. CARVALHO, Diógenes Faria de; OLIVEIRA, Thaynara de Souza. A categoria jurídica de
‘consumidor-criança’ e sua hipervulnerabilidade no mercado de consumo brasileiro. Revista Luso-Brasileira
de Direito do Consumo, vol. V, n. 17, mar. 2015, p. 224.
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Sob esse aspecto, relevantes discussões têm girado em torno dos brinquedos
conectados à Internet – o que se vem denominando de Internet of toys –, o que será
abordado a seguir.
2. INTERNET OF TOYS: OS BRINQUEDOS CONECTADOS À INTERNET E OS
RISCOS PARA A CRIANÇA E O ADOLESCENTE
Os brinquedos conectados à Internet vêm prometendo uma experiência única e
uma verdadeira inovação para os produtos direcionados às crianças.13 Trata-se de uma
variedade de produtos capazes de interagir com o usuário infante de forma inteligente
– não apenas por meio de repetição simples de frases ou músicas em uma gravação,
como os produtos tradicionais, mas sim de forma interativa. Assim, pode-se pensar em
bonecos e ursinhos que respondem ao que é falado pela criança, reproduzindo uma
resposta individualizada, por meio de microfones e sistemas de reconhecimento de voz.
Em 2015, uma empresa chamada Elemental Path anunciou o lançamento de uma
linha de brinquedos inteligentes chamada de CogniToys, apresentando um dinossauro
verde falante, com um supercomputador integrado, capaz de reconhecer e interpre-
tar comandos de voz de forma conectada à Internet e à nuvem, dando respostas de
acordo com a idade da criança.14
A ideia parece ser bem interessante de início, mas a comercialização e a utilização
desse tipo de produto vêm sendo questionadas pelas fragilidades ainda existentes
no que se refere à segurança e à privacidade dos usuários, sobretudo levando-se em
consideração a vulnerabilidade desses.
No início de 2017, a Agência Federal de Redes, Bundesnetzagentur, responsável
pelas telecomunicações na Alemanha, alertou sobre possíveis falhas de privacidade
na boneca falante Cayla, fabricada pela empresa Genesis Toys, e orientou que os pais
desativassem o brinquedo interativo.15
Foram apontados alguns problemas de segurança, como o fato de uma pessoa que
esteja utilizando a mesma rede poder se conectar ao brinquedo e falar com a criança
por meio dele. De fato, invasores mal-intencionados podem utilizar esse recurso
como forma de ter fácil acesso à criança ou ao adolescente, sem a intermediação ou
vigilância dos pais.
13. Valor Econômico. Disney aposta forte em internet “vestível” e brinquedos conectados. 2015. Disponível em:
.com.br/empresas/4081076/disney-aposta-forte-em-internet-vestivel-e-brinquedos-co-
nectados>. Acesso em: 22 mar. 2017.
14. EXAME. Supercomputador Watson é o cérebro deste dinossauro falante de brinquedo. Disponível em:
exame.abril.com.br/tecnologia/supercomputador-watson-e-o-cerebro-deste-dinossauro-falante-de-brin-
quedo/>. Acesso em: 08 abr. 2017.
15. BBC. Autoridades alemãs fazem alerta contra boneca que pode ser hackeada para espionar crianças. Dis-
ponível em: tuguese/internacional-39007610>. Acesso em: 22.3.2017.
ISTOÉ. Alemanha proíbe boneca conectada à internet por risco de espionagem. Disponível em:
br/alemanha-proibe-boneca-conectada-a-internet-por-risco-de-espionagem/>. Acesso em: 22 mar. 2017.
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Há, ainda, riscos de que o brinquedo conectado via bluetooth ou wi-f‌i possa se
transformar em um espião dentro do quarto da criança, enviando seus dados sem
o consentimento dos pais, e há preocupações relacionadas à possível utilização de
propagandas nos brinquedos, que podem ser feitas de forma pouco clara.16
A possibilidade de dano é potencializada por essa espécie de “invasão” de um
dispositivo coletor de dados justamente no local mais íntimo e que deveria ser de
maior proteção para o infante. Além disso, quando uma criança ou um adolescente
utiliza um computador ou um telefone celular, por exemplo, há minimamente uma
ideia dos potenciais riscos da utilização do aparelho, como o acesso a páginas ina-
dequadas ou a possível interação com pessoas desconhecidas. Contudo, quando se
presenteia a criança com um brinquedo, ou seja, um produto direcionado ao público
infantojuvenil, a percepção a respeito de tais riscos se torna mais dif‌icultosa, de modo
que o dever de informação do fornecedor acerca dos riscos se torna especialmente
importante.
Questiona-se, ainda, a segurança dos dados coletados pelas empresas por inter-
médio desse tipo de produto, sobretudo pela falta de transparência ainda existente
em relação aos mecanismos de recepção e tratamento dessas informações, associada
à vulnerabilidade fática e técnica do próprio usuário.
Outras indagações surgem quanto à responsabilidade da empresa em decorrência
do conhecimento de alguma situação de risco vivenciada pelo infante. Se a criança
ou o adolescente relatar algum crime ou violência que esteja sofrendo e a empresa
tomar ciência disso, ela poderá/terá que denunciar? Como compatibilizar o dever
jurídico de proteção integral com esse tipo de situação?
Além das questões apresentadas, também podem ser observadas críticas associa-
das aos possíveis impactos psicológicos dessa interação da criança com o brinquedo,
considerando-se que também faz parte do desenvolvimento infantil que a criança
interaja com o boneco de forma a ela mesma elaborar e responder às perguntas. Os
novos mecanismos relacionais estabelecidos com os brinquedos interativos promo-
vem modif‌icações até mesmo na construção do brincar, gerando ref‌lexos a serem
considerados.
A instituição DataEthics, situada na Dinamarca, apresentou algumas dif‌iculdades
atinentes ao uso desses produtos, esclarecendo que os brinquedos conectados são
“inteligentes” porque possuem um perf‌il detalhado da criança, utilizando-se dessas
informações para “interagir” com o infante. Dessa forma, questiona-se: onde esse
16. A Resolução 163/14 do CONANDA prevê a necessidade de um cuidado especial às características psicológicas
do adolescente e sua condição de pessoa em desenvolvimento em relação à publicidade e à comunicação
mercadológica dirigida a ele (art. 3º, II). Conforme estabelece o art. 36 do CDC, “a publicidade deve ser
veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identif‌ique como tal”. Além disso, é
considerada abusiva a publicidade que se aproveite da def‌iciência de julgamento e experiência da criança,
ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou
segurança (art. 37, § 2º, CDC). O fato de a publicidade poder ser feita por meio da fala do brinquedo, de
modo a dif‌icultar a sua identif‌icação, é, sem dúvida, um risco para a criança.
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perf‌il f‌ica armazenado? Quem pode acessá-lo? Como esses dados se relacionam com
outros? Eles podem ser deletados?
Ainda, a interação do brinquedo com a criança é baseada em algoritmos, que
precisam ser transparentes, assim como o desenvolvimento tecnológico deve estar de
acordo com os preceitos legais de proteção às crianças e adolescentes, considerando
sua vulnerabilidade e condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Até mesmo
o monitoramento dos pais sobre a criança por meio desses objetos deve ser pensado,
para que não constitua uma verdadeira invasão à privacidade do f‌ilho.17
Buscando regular de forma mais ef‌iciente a coleta de dados de crianças menores
de 13 anos,18 a Federal Trade Commission, agência de defesa do consumidor dos Es-
tados Unidos, promoveu, em 2013, uma atualização da lei americana de proteção de
dados das crianças na Internet, conhecida como COPPA – Children’s Online Privacy
Protection Act. As alterações tiveram por f‌inalidade aprimorar a transparência, a se-
gurança e o consentimento na coleta e no tratamento dos dados, evitando que esses
fossem repassados a terceiros e alertando aos pais diretamente a respeito da obtenção
dessas informações, de modo a permitir que eles solicitem a exclusão desses dados
a qualquer tempo.19
São considerados dados pessoais protegidos pela COPPA o nome completo, CPF,
endereço, número de telefone, contato eletrônico – como e-mail, IP, cookie, etc. –,
o nome de usuário, localização, fotos, vídeos ou arquivos de áudio que contenham
a imagem ou voz da criança, e outras informações coletadas que possam ser combi-
nadas para gerar a identif‌icação do usuário.
Em dezembro de 2016, o Conselho dos Consumidores da Noruega publicou o
relatório #Toyfail, que apontou violações relacionadas à privacidade e à segurança em
brinquedos que se conectam à Internet. Foi constatado que as empresas reivindicam
licenças amplas para usar e distribuir dados de voz de crianças, sem identif‌icar e
restringir adequadamente os propósitos para os quais essas informações poderiam
ser usadas, além de não comunicarem aos usuários alterações potenciais nos termos
de uso.
Observou-se, também, que os termos são geralmente vagos sobre a retenção de
dados, e que alguns brinquedos transferem informações pessoais para um terceiro
comercial, que se reserva o direito de usar essa informação para praticamente qualquer
propósito, não relacionado à funcionalidade dos brinquedos. Além disso, foram rela-
tadas falhas na segurança, na medida em que qualquer pessoa consegue conectar-se
ao brinquedo por meio de um telefone celular, podendo falar com a criança e ouvi-la
17. DATAETHICS. Internet of toys: data ethical considerations. Workshop, Gry Hasselbalch, DataEthicsEU,
2016. Disponível em: -
siderations.pdf>. Acesso em: 8 abr. 2017.
18. Deve-se ressaltar que, pela legislação brasileira, criança é a pessoa até doze anos de idade incompletos.
19. COPPA – Children’s Online Privacy Protection Act. Disponível em: .
Acesso em: 8 abr. 2017.
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à distância por intermédio do brinquedo, e foram verif‌icadas indicações publicitá-
rias, como o fato de o brinquedo falar para a criança o quanto ela deseja ir à Disney.20
Foi, ainda, apresentada, em dezembro de 2016, uma reclamação com pedido
de providências perante a Federal Trade Commission, por organizações que defen-
dem os direitos do consumidor, que também apontaram problemas existentes nos
brinquedos conectados.21
Essas são algumas questões que vêm sendo apontadas como potenciais riscos
para os usuários, sendo imprescindível estabelecer normativas que determinem a
adequação dos produtos às regras de proteção para que possam ser comercializados,
e também conscientizar e informar os adultos que adquirem esse tipo de produto
sobre as peculiaridades de sua utilização pelas crianças.
É inegável que os brinquedos conectados serão o futuro – sem contar que, no
presente, a maioria dos videogames e outros produtos já apresentam algum sistema
de conexão com a Internet. Resta, enf‌im, o estabelecimento de normas que permitam
a adequação desses produtos à segurança e à proteção que se espera quando se trata
de crianças e adolescentes.
3. INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE PROTEÇÃO
A respeito dos instrumentos jurídicos de proteção já existentes, cabe ressal-
tar, em primeiro lugar, o art. 227 da Constituição da República de 1988 e o art. 4º
corresponsabilização do Estado, da família e da sociedade em relação à garantia dos
direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes. Considerados como sujeitos
de direitos pela nova ordem constitucional, aos infantes é conferida proteção integral
e prioridade absoluta, buscando-se contemplar seu melhor interesse nas situações
concretas que lhe dizem respeito.
É nesse contexto jurídico que deve ser pensada a relação das novas tecnologias
com o universo infantil. É imprescindível compreender como a Internet pode po-
tencializar a vulnerabilidade da criança e do adolescente, devendo-se buscar formas
de neutralizar os perigos da rede, sem, contudo, que haja uma invasão completa no
espaço de privacidade e autonomia do f‌ilho.
Não se pode ignorar que a tecnologia constitui um potencial instrumento de
operacionalização do controle parental, o que pode ser verif‌icado com os novos apli-
cativos por meio dos quais os pais podem obter a localização dos f‌ilhos em tempo real
20. NORWEGIAN CONSUMER COUNCIL. #Toyfail: An analysis of consumer and privacy issues in three inter-
net-connected toys. Dez. 2016. Disponível em:
toyfail_report_desember2016.pdf>. Acesso em: 8.4.2017.
21. Disponível em: . Acesso em: 8 abr.
2017.
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(o aplicativo Life36022 é um exemplo) ou mesmo ver o que os f‌ilhos estão postando
nas redes sociais, as mensagens privadas que estão enviando e com quem conversam
pelo celular (como se pode verif‌icar pela proposta do aplicativo TeenSafe,23 que atua
como uma espécie de espião inf‌iltrado no celular do adolescente).
Sem dúvida, a exposição das crianças e dos adolescentes aos novos recursos
tecnológicos gera riscos consideráveis, o que demanda uma especial atenção dos
pais, que possuem o dever jurídico de cuidado conforme estabelece o art. 229 da
Constituição Federal. A questão perpassa, ainda, pelo dever de educar (art. 1.634,
I do CC/02), não se podendo esquecer que os pais respondem pelos atos praticados
pelos f‌ilhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia (con-
forme estabelece o art. 932, I do CC/02).
Contudo, ao mesmo tempo em que essa proteção adquire novas feições, é preciso
atentar para que ela não se torne na verdade uma invasão do espaço de autonomia e
privacidade do f‌ilho. A educação dos f‌ilhos quanto à utilização das novas tecnologias
deve se operar para que eles mesmos possam adquirir a autonomia necessária para
uma utilização consciente e adequada dos serviços e produtos disponíveis.
No mesmo sentido deve ser a regulamentação jurídica sobre esse aspecto. Danilo
Doneda e Carolina Rossini observam que a normativa direcionada à proteção de dados
deve “ser colocada a serviço do livre desenvolvimento da criança e do adolescente
não somente ao protegê-los dos riscos da utilização abusiva de seus próprios dados
pessoais, mas também ao lhes proporcionar instrumentos para que eles próprios
controlem, com maior prof‌iciência, o destino de seus dados na rede”.24
O art. 29 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), reconhecendo a neces-
sidade de compatibilizar a utilização da rede com a proteção direcionada à criança e
ao adolescente, estabelece que “o usuário terá a opção de livre escolha na utilização
de programa de computador em seu terminal para exercício do controle parental
de conteúdo entendido por ele como impróprio a seus f‌ilhos menores, desde que
respeitados os princípios desta lei e da Lei 8.069/1990”.
Ressalta Patrícia Peck Pinheiro a importância de que os pais estejam atentos
aos perigos relacionados ao uso da Internet pelos f‌ilhos. A autora utiliza a expressão
“abandono digital” para referir-se à omissão dos pais quanto ao dever de vigilância
no âmbito da utilização da rede.25
22. Para mais informações, acessar: . Acesso em: 29 jan. 2018.
23. Para mais informações, acessar: . Acesso em: 29 jan. 2018.
24. DONEDA, Danilo; ROSSINI, Carolina. Proteção de dados de crianças e adolescentes na Internet. In: Pesquisa
sobre o uso da Internet por crianças e adolescentes no Brasil [livro eletrônico]. São Paulo: Comitê Gestor da
Internet no Brasil, 2015, p. 39.
25. PINHEIRO, Patrícia Peck. Abandono digital. In: PINHEIRO, Patrícia Peck (coord.). Direito Digital Aplicado
2.0. 2. ed. São Paulo: RT, 2016, p. 98/99.
No mesmo sentido, ao abordar o impacto das mídias eletrônicas sobre a constituição da infância, Aldo Pontes
ressalta que “a falta de uma educação mediadora aumenta a possibilidade de manipulação” através desses
meios, em decorrência do maior tempo de exposição do infante sem um processo educativo que transmita
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Com efeito, como já apontado, não se pode negar que uma das facetas da paren-
talidade responsável, hoje, direciona-se à proteção dos f‌ilhos em face das potencia-
lidades lesivas geradas pelas novas tecnologias. Na verdade, a supervisão moderada
e adequada ao que a criança e o adolescente acessa encerra dever decorrente do
exercício do poder familiar.26
Um dos maiores desaf‌ios, assim, diz respeito ao grau de independência que a
criança e o adolescente adquirem no uso das novas tecnologias, potencializado pelo
fato de que, muitas vezes, os pais não têm sequer acesso ou conhecimento sobre as
formas de utilização dos produtos.27
Prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 71, o direito do in-
fante ao lazer, e ao acesso a produtos e serviços, que devem considerar sua condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento, importando em responsabilidade da pessoa
física ou jurídica a inobservância das normas de prevenção. Além disso, dispõe o art.
70 do ECA como dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos
direitos da criança e do adolescente.
Ao lado da atuação dos pais ou responsáveis, dirige-se o parágrafo único do
art. 29 do Marco Civil ao Poder Público, que, em conjunto com os provedores de
internet e a sociedade civil, deve promover a educação e fornecer informações sobre
o uso de programas de computador, inclusive para a def‌inição de boas práticas para
a inclusão digital de crianças e adolescentes.
O Marco Civil da Internet congrega como fundamentos da disciplina do uso da
internet no Brasil tanto o respeito à liberdade de expressão e à livre iniciativa, quanto
a proteção dos direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade, o exercício
da cidadania em meios digitais, e a defesa do consumidor, devendo ser observada a
f‌inalidade social da rede (art. 2º). Pelo art. 3º da lei, a disciplina do uso da internet
no Brasil tem como princípios a proteção da privacidade e dos dados pessoais, bem
como a liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, resguardados,
ainda outros princípios previstos no ordenamento jurídico pátrio ou nos tratados
internacionais em que o Brasil seja parte.
O Decreto 8.771/2016, que regulamenta o Marco Civil, def‌ine, em seu art. 14, dado
pessoal como “dado relacionado à pessoa natural identif‌icada ou identif‌icável, inclusive
orientações para um consumo autônomo e crítico da mídia por parte das crianças e adolescentes. PONTES,
Aldo. A constituição da infância na sociedade midiática: notas para compreensão de outro universo infantil.
Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 8, n. 17, set./dez. 2007, p. 215.
26. Destaca Kátia Regina Maciel que o poder familiar “é instituto regido por normas de ordem pública, de modo
que é fundamental que o Poder Público coopere neste papel, dotando a família para exercer estes deveres
em favor dos f‌ilhos”. MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de Direito da Criança e
do Adolescente: aspectos teóricos e práticos. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 164. Dessa forma, é
de suma relevância que o Poder Público atue para efetivar o dever de informação no mercado de consumo
quanto aos brinquedos conectados, proporcionando um entendimento maior dos pais sobre os produtos.
27. A esse respeito, ver: FERREIRA, Mayra Fernanda. A (in)formação da infância na cultura de mídia tecnológica.
Disponível em: -
cia_-_Mayra.pdf>. Acesso em: 8 abr. 2017.
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números identif‌icativos, dados locacionais ou identif‌icadores eletrônicos, quando estes
estiverem relacionados a uma pessoa”, entendendo por tratamento de dados pessoais
“toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produ-
ção, recepção, classif‌icação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição,
processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da
informação, modif‌icação, comunicação, transferência, difusão ou extração”.28
O Decreto estabelece alguns padrões de segurança e sigilo, prevendo que os
provedores devem reter a menor quantidade possível de dados pessoais, comuni-
cações privadas e registros de conexão e acesso a aplicações, excluindo os registros
tão logo atingida a f‌inalidade de seu uso ou quando encerrado o prazo estabelecido
pelo Marco Civil.
Além disso, de acordo com a disposição constante no art. 7º do Marco Civil da
Internet, são assegurados ao usuário a inviolabilidade de sua intimidade e vida pri-
vada e a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, além
do sigilo do f‌luxo das comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial,
bem como o direito ao não fornecimento dos dados pessoais a terceiros.
Exige a lei que sejam apresentadas informações claras e completas sobre coleta,
uso, armazenamento, tratamento e proteção dos dados pessoais do usuário, que
somente poderão ser utilizados para f‌inalidades que justif‌iquem sua coleta, que não
sejam vedadas pela legislação e estejam especif‌icadas nos contratos de prestação de
serviços ou em termos de uso de aplicações de internet (art. 7º, VIII). É necessário
o consentimento expresso do usuário, que deverá ocorrer de forma destacada das
demais cláusulas contratuais (art. 7º, IX), prevendo-se a exclusão dos dados pessoais
fornecidos ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda
obrigatória de registros (art. 7º, XI).
Em agosto de 2018, foi publicada a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais
(LGPD) brasileira – a Lei nº 13.709/18, a qual, além de apresentar um arcabouço
normativo direcionado à proteção de dados pessoais, prevê, em seu art. 14, que o
tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá ser realizado em
seu melhor interesse, estabelecendo que “[o] tratamento de dados pessoais de crian-
ças deverá ser realizado com o consentimento específ‌ico e em destaque dado por pelo
menos um dos pais ou pelo responsável legal”, cabendo ao controlador29 realizar todos
os esforços razoáveis para verif‌icar a origem do consentimento, consideradas as tec-
nologias disponíveis. Além disso, os controladores devem informar de forma clara e
28. Cabe ressaltar que a Lei 12.414/2011, que trata dos bancos de dados relacionadas ao crédito, em seu art. 3º, §
3º, II, aponta como informações sensíveis aquelas “pertinentes à origem social e étnica, à saúde, à informação
genética, à orientação sexual e às convicções políticas, religiosas e f‌ilosóf‌icas”. No mesmo sentido, o PL
5276/2016, traz em seu art. 5º, III como dados sensíveis os “dados pessoais sobre a origem racial ou étnica,
as convicções religiosas, as opiniões políticas, a f‌iliação a sindicatos ou a organizações de caráter religioso,
f‌ilosóf‌ico ou político, dados referentes à saúde ou à vida sexual e dados genéticos ou biométricos”.
29. O art. 5º, VI, da LGPD def‌ine controlador como a “pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado,
a quem competem as decisões referentes ao tratamento de dados pessoais”
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INTERNET OF TOYS: OS BRINQUEDOS CONECTADOS À INTERNET
acessível os tipos de dados coletados, a forma de sua utilização e os procedimentos
para o exercício dos direitos previstos pela LGPD ao titular dos dados.
Questiona-se, contudo, de que forma e em que momento seria observado o con-
sentimento nos brinquedos conectados. O pai ou a mãe, ao adquirir o brinquedo na
loja, já estaria automaticamente autorizando a coleta de dados por meio da plataforma?
Haveria a necessidade de alguma manifestação posterior, mediante alertas e informa-
ções quanto à coleta, armazenamento e tratamento de dados? Deve-se lembrar que
os menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes pelo ordenamento
jurídico brasileiro (art. 3º, CC/02), de modo que essa atuação dos pais se faz relevante.
Aplica-se, ainda, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990 – CDC)
às relações de consumo realizadas na internet, como ressalta o art. 7º, XIII do Marco
Civil. O art. 10 do CDC, com viés preventivo, estabelece que o fornecedor não po-
derá inserir no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber
apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança, e, caso o
produto já esteja em circulação, deve comunicar o fato imediatamente às autoridades
competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.
Em se tratando de produto potencialmente perigoso à saúde ou segurança, o
fornecedor tem o dever de informar, de forma clara e ostensiva, a existência de riscos,
que não podem extrapolar os considerados normais e previsíveis. Trata-se de direito
básico do consumidor à informação adequada e clara sobre os diferentes produtos
e serviços, com especif‌icação correta sobre os riscos que apresentem (art. 6º, III).
Indaga-se, assim, se os riscos existentes quanto à segurança nos brinquedos
conectados exacerbariam o que seria considerado normal, ou se as def‌iciências ain-
da existentes seriam suf‌icientes para que fossem retirados de circulação, em prol da
garantia de proteção integral das crianças e adolescentes.
Não obstante toda a dif‌iculdade que esse dilema apresenta, certo é que não se pode
negar a imprescindibilidade de transparência das informações e dos termos de uso do
produto, de modo a viabilizar de fato a manifestação de um consentimento livre e es-
clarecido por parte dos pais que adquirem o produto. Em termos de privacidade, deve
ser reforçado o controle dos indivíduos sobre a forma como os dados estão sendo cole-
tados e tratados, bem como sobre quem realiza o gerenciamento dessas informações.30
Como destacam Ronaldo Lemos e Carlos Affonso de Souza, é preciso que a re-
gulação “possa preservar os direitos fundamentais e garantir que o desenvolvimento
tecnológico se torne um elemento que aprimore o desenvolvimento da personalidade
e as condições econômicas e sociais dos indivíduos e coletividades, e não o contrá-
rio”.31 E esse é o desaf‌io atual.
30. ATZORI, Luigi et al. The Internet of Things: A sur vey. Comput. Netw. (2010). Disponível em: .
researchgate.net/publication/22257 1757_The_Internet_of_Things_A_Survey>. Acesso em: 9 abr. 2017.
31. Souza, Carlos Affonso; Lemos, Ronaldo. Marco civil da internet: construção e aplicação. Juiz de Fora: Editar
Editora Associada Ltda, 2016, p. 16.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ideia de interconectar funcionalidades diversas a f‌im de facilitar a vida por
meio da Internet das coisas é uma realidade cada vez mais próxima, que vem gerando
questionamentos e ref‌lexões em nível mundial. Em paralelo ao crescimento da utili-
zação de dispositivos conectados, surgem preocupações relacionadas aos potenciais
riscos e danos dessas novas tecnologias, o que demanda especial atenção quando
crianças e adolescentes são os usuários.
Além da necessidade de transparência em relação ao tratamento dos dados
pessoais e de instrumentos que garantam a segurança quanto à origem, destino e
gerenciamento dessas informações, os brinquedos conectados à Internet (Internet
of toys) precisam adequar-se às peculiaridades atinentes ao universo infantojuvenil,
sendo certo que, nas questões que envolvem crianças e adolescentes, deve prevalecer
o seu melhor interesse.
Ao lado da conscientização dos pais a respeito da relevância de acompanhar e
observar a utilização que os f‌ilhos fazem da Internet, tendo-se esse cuidado como
uma das facetas da parentalidade responsável no mundo atual, é preciso que os
desenvolvedores e fornecedores de produtos conectados direcionados aos infantes
tenham uma preocupação efetiva com a segurança no tratamento dos dados coletados
e também com a transparência das informações atinentes à utilização dos brinquedos,
de forma clara e acessível para a população.
Na verdade, ainda que não seja por meio dos brinquedos conectados, cada vez
mais cedo as crianças têm acesso à rede, seja por meio de computadores, seja median-
te o contato com dispositivos móveis, como celulares e tablets. A própria educação
como um todo tem se voltado à conscientização das crianças e adolescentes e dos
pais quanto ao uso adequado das novas tecnologias, a f‌im de reduzir os potenciais
riscos de violação de seus direitos.
Apenas com informações claras e expressas é possível promover um debate sério a
respeito da proteção da criança e do adolescente no âmbito da Internet. Neste sentido,
transparência, informação e empoderamento do usuário a respeito de seus dados pes-
soais parecem ser os pilares para uma regulação adequada dos brinquedos conectados.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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EBOOK AUTORIDADE PARENTAL 2ED.indb 172EBOOK AUTORIDADE PARENTAL 2ED.indb 172 21/04/2021 15:10:0321/04/2021 15:10:03

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